Calúnias e colunas

“Ninguém passa impunemente pelo Norte do Paraná.” (João Antônio)



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Apesar da picaretagem da maioria, colunismo social é coisa séria. Vá lá que Ramalho Ortigão, Marcel Proust e João do Rio não sejam as bússolas da patuléia miúda que coalha os jornalecos do interior e as revistas picaretas com futilidades, extorsões e puro comércio. Mas vá fazer um jornal sem coluna social para ver o que acontece.

Me lembro que um grupo de jornalistas brilhantes do Rio e de São Paulo, como o Narciso Kalili, o Hamiltinho Almeida, o Mylton Severiano, o Mário de Andrade, o Ruy Fernando Barbosa, o José Trajano, o escritor João Antônio, foi lá para Londrina em meados dos anos 1970 fazer o Panorama, um diário moderníssimo bancado pelo ex-governador Paulo Pimental.

Chegaram cheios de bossa, inovando, abusando de modernos recursos gráficos, sede própria, e resolveram que seria um jornal diferente do concorrente, a Folha de Londrina, muito forte e tradicional.

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Só se esqueceram de combinar com os poderes locais. O primeiro disparo contra o grupo veio numa simples nota na coluna social assinada por Oswaldo Militão no jornal concorrente: o arenista Paulo Pimentel tinha importado um esquadrão de comunas para solapar os valores da sociedade londrinense. Em menos de um mês de circulação, o Pimentel, que é mais inteligente do que rico, fechou o balaio e dispensou a turma.

Narciso Kalili morreu. Mário de Andrade morreu. Hamilton Almeida Filho morreu. João Antônio morreu. Myltainho, meu amigo e parceiro, lenda viva do jornalismo brasileiro, mora em Florianópolis. José Trajano brilha na ESPN. Paulo Pimentel, empresário de sucesso, jamais lançou outro jornal, ficando com os que já tinha.

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E a Folha de Londrina continua líder absoluta de mercado. Lá no seu cantinho medíocre, Oswaldo Militão, decano do colunismo social do interior brasileiro, reina feliz da vida, preparando o sucessor, seu filho Marcelo Militão.

Trinta e seis anos depois dessa aventura, voltei a Londrina pela primeira vez neste fim de semana para lançar “Crime de Imprensa” com o Myltainho e gozar a paz das músicas do Bernardo Pellegrini. Claro que não pude deixar de pensar um pouco nisso tudo ao deparar com a página do Militão.

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Na avaliação final de alguns do grupo, um dos nossos erros estratégicos foi não abrir espaço para uma coluna social no Panorama. Já pensou um cara com Zózimo Barroso do Amaral despontando entre os inúmeros garotos que se revelaram ali?

Rico, bonito, filho de banqueiro, educado e charmoso, era o avesso de Ibrahim Sued, de quem foi amigo. Fazia absoluta questão de tratar bem as pessoas. E, com um humor fino, fazia de sua coluna – primeiro no Jornal do Brasil, depois em O Globo – um espaço de inteligência, onde brotava a alegria. A informação precisa estava lá. O furo, o inédito.

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“Eu acordo pensando em como vou fazer as pessoas sorrir”, disse certa vez.

E fez muito. Quando a atriz Cássia Kiss, com muita dignidade, estrelou uma campanha na televisão apalpando o busto nu, orientando como as mulheres deveriam fazer o seu exame primário de prevenção do câncer no seio, Zózimo não perdeu a chance: “E a Cássia Kiss, hein? Que mãos!” Em 23 letras, o humor fino, a graça, o sorriso de quem lê, a verve de quem escreve, o inusitado no cotidiano enfadonho das pessoas. Que saudades do Zózimo!

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Ibrahim Sued? Nem pensar. Casca grossa, boçal, servil com os poderosos e totalmente desagradável e feroz com os humildes, no dizer de Reynaldo Loyo, seu implacável colega de colunismo, que o conhecia como poucos:

“Uma figura repulsiva, execrável. Tinha um humor péssimo, raivoso. Veio de baixo mas era fixado nos ricos e odiava os pobres. Quando a barra pesava pra ele, alguém o enfrentava, o barrava, o ameaçava, ele se transformava em um cordeirinho e dava uma explicação cândida, cínica, lastimável para as suas grosserias: eram as hemorróidas as culpadas, dizia com a maior cara-de-pau, e pedia desculpas, se humilhava sem o menor drama de consciência. Era um invertebrado.”

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O impagável jornalista carioca Sérgio Porto, incorporando o não menos impagável Stanislaw Ponte Preta, o Lalau, não teve dúvidas diante da boçalidade e do quase analfabetismo de Sued, transformando-o em sinônimo de indigência cultural. Sua arrogância foi punida com o ridículo a que foi levado, transformando-se num prato cheio para o inesquecível Lalau (o jornalista genial, não o juiz ladrão), que o brindava com um bordão em sua coluna da Última Hora: “Ah,Ibrahim, Ibrahim! / Se não fosse tu, o que seria de mim?” O genial Millôr Fernandes, na mesma linha, não se fez de rogado, e sapecava em suas colunas o ridículo da personagem: “E aqui entro eu, como diz o Ibrahim saindo da TV Globo!”

Ibrahim, antes da morte, já sem sua coluna diária em O Globo (passou a assinar apenas uma, nos fins de semana), e após ter passado o diabo nas mãos da belíssima pantera Ângela Diniz, aquela morta pelo playboy paulista Raul “Doca” Street em Búzios (“Dei tanta porrada nessa vagabunda e vem um malandro do Rio e mata”), conheceu a humilhação. A mesma a que submeteu tantas pessoas simples, tantos incautos que tentaram bajulá-lo por apenas uma notinha. Quis ser candidato à prefeitura do Rio pelo PTB. Levaram-no no deboche.

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Quis entrar para a Academia Brasileira de Letras. Idem. Foi tema do samba-enredo de uma escola do segundo grupo. Entrou no Sambódromo no alto de um imenso carro alegórico, rodeado de panteras, dondocas, gatinhas e madames do soçaite. Seus belos olhos verdes não conseguiram represar as grossas lágrimas que escorreram pela face sempre bronzeada: o povão, aquele que ele tanto desprezava, destinou-lhe a maior vaia da história de todo o Carnaval carioca. Gigi, ele não chegou lá.

Mas poderia acontecer o óbvio lá no Panorama. Mesmo sem saber, os colunistas sociais são agentes típicos de defesa da classe dominante. Em quase todos os Estados eles estão no colo dos donos do poder. A adesão é total, absoluta, integral. Como o Pergentino Holanda, defendendo com unhas e dentes a oligarquia dos Sarney ou tentando mandatos, que o povo lhe nega, pelos partidos da direita. Há casos interessantes Brasil afora. No Norte e Nordeste é uma loucura.

E se tudo desse certo há mais de três décadas, então seria muito natural um belo dia Paulo Pimentel nos apresentar a um novo colega de trabalho: Oswaldo Militão, com quem estaríamos convivendo até hoje, para provar que João Antônio estava cheio de razão ao dizer que ninguém passa impunemente pelo Norte do Paraná.

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