CUT: ‘a cultura da escravidão ainda está grudada nos poros da sociedade’

“O Brasil é um país racista, os brasileiros são racistas. A cultura da escravidão ainda está grudada nos poros da sociedade em forma de racismo, um racismo que é a herança mais maldita e danosa dos mais de 330 anos e escravatura”, critica a secretária Nacional de Combate ao Racismo da CUT, Maria Júlia Nogueira

“O Brasil é um país racista, os brasileiros são racistas. A cultura da escravidão ainda está grudada nos poros da sociedade em forma de racismo, um racismo que é a herança mais maldita e danosa dos mais de 330 anos e escravatura”, critica a secretária Nacional de Combate ao Racismo da CUT, Maria Júlia Nogueira
“O Brasil é um país racista, os brasileiros são racistas. A cultura da escravidão ainda está grudada nos poros da sociedade em forma de racismo, um racismo que é a herança mais maldita e danosa dos mais de 330 anos e escravatura”, critica a secretária Nacional de Combate ao Racismo da CUT, Maria Júlia Nogueira (Foto: Leonardo Lucena)


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Da CUT - Esqueçam o 13 de Maio. Foi pura armação histórica, à qual deram ares de redenção épica para atribuir à “generosidade” de uma princesa branca e banhada por mucamas o fim da escravatura no Brasil. Uma enganação que serviu aos interesses econômicos e políticos do governo do Império e à parte da sua elite branca, transformada em “lei de ouro” para inglês ver. Até poucas décadas atrás, em livros e mentes, essa imagem da Redentora que libertou os escravos das correntes aprisionou no limbo da história a longa resistência e luta dos negros contra a própria escravidão, além de reduzir a importância do movimento abolicionista, uma das primeiras formas organizadas de luta política em terras coloniais.

Após tramitar no Parlamento em tempo recorde de seis dias, a Lei Áurea foi sancionada em 13 de Maio de 1888 pela Princesa Isabel (1846-1921), extinguindo oficialmente a escravatura no Brasil. Na realidade, porém, essa legislação sempre exaltada como uma das mais importantes do País tirou os escravos da senzala para colocá-los no caminho da favela, onde boa parte da população negra é obrigada a sobreviver até os dias de hoje. Não à toa, a primeira favela do Brasil, a da Providência, surgiria nos morros do Rio de Janeiro em 1897, nove anos após o teatro montado para Isabel e a Monarquia posarem de heróis.

“A verdade é que o sistema escravagista estava em decadência e iria acabar de qualquer jeito, com ou sem a assinatura da Lei Áurea. Isso porque a resistência dos negros e a mobilização brasileira pela abolição foi grandiosa, estruturada e longa”, contesta a secretária Nacional de Combate ao Racismo da CUT, Maria Júlia Nogueira.

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A despeito da “generosidade salvadora” da princesa, a abolição viria, diz Júlia, por força da luta dos escravos, do movimento abolicionista e das pressões externas, em especial da Inglaterra, que cobrava de uma iminente República brasileira novo modelo de economia para substituir a já esgotada e criticada escravatura – o Brasil foi o último País do mundo a acabar com a escravidão.

A efeméride 13 de Maio ficou, assim, tão distante da realidade quanto o mito, academicamente já desmentido e, na prática, comprovado, de que aqui nesta nação um dia já vigeu uma democracia racial.

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“O Brasil é um país racista, os brasileiros são racistas. A cultura da escravidão ainda está grudada nos poros da sociedade em forma de racismo, um racismo que é a herança mais maldita e danosa dos mais de 330 anos e escravatura”, critica a secretária de Combate ao Racismo da CUT.

Os 63 jovens negros assassinados por dia no Brasil (23 mil por ano), segundo dados da ONU, são prova dessa herança maldita.

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Prisões abarrotadas de negros também refletem o racismo herdado da escravidão. A maior parte da população carcerária nacional é de negros; são 64% do total de 726 mil presos (a terceira maior do mundo, atrás dos Estados Unidos e China), segundo dados do Infopen (Sistema Integrado de Informações Penitenciárias), do Ministério da Justiça, divulgados em fevereiro deste ano.

Os negros e negras aprisionados em celas, hoje, somariam quase o mesmo número de escravos “libertados” pela Lei Áurea. Foram 700 mil, do total de 4 milhões arrastados a força para o Brasil  entre 1550 e 1850 - quando foi criada a lei que proibia o tráfico de africanos para o País.

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Gente que deixou de ser mercadoria e patrimônio dos fazendeiros do Império para se tornar um “problema” no dia seguinte a abolição ser sancionada. Parte da solução, porém, já estava preparada pelos poderosos: negar aos ex-escravos o direito à terra (por lei) e à cidadania, para explorá-los como mão de obra barata e condená-los a uma vida marginal e miserável.

