O fator Meirelles

Embora ainda não tenha sido decidida pela presidente Dilma Rousseff, a possível escolha de Henrique Meirelles para o Ministério da Fazenda pode libertá-la de um fardo: a condução da economia, num contexto internacional ainda turbulento; já testado e aprovado nos oito anos em que conduziu o Banco Central, no governo Lula, Meirelles neutralizaria críticas internas e externas ao governo Dilma, e permitiria que ela se dedicasse, com mais ênfase, ao aprofundamento das políticas de inclusão social e ampliação dos direitos civis; seria, ainda a comprovação de que Dilma, assim como disse em seu discurso da vitória, também estaria disposta a mudar, dialogando mais com setores empresariais e financeiros

Henrique Meirelles
Henrique Meirelles (Foto: Leonardo Attuch)


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247 - Não é de hoje que o ex-presidente Lula tenta colar o nome de Henrique Meirelles, que presidiu o Banco Central durante seus oito anos de governo, ao de sua sucessora Dilma Rousseff. Em 2010, ano em que Dilma disputou e venceu suas primeiras eleições presidenciais, Lula fez o que pôde para emplacar Meirelles como vice. Conseguiu fazer com que ele se filiasse ao PMDB, com a promessa de que trabalharia, nos bastidores, para que, na convenção do principal aliado do PT, ele fosse o escolhido. Assim, a chapa de 2010 seria Dilma-Meirelles. 

Com ela, Lula acreditava ter a fórmula ideal. De um lado, a "mãe do PAC", o Programa de Aceleração do Crescimento, capaz de tocar grandes obras de infraestrutura, como de fato ocorreu no setor elétrico, com as usinas do Rio Madeira e de Belo Monte, e na preparação para a Copa do Mundo. De outro, o principal responsável pela estabilidade econômica em seu governo. Com Meirelles no Banco Central, Lula colheu o mais longo período de crescimento da história recente do País: nada menos do que 24 trimestres consecutivos com o PIB em aceleração. E isso com inflação cadente e dentro da meta.

O plano, no entanto, começou a desmoronar ainda em 2010. Na convenção do PMDB, o então deputado Michel Temer mostrou comando sobre a base do partido e exigiu que ele próprio fosse indicado como vice. Depois da vitória, na montagem do governo, Meirelles foi preterido por Dilma na escalação de sua equipe. Dilma preferiu ficar com Guido Mantega, desafeto de Meirelles, na Fazenda, e alçou Alexandre Tombini ao comando do Banco Central. Com isso, ainda que tenha conseguido um grande trunfo em seu primeiro mandato, que foi a economia com pleno emprego, abriu um flanco de críticas à sua administração, depois que a inflação voltou a subir.

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Em 2013, no entanto, o nome de Meirelles voltou a ganhar força, quando cresceram os rumores sobre o "Volta, Lula". Procurado por diversos empresários no Instituto Lula, o ex-presidente deixou vazar a informação de que Meirelles fazia falta na equipe econômica. Naquele momento, Lula estava convencido de que, com a volta do ex-presidente do Banco Central, Dilma teria uma reeleição mais tranquila, sem sofrer tantas críticas de analistas econômicos e da imprensa brasileira e internacional. A presidente, no entanto, mais uma vez resistiu.

Por que, agora, seria diferente?

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Se Dilma não quis manter Meirelles em 2011, primeiro ano de seu governo, e repeliu a ideia de trazê-lo de volta em 2013, quando Lula voltou a insistir no tema, por que agora seria diferente? Cada vez mais, nos círculos econômicos, corre a informação de que a presidente reeleita estaria menos resistente ao nome do ex-presidente do Banco Central. E Lula também já deixou claro que a equipe econômica dos seus sonhos teria Meirelles na Fazenda e o economista Nelson Barbosa (outro nome cotado para o cargo) no Planejamento.

A chave para compreender uma eventual mudança de Dilma é seu discurso da vitória, logo após sua eleição, no segundo turno, da disputa presidencial. Mesmo sob a empolgação da reeleição, ela se disse disposta a mudar e a dialogar com todos os setores da sociedade brasileira – incluindo lideranças do setor empresarial e agentes do mercado financeiro. Nestas áreas, a aceitação do nome de Henrique Meirelles é praticamente unânime – maior, inclusive, do que seria a de Armínio Fraga, nomeado por antecipação "ministro" de Aécio Neves.

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Enquanto a gestão de Armínio Fraga, no Banco Central, foi marcada por juros na lua (45% ao ano), instabilidade cambial e metas de inflação não cumpridas em três dos seus quatro anos, Meirelles plantou e colheu resultados diametralmente opostos. Foi com ele que o Brasil acumulou reservas de US$ 350 bilhões, alcançou o chamado grau de investimento medido pelas agências internacionais de risco e, também, reduziu as taxas de juros. Ou seja: Meirelles, em seus oito anos à frente do Banco Central, foi testado e aprovado.

