A corrupção e o desentupidor de pia
A democracia dos proprietários, desde sua origem, exclui dos projetos de interesse da maioria como bane das decisões a maioria dos que produzem riquezas e dos seus benefícios
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Caríssimo Celso Illitch Ulyanov, Presidente Prudente, SP
O meu amigo professor Laércio Júlio da Silva, um dos grandes dirigentes da Ibrapaz, contou-me uma muito boa e digna de reflexão.
Ao chegar a sua casa ao entardecer, há poucos dias, encontrou a família reunida ao redor da pia entupida na cozinha de sua residência. Chamou-lhe a atenção a decisão de trazer um especialista em desentupir pias, que cobraria R$350,00. O profissional, pronto a iniciar o seu trabalho, foi interrompido por Laércio, que avisou que primeiro compraria um desentupidor no valor de R$8,00 para proceder à desobstrução do cano. Pronto, abriu-se o fluxo de água.
Do grupo que optou pelo caminho mais caro e mais fácil, mais entusiasmado, com ar de sabedoria graças aos seus 80 anos de vida, um senhor dizia que essa era a única solução cabível para o problema da pia.
O meu amigo perguntou-lhe se conhecia o equipamento nominado de “desentupidor de pia”. A resposta do idoso surpreendeu: “não conheço, nunca vi”.
O mais surpreendente é que o entusiasmado opinador é aposentado há 40 anos. Portanto, retirou-se do trabalho na idade mais produtiva da vida. Assusta ainda que o tal aposentou-se graças a um arranjo feito por um advogado.
Perguntei ao Laércio o que o aposentado “pensa” sobre a Presidenta Dilma. Aí é até triste o que opina o homem velho: “é um dos que odeia a Presidenta chamando-a de corrupta”.
Outro vizinho de Laércio contou que é pedreiro, mas, apesar da pouca idade, também é aposentado. Relatou que sofreu um acidente com menos de 40 anos, recebendo “orientação e assessoria” de um advogado para aposentar-se, claro, com artifícios falsos para provar sua “incapacidade” para o trabalho. O homem também grita impropérios contra a Presidenta Dilma e os “políticos.
As contradições saltam aos olhos no discurso moralista que desce viscoso e avassalador dos setores econômicos e mais corruptos do País. Os 1% de rentistas, concentradores de renda e de riquezas, ajudados pela mídia idiotizante e comandada por idiotas irracionais e delinquentes são os autores do discurso dos aposentados corruptos da história acima e de milhões de outros contraditórios.
Sem avaliação justa, sem coerência entre discurso manipulador e mentiroso, o povo incrementa cegamente sua contradição de vidas pessoais corruptas com as falsas informações combinadas com a crise internacional do capitalismo.
Tratei aqui na última “carta” do embaçamento que a ideologia dominante causa no pensamento e discurso do povo, impedindo sua sensibilidade e interpretação justas da vida.
As pessoas se tornam absolutamente irracionais, descompensadas, grosseiras e antissociais porque são travadas pelas contradições que as imobiliza da participação a que têm direito como cidadãs. Com isso se tornam párias, apáticas e marginais do processo político.
O grande jurista e filósofo Fábio Konder Comparato acerta na mira quando diz que vivemos uma falsa democracia. A referir-se aos motivos desmoralizados do impeachment, diz numa entrevista sobre nossa falsa democracia: “o povo não é soberano! O que faz o povo? No máximo ele elege pessoas ditas seus representantes, mas não toma nenhuma grande medida diretamente” (confira aqui).
As contradições são gritantes como ervas daninhas da mente. Quando não há participação militante que educa, informa e sintetiza a prática, as pessoas são arrastadas pela onda irresistível que a mídia idiotizante sopra sobre a sociedade.
O fenômeno da contradição entre construção de conceitos sobre democracia e sua efetiva realização, incluindo a todos, vem de milênios.
No Ocidente eurocêntrico costuma-se dizer que os gregos inventaram a democracia com as pessoas debatendo em praça pública os problemas da cidade .
Porém, na verdade, a democracia inventada pelos gregos tinha como eixo os proprietários do comércio, da agricultura, das artes e dos escravos. Os escravos, as mulheres, os estrangeiros e as crianças eram excluídos dos encontros nas praças.
A democracia dos proprietários, desde sua origem, exclui dos projetos de interesse da maioria como bane das decisões a maioria dos que produzem riquezas e dos seus benefícios.
Esse banimento provoca danos no conhecimento da realidade, que é falsificada pelas mistificações dos donos das rendas e das riquezas, surrupiadas do povo.
Na falta de conhecimento por ausência de participação a mente coletiva inventa e mistifica.
As mistificações são prenhes de individualismo, de perversidade na distorção da verdade, de contradições e de vazio ético. Para todos os lados para onde olhamos vemos nuvens carregadas de contradições nas vidas das pessoas.
O princípio do façam o que eu digo, mas não façam o que faço é a nota predominante das contradições.
O membro familiar e o vizinho corruptos e ignorantes do meu amigo Laércio não são casos isolados. São a nota comum na maioria do povo, feito boiada empurrado para o matadouro.
Quem não conhece o desentupidor de pias, quem opta pelo mais fácil e quem se aposenta para fugir do trabalho e da luta pelos direitos dos trabalhadores, percorrendo a via suja da corrupção de tudo, escolhe assimilar a lavagem poluidora e produtora de alienação que os assaltantes da economia, do poder político e social despejam nas gargantas infeccionadas pelo ódio e pelas bravatas cínicas.
Infelizmente a maioria é como o homem que não conhece desentupidor de pia e como o pedreiro, ambos aposentados falsificando a previdência, mas cheios de moral de cueca.
• Abraços críticos e fraternos na luta pela justiça e pela paz sociais.
• Dom Orvandil, OSF: bispo cabano, farrapo e republicano, presidente da Ibrapaz, bispo da Diocese Brasil Central e professor universitário, trabalhando duro sem explorar ninguém.
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