Toda criança negra vai à escola armada

Na maioria das vezes são os próprios pais que recomendam que não saiam desarmadas. "O que é que você tem que dizer?". Tratam de garantir toda semana que os filhos estejam lembrados “de cor” e salteado do que falar quando forem atacados



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Na maioria das vezes são os próprios pais que recomendam que não saiam desarmadas. "O que é que você tem que dizer?". Tratam de garantir toda semana que os filhos estejam lembrados “de cor” e salteado do que falar quando forem atacados.

Os ataques são diversos, da condição de ser humano à beleza. Se a ofensa for "Negra do cabelo pixaim", atira logo um "Sou negra com muito orgulho"! Não demonstrar desequilíbrio, resistir no sentimento de superioridade moral. Custe o que custar. Agora, se o ataque for sobre um suposto mau cheiro ou comparando com animais, fica mais difícil se manter nobre.

Fácil tampouco é entregar armas a crianças tão pequenas, às vezes no auge dos seus cinco anos. Capaz que ela nem percebeu direito que existe maldade no mundo, mas já sentiu que não é bem-vinda.

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Tiram notas boas, brincam, brigam, ajudam os colegas, copiam o dever e se defendem sozinhas dos crimes de racismo dentro da escola. Sem a escolta dos professores, dos diretores ou dos próprios colegas. E, por isso mesmo, vão armadas. Não há ninguém na escola, salvo raras exceções, que se prontifique a sair da zona de conforto para mostrar que não é normal. E se eles não dizem que está errado, as crianças acreditam que está certo.

Então, é necessário se armar para enfrentar a exclusão da escolha da criança negra para Rainha do Milho na época de São João, mesmo quando a criança dança xote com graciosidade. A arma também serve para que a criança negra não precise de carinho no cabelo durante a aula como sempre recebem as garotas de cabelo liso, mesmo sendo um amor de pessoa. Ninguém se atreve a manipular o cabelo crespo. Não se sabe ao certo, afinal, quantas vezes se lava esse tipo de cabelo. Tem que se armar para não acreditar quando o colega grita “amaldiçoado” durante a apresentação do trabalho de religião. Quando está bancando a engraçada para a turma rir é o único momento em que não vai precisar de arma.

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Para sair na foto da propaganda da escola, a criança negra tem que apresentar traços finos, semelhantes aos hegemônicos na mídia branca. Arma para não se incomodar com o “cabelo que não molha na piscina” e que todos ficam apontando e rindo.

E se essa criança estiver virando adolescente e começando a paquerar, logo vai perceber que a arma não faz efeito nenhum nesse caso. E que ser alguém bacana e bonito não é suficiente. Hoje há opções, poucas, mas se antes você quisesse comparar sua namorada negra ou namorado com um astro de TV ficava complicadíssimo.

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Vitimismo, vão dizer. Ninguém sabe porque é difícil se humilhar falando das coisas que o filho reclama quando volta para casa. O fato é que não importa muito o que se diga do outro lado. Até que os agressores adultos e mirins não estejam dispostos a abrir trégua para que todos abaixem as armas, estará lá. Na roda de amigos, no jogo na quadra, na sala, na hora de avaliar, na hora de representar a turma.

Engana-se quem pensa que essa é uma realidade restrita. Da escola particular à pública, em qualquer que seja o bairro, essa condição de inferioridade é atirada contra a criança negra que, silenciosamente, em muitos dos casos, vai se colocando nesse lugar da não-intelectualidade, do não-protagonismo, que dizem que é seu. A não ser que a arma que os pais entregaram, sozinhos, com choro contido desse puta sentimento de injustiça com uma criança tão linda, seja realmente mais forte que todo o conivente e risonho ambiente escolar. Resistam, mães e pais.

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