Isso aconteceu porque a abolição não foi acompanhada de uma reforma agrária e de leis protetoras do trabalhador negro livre, o que acabou mantendo os ex-escravos em uma situação de miséria e sem chances reais de se reintegrar à sociedade.

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Sem ter onde morar, foram empurrados para guetos, onde não pudessem contaminar o processo de embranquecimento do País com sua cultura, cantos, costumes, crenças e “vícios”.

Começaria aí, oficialmente, uma mudança de status para os negros libertos: escravos não mais, porém reféns da falta de tudo. Troncos, açoites, senzalas seriam abolidos. Abriu-se, porém, a porta do purgatório e nunca mais foi fechada.

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"No dia 14 de Maio, saí por aí/ não tinha trabalho nem casa, sem ter aonde ir levando a senzala na alma, subi a favela/ pensando em um dia descer, mas eu nunca desci/ No dia 14 de Maio, ninguém me "deu bola" / E eu tive que ser// "bom de bola" pra sobreviver/ sem nome, sem identidade, sem fotografia/ o mundo me olhava, mas ninguém queria me ver...”.  Esse trecho da música dos contemporâneos Lazzo Matumbi e Jorge Portugal, pinta o quadro do dia seguinte à abolição.

REVISÃO HISTÓRICA

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A importância histórica do 13 de Maio, porém, é defendida por pensadores e estudiosos da escravidão no Brasil. Justificam que a assinatura da Lei Áurea traduz a luta e a vitória do movimento abolicionista e do Parlamento brasileiro. Mas a maioria do movimento negro discorda e ignora a data.

“A abolição da escravatura não foi uma ação libertadora e igualitária para a população negra do Brasil”, conceituou o sociólogo Florestam Fernandes (1920-1995), em desacordo com os seus colegas acadêmicos. E isso nos anos 1950.

Em seu livro “A Integração do Negro na Sociedade de Classes”, de 1964, Florestam afirma que, após o fim da escravidão, as classes dominantes não contribuíram para a inserção dos ex-escravos no novo formato de trabalho. “Os senhores foram eximidos da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou qualquer outra instituição assumissem encargos especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho”, afirma na obra.

O mito de uma Lei Áurea parida pela “bondade do Império”, exaltada em salas de aula e livros de história, começou então a ruir. Outros estudiosos e ativistas do movimento negro também contestaram a importância da família imperial para o fim da escravidão e exaltaram a resistência dos escravos.

Em 1988, no centenário da Lei Áurea, a data-ícone 13 de Maio foi trocada pelo 20 de Novembro, tirando da Princesa Isabel o protagonismo pela libertação dos escravos e passando-o à figura de Zumbi, líder do Quilombo dos Palmares.

A instituição do “Dia da Consciência Negra” tornou-se um dos principais marcos dessa revisão histórica. O 20 de novembro, que faz referência ao dia da morte de Zumbi, foi incluído no calendário escolar como Dia da Consciência Negra em 2003, quando foi instituído o ensino da história e cultura afro-brasileiras nas escolas.

Em 2011, a Lei 12.519 criou o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, mas não instituiu o feriado nacional. Depende da vontade de cada Estado e cada Município, e da aprovação de seus Legislativos, fazer isso. Hoje, a data é feriado em pouco mais de 1.000 dos 5.700 municípios brasileiros. E este é um país onde a maioria da população (54%) é negra.

NA LANTERNA

O Brasil seria o último País do mundo a abolir a escravatura, mas foi o que maior número de negros e negras recebeu da África e os escravizou. A maioria, mais de 80%, já estava livre antes da Lei Áurea ser sancionada porque tinha juntado algum dinheiro e comprado a própria alforria, tinham sido alforriado por seus donos ou fugido para os quilombos que fizeram a resistência ao sistema, principalmente a partir dos anos 1840.

Os Estados do Amazonas, Rio Grande do Sul e São Paulo já não tinham mais escravos antes da Lei Áurea. O Ceará acabou com a escravatura em 1884. Leis anteriores e canhestras que proibiram o trânsito de navios negreiros (exigência dos ingleses), do ventre livre e do sexagenário, contribuíram, de alguma forma, para esvaziar as senzalas.

“Se não fosse a princesa Isabel, certamente o imperador D. Pedro II ou a elite econômico-política que assumiu a República brasileira após 1889 decretaria o fim da escravidão”, diz a secretária de Combate ao Racismo da CUT, Maria Júlia Nogueira.

