Lula, preso político

Com Lula preso o próximo passo dos golpistas, esse sim o último dessa etapa do golpe, será a cassação do registro do Partido dos Trabalhadores, um dos maiores partidos socialdemocratas do mundo

Curitiba - O ex-presidente Lula chega à sede da Superintendência da Polícia Federal onde vai cumprir pena (Marcello Casal Jr/Agência Brasil)
Curitiba - O ex-presidente Lula chega à sede da Superintendência da Polícia Federal onde vai cumprir pena (Marcello Casal Jr/Agência Brasil) (Foto: Pedro Maciel)


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Em 2008 escrevi que as relações entre o sistema judicial e o sistema político atravessavam um momento de tensão sem precedentes cuja natureza poderia ser resumida numa frase: a judicialização da política conduziria à politização da Justiça.

Era evidente, pois já em 2008 era possível perceber que os diversos órgãos do Poder Judiciário, no desempenho normal das suas funções, passaram a extrapolar suas competências e afetar de modo significativo as condições da ação política, ou questões que originariamente deveriam ser resolvidas na arena política e não nos tribunais[1].

No mesmo texto afirmei que o uso excessivo do judiciário, através do deslocamento desmedido de questões políticas para o campo judicial, revelava ausência de espírito democrático de quem o faz, bem como, em tese, verdadeira má-fé, pois a judicialização desvirtua a verdade.

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Em 2009, escrevi outro artigo que chamei de “POLITIZAÇÃO DA JUSTIÇA - Judiciário sufoca democracia e sociedade civil” [2] no qual propunha reflexão, a respeito de circunstância que me parecia muito evidente: o Brasil assistia passivo uma espécie extrema de "judicialização da política”, inicialmente perceptível na Justiça Eleitoral e no Supremo Tribunal Federal. A inércia do Legislativo abria espaço para a regulação pelo Poder Judiciário de questões que deveriam ser resolvidas no congresso. Esse fato, a meu sentir, estava a comprometer o equilíbrio entre os Poderes. Já em 2009 era perceptível uma radicalização da judicialização da política em função de competências que o Judiciário avocava para si. Trata-se de fato complexo e questão de difícil resolução, pois o Poder Judiciário ao suprir a omissão dos outros poderes ou alterar decisões, além de interferir na execução de políticas públicas, estava politizando sua atuação. Denunciávamos outro fenômeno no processo político brasileiro: a hiperconcentração de poder e legitimidade no Judiciário, e um esvaziamento dos demais Poderes.

Em 2010, ultimo ano do segundo mandato de Lula na presidência, o CONJUR publicou outro artigo que chamei de “SOCIEDADE FRACA - Os perigos da judicialização da política” [3]. O argumento trazido ao debate era o seguinte: a crescente presença do Poder Judiciário em questões sociais, abandonando progressivamente o cânon que lhe vinha de décadas de positivismo político kelseniano, alterava rapidamente a natureza da jurisdição a qual, em tempos de ativismo judicial e de judicialização da política, poderia causar problemas, afinal se é inegável que no exercício necessário da jurisdição a visibilidade do Poder Judiciário vinha aumentando enormemente nas últimas duas décadas, o aumento de visibilidade e de protagonismo veio acompanhado de serias dúvidas sobre o quanto o chamado ativismo judicial era válido, legitimo e elemento positivo para o fortalecimento da democracia e para o amadurecimento das instituições.

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Ainda em 2010, enquanto muitos comemoravam a passagem para o 2º turno da escolhida de Lula, escrevi “ALTA INTENSIDADE - Midiatização interfere na vontade popular” [4], no qual refletia sobre a crescente judicialização dos temas que deveriam ser resolvidos no parlamento e não nos tribunais.

Naquele momento afirmei que a judicialização da política representa a renuncia ao debate democrático e uma opção elitista, pois deslocar para o Poder Judiciário e para a mídia o debate, gerar falsos conflitos e falsas crises, com o objetivo de manipular a opinião pública com propósitos eleitorais é tática corrosiva à Democracia.

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O PT elegeu Dilma Rousseff em 2010, graças à enorme aprovação dos seus governos e do prestigio do próprio Lula. A terceira vitória do PT fez muito mal à esquerda, mas sobre isso já escrevi[5], que foi tomada pela soberba e pelas certezas, tão próprias dos burocratas e dos bajuladores.

