Carta aberta a um amigo odiador de Cuba

Você sabia que nos meses em que morei em Havana, jamais vi uma criança de rua? Sim, existem muitos outros problemas em Cuba, mas não existem crianças morrendo de fome e velhos desamparados como no Brasil

Carta aberta a um amigo odiador de Cuba
Carta aberta a um amigo odiador de Cuba


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Tantos anos se passaram desde a nossa infância, desde as nossas férias de verão, quando brincávamos juntos no mar ainda verde esmeralda de Ubatuba, onde nossos pais tinham a casa de praia e onde vivemos grande parte da magia daqueles anos.

Você sempre sonhou em ser médico. Desde aquela tarde de janeiro em que levei 6 pontos na mão, depois de um tombo de bicicleta, e você cuidou do meu ferimento e, antes de chamar minha mãe, amarrou sua camiseta no ferimento para estancar o sangue.

Eu tinha apenas 9 anos e já sonhava em ser jornalista e contar histórias de guerras e de amor. Você tinha 12 anos e sonhava em ser médico.

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Aquela menina ainda vive em mim e acabou mesmo se tornando jornalista e escritora. Você também realizou o sonho de se tornar um médico, mas quando nos reencontramos, há dois anos, uma tristeza imensa colonizou meu coração.

Quando foi que aquele menino repleto de sonhos e de vontade de salvar vidas deu lugar a um um médico que não reconheço? Lembro que quando eu voltei de Havana, onde morei por alguns meses quando estava terminando a faculdade de Jornalismo, e para escrever o meu TCC sobre como era de fato viver em Cuba, você ainda não havia sido sequestrado pelo ódio. Conversamos por horas sobre nossas vidas e nossos sonhos.

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O que aconteceu com você e com tantos amigos que um dia eu admirei?

Por que tanto tanto ódio por Cuba e pelos cubanos?

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Desde que tudo aconteceu, desde que Bolsonaro agiu de forma imoral e provocou a saída de mais de 8000 médicos cubanos que atendiam nossos irmãos nas regiões mais mais pobres do País, tenho visto o ódio e a crueldade, caminhando rapidamente pelas redes sociais, ao lado de seus pais, a ignorância e o medo.

Por que tanto ódio por uma pequena ilha mudou a história do mundo, sofre com um bloqueio americano há décadas e que tem enviado médicos para salvar vidas em 66 países do planeta?

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Você conhece um pouco da história de Cuba?

Você conhece um pouco da história de Che Guevara e de Fidel?

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Você sabia que Fidel nasceu em uma família bastante rica de Cuba e descobriu, ao crescer, que mais de 60 por cento das crianças da ilha estavam morrendo de desnutrição e que muitos médicos haviam fugido da ilha depois da Revolução e ele poderia contar apenas com 14 deles?

Você sabia que Che Guevara, médico como você, pediu a Fidel, logo depois da Revolução, que criassem, juntos, uma nova Cuba, com muitas faculdades de medicina e milhares de médicos de família, para que pudessem de fato salvar as crianças que estavam morrendo na ilha?

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Você sabia que os cursos de medicina existem em todas as microrregiões do país e que cada uma dessas faculdades chega a formar 100 médicos por ano, totalizando quase 2000 médicos por ano na ilha? Sim, só a famosa ELAM, a Escola Latino Americana de Medicina, onde estive 3 vezes, recebe milhares de estudantes, inclusive muitos estrangeiros e já chegou a receber 1.000 estudantes de medicina por ano.

Você sabia que, segundo a ONU, antes da Revolução, a maior parte das terras da ilha estava em poder dos americanos, que pagavam 50 centavos de peso por 12 horas de trabalho de um cubano? E que de 1, 5% das terras pertencia aos escravagistas e violentos senhores de terras cubanos? Você sabia que, um ano antes de a Revolução triunfar em Cuba, 60% dos cubanos viviam em bohios, uma favela ainda mais pobre e triste do que qualquer favela que você tenha visto?

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Você sabia que, antes da Revolução de Che e Fidel, 43% dos adultos eram analfabetos, e 47% das crianças não ia a escola, e hoje o analfabetismo não existe na ilha?

Você sabia que 30% da capital, Havana, antes do triunfo de Che e Fidel, não recebia eletricidade, pois eram os americanos que decidam quem merecia ter eletricidade e quem não merecia? Você sabia que a soma das apostas nos cassinos cubanos diariamente era de 266,000 dólares, mas nada desse dinheiro ia para escolas ou hospitais mas apenas para um grupo de mafiosos cubanos?

Você sabia o ditador Batista afirmava que o jogo era ilegal na ilha, porque assim uma parte do dinheiro, 32.000 dólares, que em 1958 era uma quantia infinitamente maior que hoje, iam para seus policiais corruptos e para ele mesmo, enquanto ele dizia para o mundo que o jogo era ilegal em Cuba?

Cuba teve, depois de Che Guevara, índices tão baixos de mortalidade infantil quanto os da Suíça. Você sabia que, mesmo com o embargo comercial criminoso dos EUA contra Cuba, a ilha teve durante décadas o melhor sistema de Saúde do continente, conseguindo erradicar muitas doenças , atendendo gratuitamente a 100"% dos cubanos e ainda atendendo milhares de pacientes italianos e brasileiros, que ainda vão para a ilha para tentar curar doenças de pele, fazer um transplante de rim ou fazer um tratamento que na Europa custaria milhares de euros?

Você sabia que nos meses em que morei em Havana, jamais vi uma criança de rua? Sim, existem muitos outros problemas em Cuba, mas não existem crianças morrendo de fome ou morando nas ruas como no Brasil.

Fidel cometeu muitos erros, mas você já se perguntou por que, há dois anos, o NEW YORK TIMES chamou Fidel de "o revolucionário que desafiou os EUA"?

Você já se perguntou por que tantos jornais italianos homenagearam Fidel há dois anos, no dia de sua morte?

Você se perguntou por que o Papa Francisco, assim como eu, falou de sua imensa tristeza naquele dia e lamentou a morte de Fidel? Ou por que Mandela era seu amigo pessoal? Tente buscar respostas, pesquise, não seja refém do ódio, pergunte ao menino que você foi um dia o que ele faria em seu lugar.

Deixo aqui meu afeto pelo menino que queria ser médico e salvar o mundo, assim como eu queria lutar pela paz e escrever sobre a crueldade das guerras. Deixo também minha imensa tristeza pelo momento que vivemos, pelo ódio aos cubanos, pelas guerras alimentadas pelos EUA, pelos milhões de refugiados. A menina que vive em mim ainda tem esperanças de reencontrar o menino que você foi , e ainda sonha em viver em um

Brasil menos desigual, um Brasil cujo símbolo máximo não sejam dedos rígidos apontados para o outro em forma de arma. 

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