Nove anos depois, o pré-sal não é mais nosso

Início da produção comercial do primeiro óleo do pré-sal foi em setembro de 2008. Dois anos depois, o Brasil passou a adotar o modelo de partilha da produção e consolidou uma política de conteúdo local. Hoje com as mudanças no governo Temer, com a exploração no modelo de concessão e sem política de conteúdo local, grande parte da riqueza gerada não ficará no Brasil. A comemoração ocorrerá em terras estrangeiras. Artigo de Cloviomar Cararine Pereira, na Revista Fórum

Início da produção comercial do primeiro óleo do pré-sal foi em setembro de 2008. Dois anos depois, o Brasil passou a adotar o modelo de partilha da produção e consolidou uma política de conteúdo local. Hoje com as mudanças no governo Temer, com a exploração no modelo de concessão e sem política de conteúdo local, grande parte da riqueza gerada não ficará no Brasil. A comemoração ocorrerá em terras estrangeiras. Artigo de Cloviomar Cararine Pereira, na Revista Fórum
Início da produção comercial do primeiro óleo do pré-sal foi em setembro de 2008. Dois anos depois, o Brasil passou a adotar o modelo de partilha da produção e consolidou uma política de conteúdo local. Hoje com as mudanças no governo Temer, com a exploração no modelo de concessão e sem política de conteúdo local, grande parte da riqueza gerada não ficará no Brasil. A comemoração ocorrerá em terras estrangeiras. Artigo de Cloviomar Cararine Pereira, na Revista Fórum (Foto: Gisele Federicce)


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Por Cloviomar Cararine Pereira, da Revista Fórum - Em setembro de 2006, a Petrobras anunciou a descoberta do pré-sal colocando o Brasil no ranking das nações detentoras de grandes reservas de petróleo. Tratou-se de uma das maiores descobertas de campos petrolíferos das últimas décadas no mundo. Essa descoberta foi alcançada com a perfuração do primeiro poço de petróleo na camada do pré-sal brasileiro, poço RJS-628A, no campo de Tupi (Bacia de Santos). Eram resultados impressionantes e cifras inéditas para a indústria do petróleo mundial de então. O custo deste primeiro poço chegou a US$ 240 milhões, sendo que até aquele momento, o poço mais caro tinha sido perfurado pela estatal mexicana Pemex no golfo do México, com US$ 100 milhões. Chegou-se a uma profundidade de 7.600 metros e foram confirmadas reservas estimadas (ainda não provadas até hoje) em mais de 100 bilhões de barris. A título de comparação, até aquele momento, nos 50 anos de existência da Petrobrás, o Brasil possuía cerca de 10 bilhões de reservas provadas.

Depois de dois anos desta descoberta histórica, o início da produção comercial do primeiro óleo do pré -sal aconteceu em setembro de 2008, no campo de Jubarte, no litoral do Espírito Santo. Naquele momento, o mundo entrava em uma complexa conjuntura econômica de crise (iniciada na crise financeira americana dos subprimes) em que o Brasil adotou políticas anticíclicas para manter o crescimento (via expansão do crédito dos bancos públicos e aumento do gasto autônomo das empresas públicas, principalmente para o desenvolvimento do pré-sal), dentre estas a expansão dos investimentos da Petrobras.

É naquele contexto que emergiu na pauta do setor de petróleo e gás o debate estratégico a respeito do modelo de exploração adotado até então e das necessidades de mudanças, bem como do papel que o setor teria para impulsionar a indústria local com os grandes volumes de investimentos que o desenvolvimento do pré-sal requereria.

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Até a descoberta do pré-sal, o modelo de exploração e produção do petróleo era o de Concessão (lei 9.478) no qual se permitia a participação de quaisquer empresas nas licitações dos campos de petróleo. A recompensa para o Estado se dava mediante o pagamento dos bônus de aquisição de campos, em leilões organizados pela agência reguladora do setor (ANP), e o pagamento de royalties que variam de 5% a 10%. Até então, não havia uma política de desenvolvimento do conteúdo local, estimulando as contratações na cadeia de fornecedores brasileiros e geração de renda e empregos nacionais.

Alguns defensores do modelo de concessão alegavam que o pré-sal descoberto era fruto da competição criada entre as petroleiras. O episódio de sua descoberta mostra uma realidade bem diferente desses argumentos, uma vez que a americana Chevron desistiu dos investimentos quando o custo daquele primeiro poço chegou no patamar de US$ 100 milhões, desistindo do negócio e vendendo sua participação no consórcio para a Petrobras e para a portuguesa Petrogal. A Petrobras continuou com os investimentos e o projeto tornou-se uma realidade.