Abolição sancionada, “esses pretos que se danem”

O se danem não existia no século 19, mas seria a tradução do pensamento dominante à época. As elites escravocratas, segundo pesquisadores do tema, não queriam mais africanos como mão de obra,  porque eles traziam para o Brasil seus maus hábitos e vícios

Para o lugar dos negros e negras escravizados vieram os imigrantes europeus, que começaram a chegar em 1850, como parte da tentativa-objetivo de “embranquecer” a população. Havia a crença de que os brancos da Europa trariam para o Brasil pré-República uma nova lógica de trabalho, com uma visão enobrecedora, considerada pelos escravagistas bem distinta da visão dos escravos.

NEGRO E LUTA DE CLASSES

Como escreveu Florestan Fernandes, a luta de classes, para o negro, deve caminhar juntamente com a luta racial propriamente dita. ‘O negro deve participar ativa e intensamente do movimento operário e sindical, dos partidos políticos operários, radicais e revolucionários, mas levando para eles as exigências específicas mais profundas da sua condição de oprimido maior”.

Porque “a democracia só será uma realidade quando houver, de fato, igualdade racial no Brasil e o negro não sofrer nenhuma espécie de discriminação, de preconceito, de estigmatização e segregação, seja em termos de classe, seja em termos de raça. Por isso, a luta de classes, para o negro, deve caminhar juntamente com a luta racial propriamente dita. O negro deve participar ativa e intensamente do movimento operário e sindical, dos partidos políticos operários, radicais e revolucionários, mas levando para eles as exigências específicas mais profundas da sua condição de oprimido maior”.

Por dívida impagável, Lula pediu perdão ao povo africano e mudou a relação do Brasil com a África

Para cada dez anos da História do Brasil, sete foram sob o regime da escravidão, um tempo marcado a ferro nos corpos de africanos submetidos a raptos, trabalhos forçados, açoites, estupros, exploração. Horrores de uma guerra de lado único que fez este País acumular uma dívida impagável com o Continente africano, de onde entre 4 milhões e 5,5 milhões de homens e mulheres foram arrancados e trazidos à força para se tornar fundamentais à riqueza e economia da maior colônia portuguesa. Uma história muito conhecida e mais ainda ignorada por omissão e conveniência.

Foi preciso eleger e reeleger um operário e homem do povo à Presidência da República para ver amortizada parte dessa dívida com os africanos escravizados. Nos seus oito anos de mandatos, Luiz Inácio Lula da Silva revirou o baú da história marcada por distância e descaso com a África e fez um realinhamento estratégico na política externa com foco nos países africanos.

“Temos um débito de solidariedade com a África. É uma dívida impagável”, disse e repetiu Lula durante as suas 12 viagens oficiais à Região, algo que nenhum outro presidente fez. Na quarta viagem da série, ao Senegal de onde partiam os navios negreiros, Lula discursou e pediu perdão ao povo africano pela escravidão no Brasil. Somente nesses navios, estima-se que 600 mil africanos tenham morrido em condições desumanas, a maioria criança, segundo pesquisas e dados publicados no site Slave Voyages www.slavevoyages.org (em inglês, viagnes escravas).

O portal tem catalogadas 35 mil viagens e registros de três séculos e meio de tráfico de negros africanos. Revela que houve um fluxo de 10,7 milhões de escravizados em todo o mundo, a maior parte trazida para o Brasil colonial.

Em 2 de novembro de 2003, Luiz Inácio Lula da Silva começou a “por reparo” nessa história, com sua primeira visita presidencial à África. Ao longo de uma semana, a comitiva esteve nas capitais de São Tomé e Príncipe, Angola, Moçambique, África do Sul e Namíbia.

Fez muito e mais: em dez anos de governos petistas, foi aberta metade das 39 na África (que tem 54 países), foram firmados mais de 600 projetos de transferência de conhecimento e tecnologia em 43 nações africanas (em 2002, eram 21 em seis países).

De 2003 a 2012, o comércio exterior com a África saltou de US$ 6 bilhões para US$ 26,5 bilhões, segundo dados do Instituto Lula e do Itamaraty. O continente passou de 5,1%, em 2003, para 5,7%, em 201, na balança comercial. Na Era Lula pelo menos 500 empresas nacionais se instalaram em países africanos. O Banco do Brasil e o BNDES destinaram mais de US$ 4 bilhões em créditos de exportação.

E nem dá para elencar aqui as ações sem precedentes para a promovidas pelos governos Lula e Dilma para a igualdade racial, que ocorreram por conta do compromisso histórico de Lula e também pela atuação efetiva do movimento negro. Destaque para a criação da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR-PR), hoje desconstruída pelo governo golpista de Michel Temer.

Mesmo depois de deixar o governo, Lula segui sua relação de parceria e cooperação com os países africanos por meio do Instituto Lula. Um trabalho sem precedentes no Brasil hoje interrompido pelo bloqueio de bens que sufoca o Instituto e a prisão, sem crime nem provas, do mais popular líder político que o Brasil já teve.

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