Lula e o PT não caíram no erro de colocar o fascismo como tema central na campanha

O jornalista Mauro Lopes, editor do 247, escreve sobre a sabedoria de Lula de pautar a campanha do PT pela experiência concreta das pessoas e do povo, pelo universo crucial das relações e pela esperança de um tempo bom de novo; o partido não caiu no "canto de sereia" de pautar a campanha pelo combate ao fascismo ou pela dinâmica do #EleNão, e manteve as chances de vitória

Lula e o PT não caíram no erro de colocar o fascismo como tema central na campanha
Lula e o PT não caíram no erro de colocar o fascismo como tema central na campanha (Foto: Ricardo Stuckert)


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Eleição é como a vida. Caminhamos entre experiências e esperanças (ou desalentos). É assim com cada pessoa individualmente, com comunidades e povos. O universo das experiências é traçado em grande medida pela terra pisada dos acontecimentos concretos do cotidiano -e pelas mais imateriais e substantivas dentre todas as coisas: as relações.

Essa é a grande “sacada”, a sabedoria que faz de Lula um líder excepcional, o maior que o país já teve. Ele entendeu que a campanha deste ano estaria pautada 1) pela boa experiência do povo brasileiro com os governos do PT e suas repercussões concretas sobre a vida das pessoas, assim como pela experiência traumática do povo com o governo oriundo do golpe; 2) pela relação especial que largas fatias da população brasileira, especialmente as mais pobres, desenvolveram com ele e 3) pela esperança de que este bom tempo possa voltar -aqui, Lula trabalhou como um mestre com a nostalgia. Passando por um período difícil e tormentoso na vida (no caso, o governo Temer), lembramos e queremos resgatar o tempo bom e nossa lembrança é muitas vezes ainda mais forte que a vivência efetivamente acontecida à época.

Por isso, para Lula e o PT, o embate decisivo desta campanha sempre foi entre o tempo/projeto do partido para o país e a resultante concreta do golpe de Estado de 2014/16 sobre vida das pessoas. O PT não se afastou em nenhum momento desta perspectiva.

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Quando Bolsonaro tornou-se um risco eleitoral evidente, o PT não se deixou seduzir pelos apelos de setores ortodoxos da esquerda para  tornar o tema do fascismo como o centro da campanha e pela imediata formação de uma “frente antifascista”.

O PT inseriu o fenômeno Bolsonaro no contexto do golpe de Estado ou, como a campanha Lula-Haddad tem expressado, Bolsonaro como continuidade e expressão máxima do projeto dos golpistas.

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Sim, porque, se a disputa eleitoral é a resultante da experiência (o que já foi vivido no concreto e a esfera das relações) e das esperanças (ou desalentos), a pergunta óbvia é: qual é a experiência concreta do povo brasileiro com o fascismo? O que sabem as pessoas sobre o fascismo? É diferente do tema do comunismo, contra o qual há uma persistente e intensa campanha de má-informação há décadas, com as mídias de massa (e, mais recentemente, as redes sociais) pespegando no PT a pecha de “comunista”, assim como a tudo o que atemoriza as elites e as camadas médias do país.

A desinformação sobre o fascismo é tamanha no Brasil que conseguimos o espantoso feito de ser o único país do mundo no qual a tese de que o fascismo (e o nazismo) seria “de esquerda” conquistou algum espaço na opinião pública.

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Diante do crescimento de Bolsonaro no último mês, em especial depois da facada, segmentos de esquerda entraram numa dinâmica de agitação do risco do fascismo como se a luta contra ele pudesse se transformar numa bandeira nas ruas. A partir da ascensão do candidato da extrema-direita, sacaram imediatamente os clássicos das bibliotecas e propuseram a formação de uma “frente ampla” contra Bolsonaro. O #EleNão e as manifestações do último sábado (29 de setembro) foram o ponto culminante desta lógica do ponto de vista das camadas médias progressistas.

Houve uma incompreensão profunda no caso do “frenteamplismo” e um atropelo no caso do #EleNão -equívocos de qualidade diferente.

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O “frenteamplismo”, ao defender a união do PT e seu candidato com “todos os que estiverem dispostos a lutar contra o fascismo” ameaçou lançar o partido no colo das forças que são identificadas pela população como responsáveis pela desgraça atual. Passou-se a elogiar Alckmin e FHC e até a desejar-se explicitamente a adesão de Temer à “frente ampla”, colocando a esquerda como parte integrante do sistema, deixando a Bolsonaro o terreno livre para se apresentar ao povo como candidato contra o establishment. Lula, Haddad, e a direção do PT não cederam ao canto de sereia, mas o movimento causou prejuízos, pois alguns intelectuais e artistas petistas ou com história de vínculo com o petismo acabaram aderindo à ideia, como André Singer, Juca Kfouri, Chico Buarque, Paulo Vanucchi e Renato Janine Ribeiro.

As comunidades de partidos, movimentos e pessoas de esquerda fizeram uma experiência terrível e de grande coragem no embate com o fascismo na Europa. Mas essa experiência não pertence à história nem à memória do povo brasileiro. Lançada no meio da campanha presidencial, a ideia de combate ao fascismo, muito presente para os integrantes destes grupos e pequenas franjas da população, acabou por criar uma geleia geral misturando a esquerda com aqueles que o povo enxerga -com razão- como responsáveis por seu martírio atual.

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Quanto ao #EleNão, um movimento importante mas restrito às camadas progressistas da classe média urbana, como ficou claro nas pesquisas sobre afluência na manifestação do Largo da Batata em São Paulo (leia aqui), incorreu no mesmo equívoco do #NeverTrump, nos EUA. Há um combate cultura crucial na sociedade brasileira -como na dos EUA- que o #EleNão expressa com agudeza. Mas ele é um combate de largo prazo, enquanto a eleição tem prazos curtíssimos, improrrogáveis. Ao fim e ao cabo, acabou, com a personalização completa do movimento na figura de Bolsonaro, repetindo o mesmo efeito que a fixação da mídia conservadora e do Judiciário em Lula produziu. Criou uma teia de enorme solidariedade de um campo relativamente disperso ao redor de seu líder. E ainda encaminhou o debate eleitoral para uma arena neste momento desfavorável às forças progressistas e que deve ser tratada com olhar estratégico. Com a inevitável distorção que a ultradireita operou das manifestações do sábado nas redes sociais, o evento traduziu-se em maior consolidação do polo conservador ao redor de Bolsonaro.

Isso quer dizer que a eleição foi perdida? Não. Erros são um ingrediente da vida e das campanhas eleitorais. Nunca vi uma campanha que não tivesse cometido erros. Se o lado de cá errou, o lado de lá errou muito.

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Ao fim e ao cabo, o mais importante é que a direção do PT e a campanha de Haddad mantiveram-se na trilha de uma campanha pautada pelas experiências e esperanças.

Haverá segundo turno.

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E Haddad tem enormes chances de vencer.

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