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Após a descoberta do pré-sal, em 2010, depois de longo debate na sociedade, o Brasil mudou sua visão estratégica para o setor e passou a adotar o modelo de partilha da produção (Lei 12.351), ainda que apenas para estes campos, e consolidou uma política de conteúdo local. Além disso, foi realizado um processo de capitalização da Petrobras em troca de cessão de 5 bilhões de barris (regime de Cessão Onerosa) para a exploração da empresa em campos do pré-sal. No modelo de partilha da produção, adotado em países que haviam descoberto grandes campos petrolíferos, o entendimento passou a ser de que os riscos para as empresas explorarem petróleo se reduziram enormemente e, por isso, as participações governamentais aumentaram. No Brasil, o regime de partilha da produção foi implantando tendo a Petrobras como única empresa operadora dos campos, com participação mínima de 30% do consórcio. Além disso, estruturou-se uma política de conteúdo local para aproveitar, da melhor maneira possível, os investimentos na exploração deste bem finito.

Hoje, passados 9 anos da confirmação do primeiro óleo no pré-sal, sua exploração acontece em 14 campos e em cerca de 80 poços. Os dois maiores campos em produção, concentrando cerca de 80% da produção de petróleo e gás natural do pré-sal, são: primeiro, Lula, na Bacia de Santos no litoral do Rio de Janeiro, com mais de 40 poços em produção e pertencente ao consórcio da Petrobras (operadora com 65%), Shell com 25% e Petrogal com 10%; e Sapinhoá em segundo, também na Bacia de Santos, mas no litoral de São Paulo e com mais de 10 poços em produção, pertencente ao consórcio da Petrobras (operadora com 45%), Shell com 30% e Repsol Sinopec com 25%. Estes campos foram adquiridos em 2000, em leilão da ANP, e estão sob o modelo de concessão, com participação governamental pequena (10% de royalties e cerca de 20% de participação especial) e sem obrigatoriedade de conteúdo local.

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O histórico de produção de petróleo e gás natural dos campos em operação no pré-sal mostra um crescimento muito rápido de sua participação na produção nacional. Segundo dados da ANP, em 2010 a produção destes campos representava apenas 2,8% da produção nacional, em 2017 chegava a 50% da produção, com produção de 1,57 milhão de boe/dia em agosto deste ano.

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Para ter uma dimensão melhor deste volume produzido no pré-sal, somente a produção de petróleo, sem considerar o gás natural, está em 1,3 milhão de barris por dia. Se fosse um país, estaria em 19º lugar no ranking dos maiores produtores de petróleo do mundo, à frente de países como Reino Unido, Omã e Colômbia.

Este crescimento se explica pelo potencial de produção em cada poço do pré-sal. Os 10 maiores poços em produção, em agosto de 2017, têm uma produção diária acima de 31,6 mil barris equivalentes, sendo que o poço 7LL15DRJS, no campo de Lula (Bacia de Santos), chegou à produção de 41,5 mil boe/dia. A título de comparação, em todo o Estado de Sergipe a produção total (em terra e mar) neste mesmo mês foi de 36,9 mil boe/dia, com 2.170 poços. Ou seja, apenas 1 poço do pré-sal supera toda a produção de mais de 2 mil poços em Sergipe.

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Em relação a distribuição do petróleo produzido, mesmo sendo a única operadora dos campos, a Petrobras ficou, em agosto de 2017, com 67% do total produzido (1.056 mil boe/dia), a BG (hoje Shell) ficou com 21% (331 mil boe/dia), a Petrogal com 7% (102 mil boe/dia) e a Repsol com 5% (81 mil boe/dia).

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Neste sentido, o pré-sal tornou-se importante também para outros países, como o caso de Portugal, que consome cerca de 236 mil barris/dia e, somente o pré-sal, representa 43% de todo o consumo do país.

Assim, apresentado os números impressionantes do pré-sal, vale chamar atenção para as escolhas estratégicas feitas anteriormente pelo país e quais estamos fazendo hoje. Neste momento, com campos adquiridos no modelo de concessão e sem conteúdo local, mesmo operados pela Petrobras, grande parte da riqueza gerada com essa exploração não fica, nem ficará no Brasil.

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Para piorar, mudanças ocorridas recentemente na política do setor retiraram a operação única da Petrobras, acelerando os leilões de campos do pré-sal, e optou-se ainda em reduzir o conteúdo local, renunciar recursos fiscais às petroleiras estrangeiras via MP-795 do Repetro e, também, pela política de desinvestimentos da Petrobras. Após tudo isso, já é possível perceber uma maior participação de empresas estrangeiras na operação dos campos do pré-sal, como aconteceu nos últimos leilões da ANP, com a entrada das petrolíferas chinesas, o caso da Statoil no campo de Carcará e da Shell nos campos de Gato do Mato e Alto de Cabo Frio Oeste. Esta política retira nossa soberania energética, aprofunda nossa dependência das vendas externas de petróleo, joga fora a oportunidade que temos com estes promissores campos e retira a importância da política de conteúdo local. Ainda não há o que comemorar! Dado o rumo que tomamos, a comemoração ocorrerá em terras estrangeiras (EUA, Reino Unido, China, Holanda e até em nossa antiga metrópole portuguesa).

 Cloviomar Cararine Pereira é economista, técnico do Dieese na subseção da FUP (Federação Única dos Petroleiros) e integrante do Grupo de Estudos Estratégicos e Propostas (GEEP/FUP). 


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