Bem, já em 2011 escrevi “JUSTIÇA QUE LEGISLA - Ativismo judicial vinculativo não é bom” [6], no qual afirmo que a atividade legiferante cabe somente àqueles que estão investidos legitimamente em cargos eletivos, possuindo, portanto, o múnus legislativo, o juiz não tem o poder de legislar, não possui múnus legislativo, por isso o ativismo judicial não pode sobrepor-se ao paradigma do Estado Democrático de Direito que se assenta num necessário equilíbrio dos poderes.

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Tais inquietações não despertaram qualquer interesse ou debate sobre o caos que se anunciava, apesar de ser sobejamente conhecido o conceito de “Guerra Não-Convencional”, ou Guerra-hibrida, o qual começou a ser mais bem compreendido em 2010, derivado do Manual para Guerras Não-Convencionais das Forças Especiais dos EUA. A citação-chave para compreender o conceito é a seguinte: “O objetivo dos esforços dos EUA nesse tipo de guerra é explorar as vulnerabilidades políticas, militares, econômicas e psicológicas de potências hostis, desenvolvendo e apoiando forças de resistência para atingir os objetivos estratégicos dos Estados Unidos. […] Num futuro previsível, as forças dos EUA se engajarão predominantemente em operações de guerras irregulares (IW, na sigla em inglês)”[7].

Sobre o tema Evilazio Gonzaga escreveu de forma objetiva e clara:O Brasil foi atacado em uma Guerra Híbrida e sofreu sérias derrotas. Guerra Híbrida é uma estratégia que mescla táticas de guerra política, ciberguerra, outros métodos de influência, tais como fake news, diplomacia e intervenção eleitoral externa. No processo, os atacantes; principalmente os EUA, o sistema financeiro de Wall Street e as multinacionais do petróleo; se aliaram aos ricos brasileiros, especialmente os banqueiros, rentistas e agiotas. Esse núcleo, dos muito ricos brasileiros, acionou as instituições do estado brasileiro e a mídia corporativa, que controlam desde sempre, para demolir a democracia no país, através da doutrina do Choque e Terror, bem definida pela pesquisadora canadense Naomi Klein. Um dos objetivos da Guerra Híbrida movida contra o país é a desarticulação da economia nacional, para solapar a capacidade competitiva do país na arena internacional.[8].

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Mas, de lá para cá, o roteiro - nada democrático - dessa “guerra hibrida” foi se tornando cada vez mais evidente.                                   

Em 2012 a AP 470 tornou evidente a “Guerra-hibrida” e a criminalização seletiva da Política e dos políticos de esquerda, em 2013 os protestos de junho tornaram-se algo viral (suas causas e consequências ainda demandam reflexão séria e compreensão), os dois fatos tiveram enorme apoio da imprensa, mas os partidos de esquerda, centro-esquerda e os setores progressistas não se preocuparam em pensar nas consequências desses fatos.

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Em 2014, já com a Lava-Jato - instrumento da “Guerra hibrida - em andamento, a vitória de Dilma Rousseff mascarou a retumbante derrota da esquerda naquele ano, que viu diminuir a representação progressista no congresso nacional, como consequência disso tudo.

A derrota do Delfin - eterno-neto, herdeiro, representante da velha política e dos interesses neoliberais - foi o estopim e inicio de crise política sem precedentes.

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Em 2015 escrevi, no “O roteiro de um golpe?”[9], que a quarta derrota dos representantes fieis da FEBRABAN e da FIESP era a verdadeira causa da indignação seletiva e do caos artificialmente criado e inflado. Destaquei a “capacidade” que os meios de comunicação têm em potencializar momentos de tensão institucional e instabilidade política em favor de suas posições e a serviço de seus senhores. Também critiquei a falta de "tarimba" política de Dilma, pois, apesar de respeitá-la, a meu juízo ela era apenas uma tecnocrata do setor público desde a eleição de Alceu Colares no Rio Grande do Sul em 1985, mas completamente desconhecida, até ser ungida por Lula.

Nesse artigo de 2015 destaquei e denominei a “Guerra´hibrida” de “método de construção do caos e de manipulação” da classe média através da mídia e dos seus "especialistas" falando bobagens sem parar. Era claro que vivíamos um cenário similar ao pré-golpe de 1964.

