Paraguai. Sou pobre mas sou feliz

Sondagens da agência Gallup colocam o Paraguai como o pais mais feliz do mundo. É também considerado um dos mais corruptos e injustos. Como podem felicidade e desigualdade conviver?

Sondagens da agência Gallup colocam o Paraguai como o pais mais feliz do mundo. É também considerado um dos mais corruptos e injustos. Como podem felicidade e desigualdade conviver?
Sondagens da agência Gallup colocam o Paraguai como o pais mais feliz do mundo. É também considerado um dos mais corruptos e injustos. Como podem felicidade e desigualdade conviver? (Foto: Luis Pellegrini)


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Futebol, paixão nacional paraguaia

 

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Por: John Carlin. Fonte: Jornal El País, Madri

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A felicidade converteu-se numa indústria. Não passa um dia sem que alguma instituição governamental, universidade, filósofo, economista ou blogger proponha um novo plano para alcançar o sonho pelo qual todos ansiamos. Se fizermos uma pesquisa na Amazon, aparecem 14.384 livros sobre como conquistar a felicidade.

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Mas, e se a felicidade existir não apenas nas nossas mentes e corações, mas num lugar físico? E se esse lugar for o Paraguai? Sim, no Paraguai, um país no centro da América do Sul, para onde migraram comunidades alemãs, irlandesas, norte-americanas, australianas e finlandesas nos últimos 150 anos. E, ainda mais, se contarmos com os missionários jesuítas do século XVII, convencidos de que ali encontrariam a utopia. Nos últimos três anos, o país tem sido considerado o mais feliz do planeta, segundo estudos levados a cabo pela prestigiada agência Gallup.

 

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A Catedral da Assunção de Nossa Senhora, às margens do rio Paraguai

 

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A terra sem mal

Fui ao Paraguai em busca do segredo dessa felicidade e encontrei uma terra que parecia ter tudo. A terra, praticamente vazia, com uma área duas vezes maior do que a da Alemanha e sete milhões de habitantes, é tão fértil que as mangas apodrecem no solo; os porcos são alimentados com abacates; as exportações de carne são superiores  da Argentina e a água dos seus grandes rios é tão abundante que, não só supera todas as necessidades agrícolas e humanas como também, graças à barragem gigante de Itaipu, produz quase dez vezes mais energia renovável - e eterna - do que a que a população necessita.

 

Danças dos índios guaranis permanecem vivas no Paraguai

 

Na teologia indígena guarani, existe o conceito paradisíaco da "terra sem mal". Parecia que a tinham encontrado. Mas, ao aprofundar um pouco, vi que aos seres humanos lhes falta algo. Parece que, na ausência de um sistema judicial minimamente sério, a corrupção contamina as instituições políticas e estatais de cima abaixo, dos juízes à policia, dos ministros aos funcionários. Parece também que os pobres estão todos os dias cada vez mais pobres e os poucos ricos cada vez mais ricos, entre eles o atual Presidente e magnata tabaqueiro Horácio Cartes. Segundo me contou um seu conhecido, um dia, Cartes confessou que se meteu na política porque já não sabia o que fazer com os seus milhões.

Então, se o Paraguai é um dos países mais injustos, mais corruptos e mais desiguais do planeta, e se estamos quase todos de acordo que injustiça, corrupção e desigualdade são os grandes males que nos afligem, porque os paraguaios se afirmam tão felizes?

 

As belíssimas Cataratas Segunda-feira, em Iguaçu

 

Esquecer o passado, viver no momento presente

Em primeiro lugar, como recentemente escreveu um colunista paraguaio, porque “uma das características mais marcadas da nossa idiossincrasia" é "a teimosia". Com o olhar posto na imaginária terra sem mal, muitos se negam a ver o mal real que os rodeia.

O exemplo mais surpreendente que encontrei foi o do herói da pátria, Francisco Solano López, cujo aniversário da morte (a 1o de março de 1870) é o grande feriado nacional. O autoproclamado marechal López foi um déspota, cujo endeusamento e tirania não seria superado por nenhum dos ditadores sul-americanos que se lhe seguiram. Durante os oito anos da sua presidência (1862-1870), López ordenou a tortura e execução de milhares de pessoas, familiares próximos incluídos, conduzindo o país a uma guerra demente contra Argentina, Brasil e Uruguai, que matou 85% da população paraguaia. Hoje, as avenidas principais da capital, Assunção, têm o nome de López e da sua Lady Macbeth, a sua não menos sinistra concubina irlandesa, Elisa Lynch.

 

Cheia de ótimos bares e restaurante, a vida noturna ferve em Assunção

 

A segunda razão pela qual os paraguaios acreditam que são felizes é pelo costume que têm de não pensar demasiado no passado e de viver o momento presente. Isso foi-me explicado pelo empresário Víctor González durante um passeio de carro pelos campos que rodeiam Assunção. Enquanto via a extraordinária riqueza da terra e a aparente serenidade  - sempre de chimarrão na mão – com que vivem os seus habitantes, González disse-me que, em guarani, o idioma que quase todos os paraguaios falam, não existe uma palavra para "amanhã".

Aquela que mais se aproxima desse conceito é koera, que significa “se amanhecer". Isto traduz-se numa atitude de não se angustiar pelo que possa acontecer no futuro, uma mentalidade que González, hoje homem rico mas criado numa pobre fazenda, recorda com nostalgia.

 

O povo é festivo e brincalhão no Paraguai

 

Fechar os olhos aos males da vida

Gonzalez e outros paraguaios disseram-me que a infelicidade vem quando se geram expectativas que não poderão se cumprir. Estudos da Universidade de Harvard o demonstram, evidenciando um dado dramático sobre o Paraguai: em média, todos os dias se suicida um jovem entre os 15 e os 25 anos.

 

Restaurante do Hotel del Paraguay, luxo e bom gosto

 

Cada um destes decidiu que seria melhor não haver um outro amanhecer porque, na maioria dos casos, vêm de famílias pobres, rurais, que aspiram a mais e se misturam - por exemplo, na periferia de Assunção – com jovens que usam t-shirts Lacoste, tênis Nike e possuem celulares de última geração.

De repente, felicidade passou a significar adquirir objetos antes desnecessários. Não podendo, são corroídos pela inveja e acabam com as suas vidas. A Gallup não entrevistou esta gente e os inquiridos preferiram fechar os olhos a estas desgraças.

 

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