A política da previsibilidade

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O que fez a diferença para Henrique Meirelles, em relação a seus antecessores, no Banco Central, foi uma decisão tomada ainda antes da posse, em janeiro de 2003. Na primeira entrevista que concedeu, antes mesmo de assumir o comando da autoridade monetária, Meirelles afirmou que iria zerar a dívida cambial brasileira – eram papéis emitidos internamente, mas indexados pela moeda americana. Promessa feita, promessa cumprida.

Economistas ortodoxos que passaram pelo Banco Central, como Gustavo Franco, Persio Arida e Armínio Fraga sempre resistiram a eliminar este vírus inoculado nas contas públicas brasileiras. Meirelles, ao contrário, enxergava ali o grande ponto de fragilidade da economia nacional. Foi com Armínio Fraga, em 2002, que o mercado mostrou suas garras da forma mais intensa. Sempre que se aproximava o vencimento dos títulos indexados pelo câmbio, ocorria um movimento previsível: o dólar disparava e, assim, o Tesouro Nacional era onerado com pagamentos maiores. 

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Um efeito colateral dessa volatilidade cambial era a dificuldade de se combater a inflação. Não por acaso, Armínio só cumpriu a meta em um dos quatro anos em que esteve à frente do Banco Central.

Meirelles, ao contrário, apostou todas as suas fichas na política da previsibilidade. Ele acredita que se os agentes enxergassem a essência da nova política econômica, cujo mix continha a zeragem dos títulos cambiais, o acúmulo de reservas internacionais, o compromisso com uma inflação baixa e cadente, os investimentos voltariam. E foi exatamente o que aconteceu. Mesmo com o fortalecimento do real em relação ao dólar, o Brasil saiu uma posição frágil no balanço de pagamentos para US$ 350 bilhões em reservas e alcançou o grau de investimento – o que reduziu custos de captação internacionais para o Tesouro Nacional e para as empresas brasileiras.

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Dilma livre para tocar a política social

A gestão de Meirelles no Banco Central, vale dizer, foi favorecida por fatores internacionais. O ciclo de alta das commodities minerais e agrícolas fortaleceu as exportações brasileiras e contribuiu para a solidez do balanço de pagamentos. Hoje, o quadro é praticamente o oposto. Os preços do minério de ferro, por exemplo, são os mais baixos em quatro anos – o que explica o fato de o Brasil estar registrando déficit em sua balança comercial.

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No entanto, caso demonstre coerência entre o discurso da vitória e a prática, Dilma poderá se libertar do fardo de ser, ao mesmo tempo, presidente da República e ministra da Fazenda. Com Guido Mantega, quem era vista, de fato, como ministra, era a própria Dilma. Com Meirelles, caso ele venha a ser confirmado, será diferente. Até porque a mudança só trará resultados se ele, efetivamente, vier a ser percebido e reconhecido pelos agentes econômicos como "o ministro". Nos bastidores do poder, de resto, ele já teria deixado claro que faria apenas uma única exigência para aceitar o convite que ainda não veio: autonomia para trabalhar.

O que pode, de início, parecer um demérito para Dilma, representaria, na prática, a libertação da presidente de um fardo. Livre da tarefa de conduzir o dia-a-dia da economia, e com um ministro imune a críticas do setor empresarial e financeiro, a presidente estaria solta, sem amarras, para construir um novo papel para si mesma, aprofundando políticas de inclusão social e de ampliação de direitos civis, como já fazem outros líderes latino-americanos. Basta citar os exemplos de José Pepe Mujica, no Uruguai, e Michele Bachelet, no Chile. Políticas de cotas, de combate à homofobia e de ataque à desigualdade estariam no topo da agenda presidencial, enquanto Meirelles se ocuparia de questões muito mais desgastantes como o ajuste fiscal, por exemplo, o corte de despesas, em parceria com Barbosa, segundo a fórmula de Lula, a variação cambial e tantas outras.

Nestes últimos quatro anos em que esteve fora de Brasília, morando em São Paulo sem qualquer função pública, Meirelles deu mostras de que mantém todo o seu interesse pela política – o que ele nunca negou, ao contrário – e seu engajamento na economia real. Assediado por grandes companhias do Brasil e do exterior, escolheu a dedo os convites recebidos para fazer parte de quase uma dezena de conselhos de administração. Nesta condição, aliada ao trânsito internacional que ele comprovou ter, antes mesmo da presidência do BC, no exercício do comando mundial do Bank Boston, em Nova York, Meirelles tem em si mais um diferencial: a capacidade de atrair investimentos internacionais para o País. A presença dele na cadeira de ministro da Fazenda significaria, de imediato, uma versão 2014 da abertura dos portos, sinalizando claramente para o mundo dos negócios o compromisso brasileiro em ampliar permanentemente um ambiente amistoso para a entrada e permanência do capital internacional. Estaria anulada, assim, uma das principais fontes de críticas à política econômica, tão explorada na campanha presidencial pelos adversários da presidente e na mídia.

