Alto lá, ministra!

São estarrecedores os vídeos que circulam na internet e nas redes sociais, nos quais a futura ministra dos Diretos Humanos utiliza o ensino da cultura afro-brasileira para atacar de forma gratuita as religiões de matrizes africana

Alto lá, ministra!
Alto lá, ministra! (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)


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A inclusão de conteúdos da história e da cultura afro-brasileira e indígenas nos currículos e nas ações educacionais de nossas escolas é uma conquista social do povo brasileiro. O tema é de tamanha relevância que está assegurado pelo Plano Nacional de Educação, aprovado por unanimidade pelo Congresso Nacional e sancionado sem vetos pela então presidenta Dilma Rousseff em 2014, sempre esteve presente nas diversas discussões sobre a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) e é garantido por duas leis federais.

Isso posto, são estarrecedores os vídeos que circulam na internet e nas redes sociais, nos quais a futura ministra dos Diretos Humanos utiliza o ensino da cultura afro-brasileira para atacar de forma gratuita as religiões de matrizes africanas. Em um dos vídeos, a futura ministra se diz preocupada "com a questão do satanismo e do ensino afro em sala de escolas". "Estão confundindo nossas crianças na sexualidade e na religiosidade", prossegue.

Em outro, a futura ministra acusa professores de burlarem a lei e de não estarem ensinando cultura afro, mas de estarem ensinando religião afro nas escolas, "desrespeitando a fé das crianças cristãs e de forma obrigatória". Para justificar sua tese absurda, a futura ministra diz que o livro "Eleguá", obra sobre mitologia africana que apresenta para crianças e para adolescentes a visão do povo iorubá sobre a formação do mundo, estaria sendo utilizado nas escolas para gerar "confusão espiritual".

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O show de abusos e de agressões prossegue e a futura ministra apresenta uma série de outros livros, que não possuem qualquer relação com o ensino da cultura africana, como "Evocação", "Manual Prático de Bruxaria" e "A máquina de brincar", e os coloca no mesmo patamar de "Eleguá" ao afirmar que os mesmos também geraram "confusão espiritual". Tudo disso, precedido do simpático verniz de respeito à diversidade, com frases como "as escolas têm que ensinar realmente sobre a cultura indígena e a cultura afro, a contribuição que os africanos trouxeram para o Brasil", "com todo respeito às religiões de matriz africana" e "nós estamos respeitando".

Não parece adequado, nem respeitoso e tão pouco contribui para uma cultura de paz, um discurso que confunde a opinião pública e que associa as religiões de matrizes africanas, historicamente vítimas de casos de agressões e de ataques em nosso país, ao satanismo, à bruxaria ou à questão da sexualidade das crianças. Tão pouco é intelectualmente honesto a utilização de um livro de mitologia africana como argumento de que as religiões de matrizes africanas estão sendo impostas nas escolas brasileiras.

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Primeiro, porque não se trata de um livro sagrado das religiões de matrizes africanas, como a bíblia é para os cristãos, o corão é para os muçulmanos ou a torá é para os judeus, por exemplo. Portanto, é desigual que se tente justificar a volta da bíblia para as escolas, em razão de um livro de mitologia. Segundo, porque a visão de mundo e os valores de grande parte dos povos africanos são culturalmente baseados na oralidade e transmitidos essencialmente por meio de mitos, lendas e histórias. E, ao que consta, a futura ministra não parece preocupada com o ensino de lendas e mitologias que constituíram a base do pensamento e da cultura branca ocidental, como a greco-romana com seus deuses Zeus, Afrodite, Plutão, Marte, entre outros, nas escolas.

Em um país que carrega um forte e histórico ranço de preconceito, tendo sido o último do ocidente a acabar com a barbárie da escravidão, é fundamental o exercício cotidiano e diário do respeito integral aos direitos humanos, pasta que a futura ministra irá comandar. No tocante ao respeito à liberdade religiosa, a futura ministra deveria se debruçar sobre os dados da pasta que irá comandar, que apontam o aumento em 7,5% nas denúncias de discriminações contra os adeptos das religiões de matrizes africanas no primeiro semestre de 2018, enquanto as denúncias por discriminação contra todas as religiões caíram de em 17%.

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Afinal, para além do discurso de ódio e de preconceito, nos vídeos em que a futura ministra aparece agredindo deliberadamente as religiões de matrizes africanas, quais são as propostas do futuro governo para avançar no combate à intolerância religiosa e no respeito constitucional de liberdade de culto e dos direitos das chamadas minorias? A política de cotas, que aumentou em 286% a presença de estudantes negros na universidade brasileira, por exemplo, será mantida?

Antes de sair atropelando conquistas sociais históricas do povo brasileiro e das minorias, o governo eleito precisa lembrar que, apesar de ter ganhado as eleições de outubro, não conta com o apoio da maioria do povo brasileiro. O futuro presidente fez 57,7 milhões de votos no 2º turno. Fernando Haddad fez 47 milhões, os nulos foram 8,6 milhões, os brancos foram 2,4 milhões e as abstenções representaram 31,3 milhões de pessoas. Foram 89,3 milhões de brasileiros e de brasileiras que disseram não ao projeto de Bolsonaro e ao que ele representa.

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Por isso, alto lá! O futuro governo não terá carta branca para implementar as barbaridades que vem sendo propondo, como a "imposição da vontade da maioria sobre as minorias". Nunca é demais lembrar que a defesa integral dos direitos humanos transpassa qualquer posicionamento político, religioso ou ideológico. A defesa de uma cultura de paz é uma questão civilizatória vital para os direitos humanos e deve ser prioridade de toda a sociedade brasileira.

A futura ministra pode aproveitar o simbolismo desta segunda-feira, dia em que celebramos os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e dar uma sinalização clara para a sociedade brasileira de que respeita a diversidade do povo brasileiro, independentemente de condição social, gênero, religião, orientação sexual e raça. Pastora evangélica que é, a futura ministra pode muito bem se juntar a Frente Inter-religiosa Dom Paulo Evaristo Arns por Justiça e Paz, integrada por líderes católicos, budistas, evangélicos, indígenas, judeus, muçulmanos, kardecistas e religiões de matriz africana, e participar do ato inter-religioso, logo mais, às 15h, na Catedral da Sé, em comemoração desta data essencial para os direitos humanos.

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