A operação ideológica do antipetismo

"Tratado como se fosse um diagnóstico médico e não um ponto de vista político, sujeito a todo tipo de apoio ou crítica, o 'antipetismo' procura esconder um histórico único de mudanças promovidas pelos governos do PT para beneficiar a maioria dos brasileiros e brasileiras", escreve Paulo Moreira Leite, articulista do 247. "Já que não é possível negar a eficácia de políticas públicas que pretendem proteger os menos protegidos, procura-se questionar sua legitimidade e tratar o mais popular partido político do país como um moribundo que só tem direito a abrir a boca para confessar os pecados através de uma autocrítica". 

A operação ideológica do antipetismo
A operação ideológica do antipetismo


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

A visão convencional sobre a eleição de Jair Bolsonaro costuma apontar o "antipetismo" como um fator decisivo da campanha presidencial. Apresentado como se fosse um diagnóstico médico para alguma enfermidade, e não um ponto de vista político, sujeito a todo tipo de apoio, crítica e  questionamentos, o "antipetismo" teria sido o motivo que impediu Fernando Haddad de reunir os votos necessários para garantir a vitória no segundo turno.

Está claro que uma parcela significativa do eleitorado não vota, nunca votou e nunca irá votar no PT. Outra parcela desencantou-se com os governos petistas e decidiu fazer outras opções. Faz parte das democracias.  Provisórias ou definitivas, as mudanças opinião são um dado essencial da vida política, pois permitem a toda sociedade fazer ajustes e acertar seu caminho conforme a vontade da maioria. 

Estamos falando de outra coisa, porém. Embora seja o mais popular partido político do país, o único com aprovação popular acima dos 20 pontos -- as outras legendas não chegam a dez -- o PT é tratado como se fosse um paciente terminal, a quem nada mais pode ser oferecido além da chance de confessar os pecados e fazer uma autocrítica.

continua após o anúncio

Sabemos que nunca é cedo demais para um partido político avaliar honestamente seus erros e deslizes. Mas, num país com o Brasil, no qual até o passado está sujeito a alterações importantes,  é bom evitar avaliações apressadas. As quatro vitorias consecutivas de candidatos do PT em eleições presidenciais, feito inédito em nossa história política -- e da maioria dos países democráticos -- devem dizer alguma coisa para quem não tem medo de enxergar fatos que podem contrariar preconceitos e análises prontas. Por incrível que pareça, também há algo a dizer sobre 2018, quando o partido chegou ao segundo turno mas não cravou aquela que seria a quinta vitória em sequencia.   

Uma semana depois da eleição presidencial de 2018 pode-se afirmar com mínima chance de erro que o Partido dos Trabalhadores só não está distribuindo convites para a festa de posse no Planalto pela quinta vez consecutiva porque em julho de 2017 o juiz Sérgio Moro, futuro ministro da Justiça do adversário do PT na eleição presidencial, condenou o então candidato a presidente do partido a uma pena de 9 anos e seis meses de prisão, em sentença que contraria todas as provas disponíveis nos autos. Alguma dúvida?

continua após o anúncio

Minha avaliação é que o PT cometeu erros importantes em sua história política. Não só perdeu a conversa com a periferia, como disse Mano Brown.

Também cultivou a  ilusão de que fora admitido no clube fechado da elite brasileira a partir da vitória de 2002. Este engano levou a uma postura inaceitável de tolerância com abusos e desvios cometidos pelos verdadeiros donos do poder politico ao longo da história.

continua após o anúncio

Estes fatos não podem esconder, contudo, um histórico único de mudanças políticas favoráveis ao interesse da maioria dos brasileiros e brasileiras,  com melhoria na distribuição de renda, ampliação dos empregos com carteira assinada e vagas nas universidades, que seria ocioso recordar aqui.

Para falar do "anti petismo", porém, é mais útil recordar o esforço sistemático, frequentemente desonesto, de criminalização do partido, pois é daí que surge um  ingrediente fundamental para se compreender o tratamento dispensado até hoje.

continua após o anúncio

Quando o eleitor deixou claro que não era mais possível negar a eficácia -- mesmo relativa -- de políticas públicas destinadas a proteger os menos protegidos,  procurou-se retirar qualquer vestígio de legitimidade do partido. 

Focada exclusivamente no esforço de apontar irregularidades a Globo alimenta o caldo de preconceitos contra o Bolsa Família desde outubro de 2004, quando fez uma longa reportagem-denúncia sobre a distribuição de benefícios, confundindo episódios localizados de desvio e mau uso de recursos públicos com uma mudança de valor histórico em andamento. 

continua após o anúncio

No livro "História do PT" o professor Lincoln Secco registra que, entre junho e setembro de 2005, apogeu da AP 470, o Mensalão, a VEJA dedicou 19 de suas 22 capas possíveis à denuncias diretas contra o PT -- cinco tentavam atingir Lula pessoalmente.

Para confirmar que o quadro tendencioso e negativo permanece o mesmo e em certa medida até se agravou, pode-se consultar o  Manchetômetro, estudo comparativo elaborado pelo professor João Feres Junior, uma ótima referência a respeito, incluindo a campanha de 2018.

continua após o anúncio

Minha opinião é que o anti petismo é a grande mistificação ideológica de nosso tempo, um "anticomunismo"  atualizado para os combates atuais contra os direitos dos trabalhadores e dos superexplorados. Sua finalidade é remover conquistas de outro momento histórico. A Guerra Fria era o cenário de uma disputa econômica, política e também ideológica, na qual havia a perspectiva de superação do capitalismo ou, no mínimo, a construção de sistemas equilibrados de bem-estar social como evolução inevitável da humanidade.

No mundo atual, esse debate não se encontra no horizonte das alternativas imediatas mas a máquina de guerra não pode descansar. O velho anticomunismo opera através do Judiciário, criminalizando adversários políticos como bandidos comuns e até terroristas, em caso de necessidade. Essa é a máquina que alimenta o "antipetismo".

continua após o anúncio

No Brasil que assistiu a construção do PT como primeiro partido operário de massas, aqui se localiza o grande disfarce conservador, o verniz  indispensável à imposição de uma visão antidemocrática e excludente, que  não ousa dizer seu nome e tem como essência o silêncio do outro -- aquele que só deve abrir a boca para manifestar adesão ao discurso do inimigo.

No fim de um percurso de década e meia, em 2018 este processo deu no  que deu e chegou aonde todos sabiam que iria chegar:  a aparição de Jair Bolsonaro e o revanchismo militar, principais beneficiários do esforço de deslegitimação dos políticos e seus partidos levado a cabo no Brasil por Sérgio Moro, que em janeiro assume o Ministério da Justiça. É possível que muitos antipetistas tenham ficado decepcionados com o sim de Moro a Bolsonaro. De minha parte, parece coerente. 

Construiu-se no país um ambiente político no qual o debate democrático, construtivo, foi sufocado pelo irracional, pelo medo e pelo ódio. Como não há e nunca houve interesse real em debater o histórico do PT, tanto para apontar problemas inegáveis como reconhecer soluções  indiscutíveis apresentadas a questões que pareciam insolúveis, a opção preferencial tornou-se o silêncio forçado. O horizonte real do antipetismo é eliminar o PT.

Alguma dúvida?

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247