Militares na encruzilhada do passado

Florestan Fernandes Jr., da rede Jornalistas pela Democracia, imagina "que generais, almirantes e brigadeiros desejam desesperadamente que Bolsonaro fale menos e delegue mais". "Os 100 dias de turbulências verbais descortinaram os riscos que temos pela frente. Nessa toada, quando chegarmos ao fim dos 45 meses que ainda faltam para o término do mandato do eleito, corremos o risco de não sermos mais uma nação e sim um enorme manicômio", prevê. Para ele, "as Forças Armadas têm um papel importantíssimo para o nosso futuro imediato"

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Por Florestan Fernandes Júnior, para o Jornalistas pela Democracia - Faz pouco mais de 100 dias que o Brasil virou uma caixinha de surpresas. Dela saem frases tão absurdas que deixam ruborizados os rostos de ateus, agnósticos, deístas e religiosos. As pérolas brotam, na maioria das vezes, do mundo de fantasias e terror que povoam a mente do nosso "comandante em chefe". É um turbilhão sem fim. Besteiras que não dão trégua, como a frase proferida pelo capitão para justificar seu veto ao reajuste de 5,7% no preço do diesel: "Não sou economista, já falei que não entendia de economia. Quem entendia afundou o Brasil, tá certo?". A atitude destrambelhada resultou numa queda das ações da Petrobras dando um prejuízo de 32 bilhões de reais à petroleira nacional.

Algumas destas surpresas são tão aterradoras que levariam um velhinho da SS nazista, escondido em alguma cidade da América do Sul, a dar boas gargalhadas: "Podemos perdoar, mas não esquecer o holocausto." Do alto da sua soberba ignorância, o messias acha que pode tudo, inclusive propor perdoar um ato criminoso de Estado que nem os próprios alemães perdoaram. É um desrespeito com as famílias dos seis milhões de judeus que morreram em um dos maiores genocídios da história do mundo. E é, também, uma vergonhosa deferência aos nazistas.

Aqui na nossa pátria, a execução de civis durante os anos de chumbo é igualmente motivo de orgulho para o capitão. Em seu gabinete na Câmara Federal, ele mantinha um cartaz ridicularizando as investigações da Comissão da Verdade sobre a morte e o desaparecimento de militantes da guerrilha do Araguaia. "Quem procura osso é cachorro", era a frase do cartaz.

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Os posicionamentos de Bolsonaro surpreenderam negativamente até o presidente direitista do Chile, Sebastián Piñera. Um dia após a passagem do capitão-presidente pelo país, Piñera disse aos jornalistas chilenos que não concordava com as frases de Bolsonaro sobre as ditaduras latino-americanas e as classificou como "extremamente infelizes. "

Depois de um silêncio de seis dias, Bolsonaro resolveu liberar outra frase surpreendente ao falar sobre a execução do músico Evaldo dos Santos Rosa na periferia do Rio de Janeiro: "O Exército não matou ninguém." A afirmativa provocou ainda mais dor nos filhos, amigos e na mulher de Evaldo. E deve ter criado um forte mal-estar dentro das Forças Armadas, que mantêm presos os soldados que dispararam 80 tiros contra o carro de um pai de família.

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Imagino que generais, almirantes e brigadeiros desejam desesperadamente que Bolsonaro fale menos e delegue mais. Os 100 dias de turbulências verbais descortinaram os riscos que temos pela frente. Nessa toada, quando chegarmos ao fim dos 45 meses que ainda faltam para o término do mandato do eleito, corremos o risco de não sermos mais uma nação e sim um enorme manicômio.

O que muitos já se perguntam é: por que as Forças Armadas, que conheciam tão bem os limites emocionais e intelectuais do capitão, aceitaram marchar ao lado dele? Qual será a gota d'água para os oficiais de alta patente baterem em retirada de um governo refém intelectual de líderes evangélicos e de um astrólogo maluco?

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Tenho informação de que bem antes do impeachment de Dilma, oficiais do Exército já falavam em afastamento da presidenta. Os generais estavam por conta com os escrachos de estudantes na frente das casas de oficiais denunciados pela Comissão da Verdade. Incomodava a eles, não sei se por vergonha ou por convicção, que setores progressistas da sociedade civil passassem a limpo esta história. Dilma cutucou a onça com vara curta e acabou vendo os militares saírem da toca. Em 2012, os representantes da Marinha, Exército e Aeronáutica não acataram determinação da presidenta e comemoraram no Clube Militar o aniversário do golpe de 64.

De lá pra cá, os militares começaram a sair da caserna e a se aventurar novamente na política. A ponto de o general da reserva, Luiz Gonzaga Lessa, ameaçar: "Se o STF permitir que Lula se eleja, haverá intervenção militar." O general demonstrou pouca atenção para o que diz nossa Constituição, que determina que o papel das Forças Armadas é o de zelar pela defesa da Pátria e da garantia dos poderes constitucionais. Bolsonaro vem perdendo rapidamente o apoio da cúpula das Forças Armadas. Eles temem perder prestigio com o desgoverno atual.

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Um fantástico desafio se coloca pela frente: como fazer um rearranjo rápido dos rumos da nossa economia e, ao mesmo tempo, preservar os princípios democráticos. Na atual conjuntura, as Forças Armadas têm um papel importantíssimo para o nosso futuro imediato. Espero que, desta vez, elas não se sintam atraídas a cometer os erros do passado. O momento exige grandeza de todos, dos civis e dos militares.

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