A Bolsonaro falta o equilíbrio que sobra a Lula e o Carnaval do povo desnudou isso

O jornalista Mauro Lopes analisa a reação de Bolsonaro duranteo Carnaval; "há dos que dizem que ele é 'louco'; outros dizem que ele é um genial estrategista", escreve, e defende: nem uma coisa nem outra; a extrema-direita surfou uma onda de opinião e nada tem de "genial"; e usar  expressão "loucura" é ceder à visão de mundo da direita; o que falta a Bolsonaro -e sobra a Lula- é equilíbrio emocional num cenário adverso; quanto mais povo na rua, mais esse desequilíbrio será exposto à luz do dia

A Bolsonaro falta o equilíbrio que sobra a Lula e o Carnaval do povo desnudou isso
A Bolsonaro falta o equilíbrio que sobra a Lula e o Carnaval do povo desnudou isso


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Por Mauro Lopes, colunista do 247 e membro do Jornalistas pela Democracia - O tema desta segunda-feira é o comportamento de Bolsonaro durante o Carnaval. Ele agiu como se tivesse uma metralhadora nas mãos (para ficar no âmbito das metáforas prediletas dos bolsonaristas, todas envolvendo símbolos fálicos, como as armas). Ficou mudo no sábado de Carnaval e soltou apenas um tweet no domingo. Na segunda, porém. desencadeou uma verdadeira guerra.

Foi uma sequência que surpreendeu:

1. Quatro tweets na manhã de segunda, a partir de 6h35, anunciando o início das perseguições em escolas e universidades do país. Ameaçou estudantes, professores e funcionários com uma Lava Jato ideológica e, nas mensagens, previu que haverá resistência: "Sabemos que isto pode acarretar greves e movimentos coordenados", acenando claramente com repressão (aqui). 

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2. Na terça de Carnaval, também de manhã (9h19) um ataque grosseiro contra Caetano Veloso e Daniela Mercury, ao ponto de dizer que ele sequer são artistas. Foi sua vingança contra o clipe "Proibido o Carnaval" que os dois haviam lançado no início de fevereiro defendendo a liberdade na festa mais popular do Brasil e fazendo uma crítica bem humorada a todo ideário bolsonarista quanto aos direitos civis e à moral social, com uma referência direta à declaração da ministra Damares Alves (da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos) para quem meninos deve vestir azul e as meninas, rosa. Cantaram Daniela e Caetano: "Vai de rosa ou vai de azul?" (aqui).

3. O auge veio na noite de terça quando, às 20h, postou um vídeo obsceno que causou espanto no Brasil e no exterior; nele, dois foliões do Blocu, em São Paulo, praticavam o fetiche chamado de "golden shower" (chuveiro dourado ou banho dourado, que envolve o ato de urinar no parceiro ou na parceira). No seu texto, o ainda presidente insinuou que eram cenas comuns no Carnaval brasileiro: "É isto que tem virado muitos blocos de rua no carnaval brasileiro"(aqui).

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Qual a razão desta sucessão de ataques? Durante a manhã desta quarta-feira de Cinzas houve duas grandes correntes de análise sobre o comportamento de Bolsonaro, ambas com grande adesão: a de que ele seria "louco", "maluco", "insano", um "desequilibrado" ou de que, ao contrário, seria um estrategista "brilhante" que, com sua sucessão de posts e sua conduta em geral estaria, de maneira muito bem pensada, cada vez mais criando e consolidando o campo conservador, reunindo de neofascistas a fundamentalista e amplos segmentos dos pobres e das camadas médias apavorados diante da crise. 

Discordo de ambas as análises. 

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Creio que dizer que Bolsonaro é "louco" ou "insano" é uma postura reacionária, que coloca os que a pronunciam ao lado de todos os que defendem que na sociedade existiriam "sãos" e "malucos" e que ao segundo grupo deveriam estar reservados hospícios (manicômios) e camisas-de-força. Tal qualificação dirigida a Bolsonaro é profundamente equivocada, não encontra qualquer base na literatura psicanalítica ou psiquiátrica. Quem é "louco"?  Quem é "são"? E quem estabelece a divisão entre "loucos" e "sãos"? A direita e a extrema-direita estão tentando neste exato momento restaurar esta falsa  dualidade no país para encarcerar os que incomodam, como as recentes medidas do Ministério da Saúde indicam. Dizer que Bolsonaro é "insano" é, ao fim e ao cabo, alinhar-se com eles e manchar a memória e a luta de mais de 30 anos da luta antimanicomial no país. Bolsonaro, portanto, não é "louco".

A afirmação de que tudo é uma estratégia brilhante da extrema direita, uma receita aplicada linearmente nos últimos anos em diferentes países e situações ao redor do planeta parece-me uma leitura exagerada, forçada. Atribui uma "racionalidade" à extrema-direita a tal ponto que insinua haver verdadeiros laboratórios de "programação política e social" espalhados pelo planeta aplicando testes e teses, numa atualização do pensamento behaviorista. Parece-me que a luta política e social é bem mais complexa que isso. No Brasil, muitos -mesmo na esquerda- passaram o ano de 2018 declamando em prosa e verso a "genialidade" da extrema-direita. Eles acertaram aqui e em outros cantos? Sim. Mas "acertaram" depois de décadas "errando", sendo minoria, derrotados seguidamente. Leia-se a história do nazismo, se quiser ter perspectiva histórica. Foi enorme quantidade de derrotas que sofreram e equívocos que cometeram até chegar ao poder. A extrema-direita não é genial. Ela está aí e encontrou, no Brasil e em outros países, ambiente e conjuntura no qual houve oportunidade para finalmente sagrarem-se vitoriosos. Mas é um movimento muito mais amador do que nos querem fazer crer. Há uma alardeada "competência" que serve para, no mais das vezes, desarmar e desanimar as pessoas de esquerda e comprometidas com a justiça e a paz. 

