Cavalo de Tróia contra a Previdência

"Para enfrentar a resistência de uma população que já derrubou um projeto mais moderado do governo Temer, os aliados da reforma debatem uma concessão menos custosa para tentar garantir o principal, que é a destruição de um sistema público de aposentadorias construído no país", escreve Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia; "Apavorado com a possibilidade de perder uma chance única de ganhos fabulosos - R$176 bilhões por ano só com o fim da contribuição obrigatória para a aposentadoria dos empregados - nos últimos dias o poder econômico enviou sucessivas missões a Paulo Guedes e Rodrigo Maia para pedir urgência e até pressa"

Cavalo de Tróia contra a Previdência
Cavalo de Tróia contra a Previdência (Foto: REUTERS/Adriano Machado)


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Por Paulo Moreira Leite, do Jornalistas pela Democracia -Ameaça mortal ao embrião de Estado de bem-estar social construído no país,  o desmanche da Previdência segue a prioridade absoluta do condomínio político-econômico que assumiu o governo a partir da eleição de Jair Bolsonaro.

A luta contra a reforma envolve uma batalha política de envergadura histórica.  O imenso volume dos interesses envolvidos neste debate ajuda a entender a aliança de ferro entre Paulo Guedes e Rodrigo Maia para tentar aprovar as mudanças cobradas pelo grande empresariado, em particular pelo mercado financeiro e os grandes bancos, principais interessados na mudança. Apavorados com a possibilidade de que a desordem do governo do tuíter possa desperdiçar  uma chance única de ganhos fabulosos, nos últimos dias o grande poder econômico do país enviou sucessivas missões ao ministro da Economia e ao presidente do Congresso para azeitar o caminho de seus interesses, que defendem com urgência e até pressa.

Basta conhecer só uma das vantagens bilionárias que a reforma pode lhes proporcionar para compreender tamanho empenho. Caso o projeto de Paulo Guedes venha a ser aprovado, será o fim das contribuições obrigatórias das empresas para a aposentadoria de seus empregados. A medida não tem a ver com crescimento econômico nem com distribuição de renda -- mas com mais dinheiro no bolso de quem já tem muito.

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Hoje as empresas devem a entregar, à Previdência, uma contribuição equivalente a 20% do salário de cada trabalhador registrado, recurso que ajuda a constituir  a massa de dinheiro  que paga as benefícios e pensões de 30 milhões de brasileiras e brasileiros. Com a criação do sistema de capitalização individual, que é o eixo da reforma, constitui-se a lei do  cada-um-por-si-Deus-para todos, que elimina   as contribuições dos empresários,  assegurando-lhes um ganho imediato de renda calculado em R$ 13,6 bilhões por mês -- ou R$ 175 bilhões por ano, bolada superior ao faturamento da quase totalidade das empresas brasileiras, maior até que o lucro dos grandes bancos do país.

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Para enfrentar uma resistência cada vez maior da população, que derrubou um projeto muito mais moderado que Michel Temer tentou aprovar em 2017, e já assusta parlamentares temerosos de não conseguir renovar o mandato, os aliados da reforma debatem uma concessão menos custosa para tentar garantir o principal.

O plano, aceito por bloco de 13 partidos que apoiam a reforma de Paulo Guedes nos pontos essenciais, é de um maquiavelismo primitivo: tentar dividir a população que será chamada a pagar a conta das mudanças, para assegurar a aprovação dos pontos importantes em troca concessões pouco custosas quando comparadas aos  ganhos que o sistema financeiro pretendem assegurar.

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Assim, retira-se do projeto duas medidas que efetivamente atingem as camadas muito pobres  -- o Benefício de Prestação Continuada no valor de R$ 400 e a cobrança de contribuição das aposentadorias rurais, isentas pela Constituição de 1988. São propostas inaceitáveis, que sequer deveriam constar do projeto original e precisam ser eliminadas de qualquer maneira. 

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Ao mesmo tempo, o Cavalo de Tróia tenta preservar os pontos principais do projeto, inclusive a criação da capitalização individual, a elevação do tempo de contribuição e a mudança nos cálculos que rebaixam o valor das aposentadorias, obrigando o cidadão a trabalhar mais tempo e contribuir com mais dinheiro, para receber benefícios menores.

A utilidade da divisão é fácil de prever: apaziguar  a população muito pobre, a quem se promete manter os benefícios de hoje -- como se fosse um favor -- para concentrar a ofensiva contra os  trabalhadores mais qualificados, homens e mulheres de renda média, num país onde o teto máximo das aposentadorias do sistema público é R$ 5875 e o  valor médio recebido  é de R$ 1900.

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A finalidade do cavalo de Tróia é política.  Pretende ajudar  o governo a embalar a reforma com a fantasia de que é uma iniciativa para combater  "privilegiados". É assim que se costuma descrever quem consegue trabalhar com registro em carteira, numa retórica que foi patenteada pela ditadura dos generais para recusar aumentos de salários cobrados pelos trabalhadores sindicalizados.

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(Em março de 2019, basta recordar os ganhos formidáveis assegurados aos militares na sua  própria versão da reforma da Previdência para se reconhecer o caráter indecoroso desta argumentação).  

A bolada bilionária em troca de 3/5 dos votos no Congresso ajuda a entender o empenho para garantir a reforma de qualquer maneira, numa hora em que se tornou  indispensável manter o próprio Jair Bolsonaro de boca fechada -- pois o combate as reformas da Previdência foi um traço permanente de sua atuação como parlamentar. É isso que demonstra  um vídeo inesquecível do deputado Boca Aberta (PROS-PR), onde ele desafia o presidente da República a voltar à Câmara para explicar sua mudança de posicionamento. "O sujeito homem, que tem vergonha na cara, tem que honrar o que fala", diz o parlamentar, eleitor assumido de Bolsonaro.

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Como o vídeo deixa claro, e o debate sobre a reforma irá demonstrar de forma cristalina, a defesa da Previdência envolve a proteção da velhice e o futuro da juventude, fortalece os laços de uma sociedade e é, acima de tudo, uma questão de caráter.

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