Reforçando sua aposta no campo político liderado pelo PT, Meirelles, há que se lembrar, recusou disciplinadamente um chamado feito e reiterado pelo então candidato tucano à Presidência Aécio Neves no início deste ano. Uma e duas vezes, o senador mineiro formulou na íntegra seu convite para ter o ex-presidente do BC de Lula em sua chapa presidencial, na condição de vice. Filiado ao PSD de Gilberto Kassab, o ex-prefeito empenhado em ocupar o espaço do centro na política brasileira, Meirelles pode até ter se deixado seduzir pela valorosa oferta, mas foi convencido por Lula a não levar tanta água para o moinho tucano e esperar onde estava pela definição da disputa eleitoral. Um passo de Meirelles na direção de Aécio, nota-se hoje claramente, poderia ter definido a favor do PSDB a dura disputa com o PT. Sem Meirelles, o tucano jogou todas as suas fichas em Armínio Fraga, indicando-o antecipadamente como seu futuro ministro da Fazenda – e foi justamente neste ponto que o PT jogou sua propaganda mais pesada, desconstruindo não apenas Fraga, mas toda a proposta econômica defendida por Aécio. Discreto como sempre, Meirelles, ao não se mover, mudou o curso da eleição presidencial a favor de Dilma. Agora, ele está em condições de ajudar novamente a presidente, atraindo para si todas as atenções dos agentes econômicos e libertando a presidente para correr para o abraço popular. Para essa tentativa com boa chance de êxito, só o que ainda falta é o mais importante agora: o convite. 

No mais recente artigo que publicou em sua coluna semanal na Folha de S. Paulo, Meirelles explicitou sua bandeira em prol do "crescimento e inclusão social". Pelas ideias ali contidas, percebe-se que, entre ele e Dilma, há muito mais pontos de convergência do que divergências. Leia abaixo:

Crescimento e inclusão social

Henrique Meirelles

Tem havido no Brasil debate intenso sobre o dilema entre uma política que garanta estabilidade e crescimento econômico versus uma política de investimentos em inclusão social.

Essas opções políticas passaram por soluções que vão do extremismo soviético com estatização completa da produção até um sistema de participação mínima do Estado na economia.

Na realidade, são duas questões diferentes conjugadas pelos diferentes polos ideológicos, o que reduz a clareza sobre elas. A primeira questão é a definição do melhor modelo econômico para o país crescer a taxas elevadas e gerar mais empregos --via estatização e maior intervenção do Estado ou via maior empreendedorismo e competição no setor privado. A segunda são os investimentos públicos em políticas de inclusão social (como Bolsa Família, Previdência Social e outros) versus investimentos visando o aumento da produção nacional.

São questões que ganharam clareza com a evolução do Estado de bem-estar social na Europa Ocidental e mais ainda após o colapso do bloco soviético.

Quanto à primeira questão, sobre modelo de desenvolvimento, não resta dúvida de que o sistema de livre mercado com regulação eficiente pelo setor público, que favoreça a competição e o empreendedorismo, gera maior eficiência na alocação de capitais e uma mobilização maior e mais eficaz de recursos da sociedade para geração de crescimento e empregos.

A segunda segue sendo questão política relevante hoje: como dividir a poupança nacional entre investimentos sociais visando maior igualdade e investimentos produtivos que visam maior ganho social a médio e longo prazo. E a maioria da população brasileira tem feito a opção por mais investimentos sociais para reduzir a desigualdade.

O Brasil tem experiência bem sucedida em crescer e reduzir a desigualdade no processo. No período que conheço melhor por ter participado diretamente, foram adotadas políticas de austeridade monetária e fiscal e reformas para o desenvolvimento dos mercados que geraram queda da dívida em relação ao PIB e estabilização da inflação na meta com crescimento econômico e criação de empregos.

Isso possibilitou a inclusão de 50 milhões de pessoas à classe média e a ascensão social em todas as camadas. O crescimento médio de 4% permitiu aumento da arrecadação que viabilizou mais investimentos sociais no Bolsa Família, na educação, na saúde.

Para melhor exercer a opção escolhida, portanto, devemos fazer os investimentos necessários em produtividade e consolidar a estabilidade. O crescimento viabilizará o continuado aumento do investimento social, como mostra nossa história recente.

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