Carta aberta aos filhos da puta

À beira do segundo aniversário do golpe - aquele 17 de abril que fará as gerações vindouras rirem e chorarem de vergonha – grossa parte dos filhos da puta que marcharam com as camisas da CBF sabem, embora não confessem, que foram tapeados. Quando os Ticos e os Tecos do lote restante resolverem trabalhar também entenderão

Hyeronnimus Bosch - imagem para artigo Carta aberta aos Filhos da Puta, de Ayrton Centeno
Hyeronnimus Bosch - imagem para artigo Carta aberta aos Filhos da Puta, de Ayrton Centeno (Foto: Ayrton Centeno)


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Antes de mais nada, um esclarecimento: nestas mal traçadas, filho da puta não se refere aos bastardos, tão dignos como os filhos legítimos. Tampouco implica qualquer condenação à profissão mais antiga do mundo, incomparavelmente mais virtuosa do que muitas profissões e muitos profissionais de outros e variados ramos que rastejam por aí. Aos filhos e às putas, meu beijo e meu abraço fraterno.

Filho da puta, entendam, por favor, é usada aqui não pelo seu significado original mas como sinônimo de canalha. Ou de pústula, cafajeste, crápula. Mas por que filho da puta e não nenhuma dessas, tão formais e tão sonoras? Porque filho da puta é a palavra/palavrão definitiva.

Corta mais do que "fascista", palavra-lâmina que, por excesso de uso, perdeu algo do seu fio. Enquanto a afiamos, vamos recorrer ao bom e velho filho da puta.

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Outro reparo diz respeito ao sexo dos filhos da puta. Não é importante. O que importa é o caráter, o mau caráter, de cada um dos filhos e filhas da puta. Então, esta carta se dirige a muitos e muitas.

Está endereçada, por exemplo, aquele pedaço de merda que ordenou "Manda este lixo janela abaixo aí..." ao piloto do monomotor que conduziu o presidente Lula à masmorra de Curitiba. Como sucede nessas ocasiões, o medo falou mais alto e a vil criatura se escondeu. A propósito, assassinar oponentes jogando-os de avião é algo arraigado no imaginário do fascismo sul-americano.

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Foi exatamente assim que obrou a ditadura argentina nos seus vôos da morte. Foi exatamente assim que o brigadeiro João Paulo Moreira Burnier planejou dar fim aos opositores da ditadura de 1964. Plano que não virou realidade apenas porque um militar decente, o capitão Sérgio Miranda de Carvalho, rebelou-se, recusando-se a cumprir as ordens de assassinato decretadas por seu superior. Atitude que lhe destruiu a carreira militar. Se a Força Aérea Brasileira não encontrar e responsabilizar o incentivador do assassinato ficará mais perto de Burnier e mais longe do capitão Sérgio. A filhadaputice cairá na sua conta.

Dirige-se também aos pulhas que dispararam rojões contra o mesmo avião do qual Lula deveria ser atirado. Eles não foram estorvados pela polícia militar do Paraná que preferiu gastar suas bombas na manifestação pacífica que defendia a consigna "Lula Livre".

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Remete-se ao calhorda de relho que açoitou um manifestante desarmado durante a caravana de Lula no Rio Grande do Sul. Cuja foto – histórica – captou um flagrante das relações sociais sob o Brasil escravocrata do século 19, paradoxalmente no século 21. Gesto enaltecido e estimulado por uma senadora ridícula que apoiou tamanha covardia tratando-a como coragem. Personagem que não apenas se calou durante os 21 anos de ditadura, como se casou com ela. Difícil encontrar maior afinidade com uma das instituições mais aberrantes do regime: o senador sem votos, artificial, biônico, engendrado nos laboratórios do doutor Frankestein do autoritarismo.

Esta carta persegue os endereços do jagunço e do mandante que dispararam tiros contra a caravana de Lula no Paraná, perfurando a carroceria do ônibus, o que só não se transformou em tragédia por intervenção do acaso. Tal qual a FAB, se a polícia civil do tucano Beto Richa não apresentar os criminosos – o que parece simples dada a verborragia da matilha no whatsapp -- partilhará o pão da canalhice com a pistolagem.

