Zé Dirceu e a autocrítica

"Ao emitir uma  avaliação sobre o significado da vitória e sobre o futuro do governo Bolsonaro, há poucos dias, no lançamento de seu livro de memórias, Zé Dirceu fez uma autocrítica, pois teve a coragem de dizer que houve uma subestimação do potencial político da extrema-direita", aponta o colunista Aldo Fornazieri. "É preciso se enraizar na sociedade, nas periferias, chegar lá onde não se tem chegado. É preciso compreender como funcionam e saber usar os novos meios de mediação política entre as pessoas, algo que as esquerdas perderam terreno, pois agem de forma analógica"

Zé Dirceu e a autocrítica
Zé Dirceu e a autocrítica (Foto: Lula Marques)


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Sempre que alguém se dispõe a falar sobre a necessidade de o PT fazer uma análise crítica e autocrítica profunda de sua trajetória no governo é preciso que se prepare para a saraivada de pedradas que irá receber de setores do partido. Mas, agora, foi nada menos que Zé Dirceu, um ícone histórico do petismo, que cobrou a necessidade de uma autocrítica partidária. Cobrou até mesmo porque ele a fez, como se verá logo adiante. 

Antes, contudo, é preciso dizer que Zé Dirceu, sem dúvida, cometeu muitos erros, mas também foi um líder de muitas virtudes. Nem cabe aqui e nem é o tempo de se fazer um balanço dos vícios e virtudes dele. É preciso ter paciência e esperar mais tempo antes que a Coruja de Minerva alce vou ao entardecer do nosso atual período histórico, deste tempo presente. Se é verdade que a prisão e a interdição de Lula e a vitória de Bolsonaro inauguram uma nova fase história, ela, contudo, está dentro do mesmo período que se inciara com a redemocratização, com a Constituição de 1988, com o impeachment de Collor, com os governos de FHC, com os governos petistas, com a crise e o golpe contra Dilma e com a vitória da extrema-direita. Provavelmente, o destino do governo Bolsonaro formará os contornos finais desse período. O papel e a figura de Zé Dirceu, assim como de outras figuras importantes do  PT, terão que ser avaliados dentro de todo esse contexto.

Por mais críticas que se possa ter a Zé Dirceu, algumas coisas são inegáveis quanto às suas virtudes: sem ele o PT não seria o que foi e é; junto com Lula, foi artífice do PT que chegou ao poder e que entrou em crise nesse mesmo poder; trata-se de um político com grande capacidade de análise da situação histórica e conjuntural; tem a virtude da coragem, essencial na vida política; adota a crítica e a autocrítica como método de análise e ação política, algo imprescindível às necessárias correções de rumos, pois a ação política sempre está sujeita às interdições do imprevisto, do acaso e do contingente. 

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Ao emitir uma  avaliação sobre o significado da vitória e sobre o futuro do governo Bolsonaro, há poucos dias, no lançamento de seu livro de memórias, Zé Dirceu fez uma autocrítica, pois teve a coragem de dizer que houve uma subestimação do potencial político da extrema-direita. De fato, algumas semanas antes, em entrevista ao El País, Dirceu avaliava que seria "uma questão de tempo o PT tomar o poder" e antevia uma derrota de Bolsonaro. 

Já no lançamento do livro de memórias, mesmo classificando o resultado da votação de Haddad como heróico, Dirceu foi contundente tanto nas críticas, quanto nas advertências em relação ao futuro. Abra-se um parêntese aqui para dizer que um líder político sábio e prudente deve se esmerar mais no proferir as advertências e os perigos do que na emissão das promessas e esperanças. As esquerdas sempre erram nisso. Eis as advertências de Zé Dirceu:  é preciso não se iludir; o governo Bolsonaro tem base social e popular;  tem força e muito tempo pela frente; o governo vai transformar a segurança pública em pauta; "estamos na defensiva. Fomos derrotados. Precisamos de sabedoria política".

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Os tons autocríticos de Zé Dirceu em relação à política do PT são os seguintes: o partido perdeu bases para Bolsonaro; a direita chegou no Brasil profundo e o PT não estava lá; o discurso anticorrupção é suporte histórico da ação da direita contra as forças populares; o PT não consegue se defender dos ataques em torno desse tema; em 13,5 anos de poder, o PT se afastou do dia a dia do povo; o PT pouco tem a dizer às famílias que têm filhos drogados e sobre segurança pública; o PT foi derrotado ideologicamente para a direita e o PT não percebeu a importância da guerra do Whatsapp. Defender a democracia, lutar pela liberdade de Lula e pela anulação do processo que o condenou e formar uma frente comum de ação com os partidos progressistas são algumas tarefas que Dirceu apontou como fundamentais na conjuntura que vem pela frente.

O drama de tudo isso é que quando se ouve ou se lê análises e discursos de dirigentes do PT e de outros partidos progressistas não se consegue perceber que o campo progressista e de esquerda precisa de uma reorientação e de uma redefinição de rumos e de reorganização. O tom dos discursos é o mesmo do início do processo do impeachment e do golpe que teve seu capítulo final na vitória de Bolsonaro: anúncio de palavras de ordem triunfalistas que se traduzem em derrotas. Da mesma forma em que os partidos não fizeram análises consistentes da vitória de Bolsonaro para orientar a militância, agora se ouvem e se lêem opiniões arrogantes acerca da composição do ministério e do governo. 

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Os partidos progressistas e de esquerda precisam responder às seguintes questões: quais foram as razões históricas e conjunturais que determinaram a vitória da extrema-direita; quais foram os erros cometidos pelas esquerdas nos últimos tempos e na campanha eleitoral; quais as perspectivas e as tendências do governo Bolsonaro; quais as ações políticas que os progressistas e as esquerdas devem adotar em face do governo Bolsonaro e de suas perspectivas; como os progressistas e as esquerdas devem se reorganizar para fazer frente à nova fase histórica que se abre. Isto é: onde se organizar; como se organizar; como se comunicar; qual o programa; quais os valores; quais as lutas específicas prioritárias; qual o papel dos movimentos sociais; como travar a luta parlamentar e institucional; qual deve ser a relação e o grau de organização entre os partidos e movimentos progressistas e de esquerda.

São um conjunto de questões para as quais não há respostas. As esquerdas não conseguiram perceber que foi no campo dos valores, na redefinição do conceito de inimigo interno e no conceito de  política como guerra que se definiu a estratégia vitoriosa da extrema-direita. Os dirigentes dos partidos, dos sindicatos e de muitos movimentos sociais precisam dar respostas. Sem essas repostas não dirigem. São burocratas de suas organizações. Faz tempo que a militância e o ativismo progressistas e de esquerda carecem de direção e de rumo. Não é nem com palavras de ordem ocas, nem com receituários de políticas públicas e nem com piqueniques cívicos na Avenida Paulista que os dirigentes darão direção e sentido às lutas. 

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Não basta também uma plataforma e um programa mínimo. É preciso se enraizar na sociedade, nas periferias, chegar lá onde não se tem chegado. É preciso compreender como funcionam e saber usar os novos meios de mediação política entre as pessoas, algo que as esquerdas perderam terreno, pois agem de forma analógica. É preciso compreender que somente a mobilização social e política produz novas lideranças, projeta liderança e reputação política e social. Foi aqui onde a extrema-direita se fez e se projetou. Se persistir a avaliação de que a vitória de Bolsonaro foi a manifestação do desígnio do destino ou de outra força qualquer e não fruto dos erros das esquerdas e dos progressistas e dos acertos estratégicos da direita se estará cavando os sepulcros de novas derrotas.

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