Se Veja tem seu próprio programinha de delação premiada, é só dizer

Cânones do diretor de redação da maior revista em papel do País soam como regulamento de jardim da infância para os quadrilheiros profissionais que a revista considera importante lidar



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No texto Uma Reflexão Permanente, no qual, por oito vezes, em destaque e negrito, o diretor de redação de Veja, Eurípedes Alcântara, faz autocitações como se quisesse, na madrugada do fechamento, produzir um cânone do jornalismo moderno, ele próprio não enfrentou diretamente, e quanto menos em profundidade e com coragem, a questão que motivou seu próprio texto.

Por que, então, depois de escrito e revisado assim assim, o publicou?

Para dizer que tratou do assunto que não quis tratar?

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Isso tudo começou quando se descobriu que, nos últimos vinte anos, o contraventor Carlinhos Cachoeira foi talvez a melhor fonte da sucursal de Brasília de Veja, provendo a revista, por meio do hoje redator-chefe Policarpo Junior, com farto material obtido de 'n' maneiras, o que incluiu gravações clandestinas.

Tristemente para a relevância do texto, o caso Cachoeira-Veja não merece sequer uma menção concreta. Os nomes não aparecem, os fatos relacionados nem sequer são apresentados. Fica tudo no genérico, com conceitos à maneira do curso para focas da própria Editora Abril. Imagino o que Alberto Dines, Jânio de Freitas, enfim, os realmente grandes que entraram nesse debate, poderão fazer com ele (o texto)... Vai sobrar pouco.

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Exatamente, e outra vez, porque tem lá suas frases bacanas – “Entrevistar o papa não nos faz santos. Ter um corrupto como informante não nos corrompe”, momento alto da primeira autocitação, repetida no início e no miolo --, a peça pode agradar “pessoas não diretamente envolvidas em nosso trabalho”, às quais, ao que entendi, o texto se dirige. Mas mesmo para estas faltou a abordagem sobre os fatos objetivos.

Esperou-se, afinal, bastante tempo por uma manifestação oficial de Veja a respeito do relacionamento fonte-veículo que, ao que parece, necessariamente, será discutido na CPI do Cachoeira, com as devidas convocações indesejadas pela Editora Abril. Nas páginas da revista, essa manifestação não veio até agora, semanas após o estouro do caso que, de resto, eclodiu em plena sexta-feira de fechamento, e Veja não noticiou em tempo certo. O diretor de redação, com o seu Uma Reflexão, optou pela divulgação num veículo suplementar, virtual. Ao botar lá sua assinatura, porém, dá a entender que isso deveria nos contentar a todos como posicionamento formal da publicação. Sei não se isso é suficiente para convencer os que acompanham e participam dessa discussão e, ufa!, tirar Veja do mesão da CPI. Se a intenção foi essa, sei não...

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Há, no texto, um conceito que, se ali foi colocado para aliviar a barra do jornalista de Veja mais diretamente envolvido no caso, provoca efeito contrário. Pode ter sido proposital, o que seria bastante cruel. Lá está escrito:

“A regra básica para errar menos com o uso de fontes anônimas é ter em mente que o leitor pouco ou nada saberá sobre quem deu a informação - portanto, o jornalista tem que saber tudo sobre a fonte.”

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Bom, aí complica para o lado de quem teve com Carlinhos Cachoeira um relacionamento jornalista-fonte de informação. Repita-se: “portanto, o jornalista tem que saber tudo sobre a fonte”.

Quando ganhou em Veja o status de fonte de informação em off, aquela não identificada aos leitores, Carlinhos Cachoeira, cerca de vinte anos atrás, era um contraventor regional, com negócios de jogo ilegal, o bicho e caça-níqueis, circunscritos a Goiás, mais especialmente no eixo Goiânia-Anápolis. Antes de ser preso, em fevereiro deste ano, ele havia se tornado espetacularmente tentacular, com um senador e deputados em seu bolso, forte influência sobre um governador de Estado, interesses consolidados em diferentes regiões, multiplicador de sua própria fortuna – aliás, quem aí na frente do computador pode pagar R$ 15 milhões por um advogado defesa?

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No período em que ajudou a municiar Veja, um a um Cachoeira abateu adversários. Às dezenas, construiu lealdades. E, é no que eu acredito, com base na experiência vivida pelo prefeito derrubado de Anápolis Ernani de Paula – sim, uma fonte em “on” de Brasil 247 –, em suas reflexões e nos fatos relacionados a elas, especialmente Cachoeira ajudou a forjar, numa grande armação, o que Veja chamou de “maior escândalo de corrupção da história do Brasil”, o mensalão. Veja não viu, ou soube e não contou aos seus leitores, nada sobre esse crescimento exponencial do contraventor.

Alô, redação, vamos esquecer o fato de que a existência do mensalão não está provada – temos o Supremo, ainda o Supremo! --, mas é preciso lembrar, para efeito de comparação, toda a dinheirama em forma de concessões de emissoras de rádio que correu para que o Congresso aprovasse o quinto ano de mandato para o presidente Sarney, em 1988. E recordar, é claro, a votação do projeto que estabeleceu a reeleição para presidente da República, que beneficiou diretamente o então presidente Fernando Henrique, em 1997. Feito isso, se se quer achar que o mensalão é maior que esses escândalos, beleza, há mesmo quem acredite nisso.

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Mas a respeito de “saber tudo sobre a fonte” anônima ao público, conforme critério divulgado no texto do diretor de redação, isso Veja não fez em relação a Carlinhos Cachoeira. Jamais foi publicada, nesse tempo todo de profícuo relacionamento entre ele e a revista, uma única palavra sobre sua impressionante atuação criminosa. No mínimo Veja foi de uma ingenuidade monumental, histórica, ultrapassando qualquer proteção que se pode obter da pensata “ter um corrupto como informante não nos corrompe”. Cachoeira, é certo, aproveitou-se dessa ingenuidade – ou seria acobertamento? - e avançou debaixo de blindagem editorial. Molezinha.

Fica, de uma Uma Reflexão Permanente, a forte impressão de que Veja, com base em critérios editoriais que podem empolgar senhoras católicas de Santana, mas que soam como regras de jardim de infância para os quadrilheiros profissionais aos quais a revista se especializou em lidar – fitas clandestinas chegam ali a granel, foi o que entendi –, fica a sensação, recupere-se, que Veja tem seu próprio programinha de delação premiada – aliás, expressão citada no texto. Se é assim, era só dizer com todas as letras. O texto ficaria mais claro, direto e honesto. Eu sou do tempo em que, lá na redação de Veja, se dizia que "matéria boa é aquela em que a gente briga com todos os nossos amigos". Isso mudou, é isso?

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