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Estamos vendo isso agora. Se eles fossem tão "geniais", porque o governo Bolsonaro estaria ladeira abaixo a menos de 90 dias desde a posse? Porque eles estaria vivendo crises sucessivas, cada vez maiores, causadas -até o Carnaval- apenas por eles próprios e suas trapalhadas e dissenções internas?

Bolsonaro não é louco. Nem genial. Tem, e isso é evidente, um equilíbrio emocional muito aquém do exigido de alguém que está no lugar que ocupa. E isto é importante. 

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Compare-se o equilíbrio emocional de Bolsonaro com o de Lula.

Existe um bom critério para ler equilíbrio emocional: o comportamento diante das crises na vida pessoal ou no governo, no caso de ambos.

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Como Lula reagiu às crises de seu governo? Como reagiu à campanha insone de perseguição a ele e sua família durante pelo menos seis anos e que prossegue sem um dia de trégua? Como ele reagiu à morte de Marisa Letícia e, agora, de seu netinho Arthur? Como reagiu à prisão? Não há uma palavra sequer de Lula agredindo seus algozes, nenhuma ofensa, nenhum ataque pessoal, nenhum xingamento. Há altivez, serenidade e vigor, com momentos de tristeza, mas nunca de desânimo ou depressão.

Veja-se Bolsonaro. As palavras escapam-lhe ao controle com enorme facilidade. A ofensa está sempre na ponta da língua, está presente todo o tempo o desejo de morte dos adversários políticos e de todos os que ele sente como ameça. Há tensão permanente, medo de atentados; ele e seus filhos enxergam inimigos por todos os lados. 

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No Carnaval houve uma clara mudança de patamar no desequilíbrio emocional de Bolsonaro. Por que? A popularidade fácil, que lhe escorrega das mãos desde a posse, assumiu no Carnaval outra dimensão: o povo nas ruas manifestou sua repulsa a ele e a seu governo e enorme simpatia a Lula. 

Esse foi o "fator de desequilíbrio": povo na rua. Bolsonaro não aguentou. Não foi apenas a manifestação popular que o abalou. Para piorar as coisas (para ele), os camisas "verde-amarelo" sumiram. O bloco pró-bolsonarista que se anunciava em São Paulo não saiu porque ninguém apareceu; e, mesmo nas redes sociais, onde a extrema-direita pareceu a muitos "imbatível", tornaram-se minoria flagrante nos últimos dias. Ainda antes do Carnaval, a repercussão da morte de Arthur e do drama da família Silva evidenciou um enorme isolamento do bolsonarismo, representado pela manifestação hostil de Eduardo Bolsonaro; para cada 86 comentários de solidariedade a Lula, apenas um de escárnio (aqui); suspeito que quando saírem os levantamentos relativos aos episódios do Carnaval, os indicadores serão igualmente ruins para Bolsonaro et caterva.

Mais uma vez: compare-se reação de Bolsonaro agora à de Lula, quando milhões foram às ruas para exigir o golpe em 2015-16. Alguém se lembra de alguma agressão ou xingamento? Não houve.

O povo voltou às rua, para sua festa, não imediatamente para protestar contra Bolsonaro, registre-se. Mas a mensagem mudou radicalmente. O tempo do antipetismo exacerbado das camadas médias refluiu ou, ao menos, está voltando ao lugar onde sempre esteve: longe das ruas. A raiva contra o PT está amainando, por mais que a extrema-direita sopre a brasa. Afinal, lá se vão quatro anos desde o golpe, a contar do momento em que as elites pararam o país para derrubar Dilma; desde então, tudo vai mal, Juvenal. 

Nem Bolsonaro é "louco" nem a extrema-direita é dotada de estratégia genial. 

A extrema-direita surfou na onda da conjuntura e da insatisfação e, sobretudo, frustração popular depois de 13 anos de governos do PT que se encerraram em meio a uma recessão grave e remédios neoliberais num governo de esquerda. 

A onda é outra. A insatisfação e a frustração rapidamente começam tomar o lugar da expectativa em relação ao governo Bolsonaro. A extrema-direita comporta-se de maneira tosca diante da mudança do cenário, isolando-se mais e mais. 

A diferença de estatura política e emocional entre Bolsonaro e Lula torna-se a cada dia mais notória. 

Na sexta-feira, 8 de março, as mulheres comandarão a mobilização nas ruas. Como Bolsonaro reagirá? Dá para prever. O tempo político da extrema-direita está estiolando muito antes do que muitos projetaram.

A ele falta equilíbrio emocional e isso será exposto à luz do dia cada vez mais.  

O povo mobilizado o apavora. Que tal apavorá-lo ainda mais? Dia 8 está aí.  

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