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Ruma a cartinha para todos aqueles que nas forças policiais-militares – ineludivelmente infectadas pelo bolsonarismo, talvez de modo terminal -- aproveitam cada ato público da resistência democrática para extravasar seu ódio pela ideia de democracia. Mesmas facções sombrias e anfíbias bafejadas pela suspeita de participação no assassinato de Marielle Franco. E que, além do Rio, exibem ostensivamente sua omissão. Ou, pior, o pendor de protegerem as alcatéias que atacam as manifestações populares.

Dirige-se também ao governador medíocre e santarrão que, em face do atentado a Lula, opinou que o Partido dos Trabalhadores estava "colhendo o que plantou". A arcaica narrativa de que a vítima é a culpada. Em campanha presidencial, amargando um dígito de intenções de voto, foi uma piscadela à zumbilândia de Bolsonaro. Deu errado. Correu a consertar mas o estrago estava feito.

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Destina-se aquelas falanges da engrenagem judicial para as quais a presunção de inocência do inimigo é um insulto, enquanto os crimes da carne da sua carne e do sangue do seu sangue, embora escarrados em áudios e vídeos, onde não faltam até confissões, decididamente não vem ao caso. Face a face com elas, a Constituição é um traste a ser removido do caminho a pontapés, substituído pelo juízo de juízes, desembargadores e ministros que emendam a máxima carta a cada julgamento, em sintonia com seus pavores ou paixões.

Visa determinados policiais que, empoderados pela exceção, fazem da sua investidura um instrumento para ajustar contas com todos que, delinquentes ou não, culpados ou inocentes, conflitam com sua percepção do mundo. Obra que realizam com total desprezo pelo estado democrático de direito.

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Busca os donatários das capitanias hereditárias da mídia desde sempre comparsas dos golpes contra Getúlio, Jango, Juscelino e Dilma. E alegres comensais da ditadura. Busca seus pet-jornalistas submissos ou cúmplices -- a despeito do precipício de condição social – empenhados em espelhar a opinião patronal na dura tarefa de fabricar consensos. O que fazem cuspindo nos princípios do ofício, prática que lhes serve como escada na carreira. Todos orando e queimando incenso no altar do Pensamento Único.

Está também expedida à plutocracia, sobretudo a paulista, matrona traquejada em alguns ingressos do Brasil na Idade das Trevas. De igual maneira como conspirou, financiou e suspirou pela quartelada de 1964, custeou as agressões ao mandato legal e legítimo de Dilma em 2016.

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Mais obsceno ainda: foi da cornucópia da Fiesp que jorrou o dinheiro para bancar a Operação Bandeirante, a Oban, açougue de carne humana operado pelo sinistro major Brilhante Ustra a partir de 1969. Lúgubre parceria público-privada avant la lettre, alavancada e patrocinada pela fina flor do empresariado nacional e internacional, portfólio fulgurante de marcas como Ultragás, Ford, GM, Volkswagen, Nestlé, General Eletric, Camargo Corrêa, Grupo Folhas entre outras.

Visa todo e qualquer integrante das forças armadas que abraça a tortura e os torturadores, as chacinas e os chacinadores, mancha perpétua na imagem do Brasil perante o mundo civilizado.

É uma postura que justifica o martírio de Sonia Maria Angel Jones, gaúcha de Santiago do Boqueirão, que teve os seios decepados pelos carrascos. Que desculpa a agonia do jornalista Mário Alves. Depois do corpo esfolado com escova de arame, ele sofreu empalamento com cassetete dentado que estralhaçou seus intestinos, matando-o de hemorragia interna. Façanha de filhos da puta do Dops e do 1º. Exército.

Que aplaude o inexcedível tormento de Eduardo Coleen Leite, o Bacuri. Preso, desapareceu. Seu corpo foi entregue em caixão lacrado.