Escrevi ainda: “espero estar errado, mas em 1964 interesses internacionais, apoiados pelas oligarquias nacionais e pelos senhores da mídia depuseram João Goulart, um presidente eleito democrática e constitucionalmente, e o Brasil seguiu a agenda de todos os países do então terceiro mundo e o povo viveu sem democracia por 21 anos. Hoje me parece que o pré-golpe segue o mesmo método: criminalização da Política, criminalização da esquerda, espetacularização disso tudo. A novidade é a judicialização da política ou, noutras palavras, a transferência para um Poder ‘confiável’ as decisões que são originariamente da sociedade, da seara política.”, eu não estava errado.

Escrevi reiteradamente sobre o tema. E em 2016 no “A metodologia do golpe[10] afirmei que todos os fatos, vividos naquele março, faziam parte de um encadeamento de fatos responsáveis por uma inflexão conservadora e sombria e que testemunhavamos, assim como testemunhamos a construção de uma ruptura institucional, um golpe, que possui metodologia e encadeamento curiosos: (a) a Judicialização da Política; (b) a Politização do Poder Judiciário; (c) a espetacularização (midiatização) do que foi judicializado;
(d) a criminalização da Política dos políticos e dos partidos políticos, tudo para justificar o golpe, e por fim (e) declaração de que o país vive em Estado de Exceção[11].

Eu propunha a necessidade de reflexão e reação da sociedade, sempre na perspectiva de compreender a tal “Guerra-hibrida” e evitar o golpe, pois uma ruptura institucional seria trágica para a nação.

Ocorreu a ruptura e não conseguimos fazer nada.

Após um impeachment fraudulento imposto à nação, que apeou Dilma Rousseff do Planalto, muitos imaginavam que o “grande acordo nacional, com o Supremo com tudo” colocaria fim à turbulência política. Mas não foi assim, pois os interesses neoliberais não poderiam correr o risco de Lula voltar à presidência e interromper o cumprimento da agenda neoliberal. Por isso foi necessário criminaliza-lo. Por isso ele foi processado, injustamente condenado e preso.

Lula é o primeiro preso político do país depois do Golpe de 2016.

O que os agentes do Golpe buscam aprisionar é visão social-desenvolvimentista (visão vitoriosa nas urnas, mas derrotada pelo golpe de 2016, um golpe que começou a ser preparado após a vitória de Lula em 2006).

Com Lula preso o próximo passo dos golpistas, esse sim o último dessa etapa do golpe, será a cassação do registro do Partido dos Trabalhadores, um dos maiores partidos socialdemocratas do mundo.

Lula, sempre maior e mais lúcido que tantos de nós, após a missa em homenagem à Dona Marisa, colocou ao seu lado Fernando Haddad, Manuela D’Avila e Guilherme Boulos e apontou o horizonte e o caminho.

A imagem de Boulos, Manuela e Haddad sintetiza a nossa missão, aponta o caminho a seguir: unificar a esquerda, o centro-esquerda e os setores democratas e progressistas da sociedade para retomar o bom caminho ao lado do povo.

A união da esquerda e a defesa de todos os partidos de centro-esquerda, a luta pela liberdade de Lula e a anulação da sentença que o condenou , são nossas tarefas, nossa missão, nosso propósito, pois:“(...) / O amor da gente é como um grão / Uma semente de ilusão / Tem que morrer pra germinar / Plantar nalgum lugar / Ressuscitar no chão / Nossa semeadura / Quem poderá fazer aquele amor morrer / Nossa caminhadura / (...)”[12].

Pedro Benedito Maciel Neto, 54, advogado, sócio da MACIEL NETO ADVOCACIA, autor de “Reflexões sobre o estudo do Direito”, Ed. Komedi, 2007.


[11] O TRF da 4ª Região conferiu ao Juízo da 13ª Vara Federal de Curitiba verdadeira "carta branca" para desrespeitar a lei e a constituição, tudo com base na "Teoria do Estado de Exceção". Na decisão do P.A. CORTE ESPECIAL Nº 0003021-32.2016.4.04.8000/RS, relatado pelo Desembargador Federal Rômulo Pizzolatti decidiu, por maioria, que a operação "lava jato" não precisa seguir as regras processuais comuns, por enfrentar fatos novos ao Direito, mais ou menos o que Deodoro fez em 1891 e o que os militares de 1964 faziam através dos Atos Institucionais. O TRF4 fundamentou essa temerária decisão na "Teoria do Estado de Exceção" e o STF queda silente.

[12] “Drão”, Gilberto Gil.

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