Apesar da ordem dos facínoras da Oban para mantê-lo fechado, a família decidiu abrí-lo. Deparou-se com um cadáver sem orelhas, de dentes arrancados e olhos vazados.

Aponta para o latifúndio, seus pistoleiros, seus agroboys e agroboçais, que fazem do interior do país um eterno faroeste, onde o Estado é substituído pela lei do revólver, matando ou mandando matar padres, freiras, sindicalistas, pequenos agricultores, defensores do meio ambiente e outros lutadores e lutadoras sociais. Impunemente.

Alveja os exploradores da fé dos humildes, sugando-lhes os parcos tostões para transformá-los em templos faraônicos, jatinhos, carrões, anéis de ouro e mansões. Que acariciam o projeto medieval de converter um país laico num inferno de intolerância, superstição, fanatismo e caça às bruxas.

Rastreia os filhos da puta espancadores, estupradores e assassinos de mulheres, que sempre se sentiram tolhidos e ultrajados pela lei Maria da Penha, sancionada por Lula em 2006. E com eles seus irmãos de fé, os odiadores da internet. Que, aos poucos, transbordam seu rancor da vida virtual para a vida verdadeira, como a ameaça fascista que realmente são.

Não surpreende que a mesma corja persiga, humilhe e eventualmente mate gays, lésbicas, transgêneros, homossexuais, nordestinos, moradores de rua, imigrantes, negros e pobres. E agrida a cultura. Sua repulsa volta-se contra o diverso, contra aquele em que não me vejo, o diferente, em que detecto um risco às minhas convicções e à frustrada vida que levo. Algo que, pelo terror que deflagra, deve ser sufocado, apagado, destruído.

Mira a lúmpem burguesia tacanha, egoísta e hipócrita, que berrou contra a corrupção e implorou pelo golpe com seus tênis, óculos escuros, abrigos de grife e lulus no colo. E emudeceu ante a corrupção dos seus. E só voltou a se exibir com fúria e foguetório para saudar a prisão do ex-presidente. Aponta para as madames botocadas e seus maridos botocudos, furiosos com a lei sancionada por Dilma que retirou as domésticas da semi-escravidão, sem direitos, sem férias, sem aposentadoria.

Inconformados com a presença de pobres em aeroportos e universidades, sentiram nostalgia do regime corrupto e assassino que se arrastou por duas décadas de infâmia. A ditadura que seus pais e mães papa-hóstias pediram nas marchas da família com deus pela liberdade empunhando rosários e rezando aves-marias contra "a ameaça vermelha". Para esta nova tropa que esguicha cólera, a fé, o terço e as orações são velharias. Hoje, o nome de Roma é Miami, o da igreja é shopping, o da reza é academia, o da hóstia é botox. O que não mudou, passado meio século, foi o pânico e o ressentimento com a ascensão da ralé.

À beira do segundo aniversário do golpe - aquele 17 de abril que fará as gerações vindouras rirem e chorarem de vergonha – grossa parte dos filhos da puta que marcharam com as camisas da CBF sabem, embora não confessem, que foram tapeados. Quando os Ticos e os Tecos do lote restante resolverem trabalhar também entenderão.

Quem teve fôlego e chegou até aqui deve saber que o autor deste recado de largo espectro não guarda uma mísera gota de ódio. Nunca ninguém leu algo meu pedindo, a sério, a morte de alguém. Nem lerá. Embora esse espetáculo da miséria humana seja figurinha fácil nas redes sociais. Lembro que, já em 2010, havia gente rogando na internet para alguém, por favor, assassinar Dilma no dia da posse. Depois, louvaram o câncer que atacou Lula. Isto é ódio. Não é o meu caso. Meu sentimento é outro, uma certa tristeza. Mas ela não anda sozinha.

Vem pejada de desprezo. E carrega junto uma náusea, uma ânsia de vômito, um asco incontornável. Mas não ódio. Este é todo de vocês. Dos filhos da puta.

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