Fechado por falta de inteligência no País

Os recentes ataques ao acampamento, quando um grupo de fascistas faz um atentado a tiros ferindo dois militantes, quando um delegado da polícia federal destrói o equipamento de som, me lembra de outro local, também de resistência que frequentei nos anos sessenta, o Juão Sebastião Bar

Chico César canta por Lula livre
Chico César canta por Lula livre (Foto: Keiji Kanashiro)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Desde o golpe de 2016, eu tenho procurado entender como um país que após doze anos de governos popular e progressistas de Lula e Dilma, se transforma na sexta economia do planeta, é respeitado pelo mundo por suas políticas sociais que tira milhões de brasileiros da extrema pobreza. Entender as causas dessa enorme crise econômica, social, política e institucional. Quando o país e governado por uma quadrilha de ladrões, que entrega as riquezas nacionais para o capital internacional, que tira direito dos trabalhadores através da compra descarada de parlamentares para aprovação de seus projetos. Quando um juiz de primeira instância destrói as grandes empresas nacionais, condena e prende, sem provas rasgando a constituição, o maior presidente que esse país já teve e que lidera todas as pesquisas para as eleições presidenciais, com objetivo claro de impedir que ele volte a governar o país e revogar todas as medidas tomadas nestes dois anos contra a soberania nacional e direitos dos trabalhadores. Quando o STJ e o STF, que deveriam ser os guardiães da constituição, pressionados pela grande mídia se acovardam e cometem uma série de arbitrariedades pra manutenção do golpe. Quando setores das Forças Armadas tentam interferir nas decisões da Suprema Corte e ameaçam entrar em cena novamente como fizeram em 1964.

Diante desse impasse político institucional, onde o golpe não consegue viabilizar sequer um candidato pra competir com Bolsonaro que não é aceito pelo império, principalmente agora quando é revelado um documento da CIA comprovando que Geisel e Figueiredo, foram os responsáveis diretos de mais de cem execuções de opositores do regime quando estavam no poder. Com Lula solto ou preso, a Constituição permite que ele seja ser candidato e as pesquisas confirmam que ele poderia ser eleito em primeiro turno. Diante deste cenário, não se descarta a possibilidade dos militares assumirem o poder e cancelarem as eleições.

Acompanhando as atividades do acampamento de Resistência Marisa Letícia em Curitiba. Onde várias personalidades têm comparecido para prestar solidariedade ao Presidente Lula. A iniciativa da cantora Ana Cañas, de forma espontânea, fazer um show no acampamento, acaba estabelecendo uma programação cultural de artistas comprometidos com a defesa da democracia e a liberdade de Lula. Os recentes ataques ao acampamento, quando um grupo de fascistas faz um atentado a tiros ferindo dois militantes, quando um delegado da polícia federal destrói o equipamento de som, me lembra de outro local, também de resistência que frequentei nos anos sessenta, o Juão Sebastião Bar.

continua após o anúncio

O Juão, como carinhosamente nós chamávamos, cujo dono era o jornalista Paulo Cotrin era em São Paulo o principal ponto da música popular brasileira. Era um bar de classe média, e eu há época estudante e bancário, economizava na semana para ter grana para no fim de semana ir ao Juão. Passava a noite inteira, enrolando com um ou dois drinques e assistindo shows maravilhosos do que tinha de melhor na música popular brasileira. Na década de oitenta, reencontrei o Cotrin e ao comentar este fato, dos dois drinques, ele me disse que era política da casa, porque ele sabia que grande parte dos frequentadores era estudantes universitários, e que a maioria era duro, mas que achava importante estarmos lá.

A partir do golpe de 1964 o Juão, continua sendo o principal ponto da música popular brasileira, e passa a ser também um local de encontro de pessoas iriam fazer resistência ao golpe. Eu apaixonado por música diria que a minha formação cultural e a minha afirmação política, começa efetivamente neste período que frequentei o Juão Sebastiao Bar. Como contribuição ao debate e a história, essa é a estória que gostaria de compartilhar.

continua após o anúncio

No início dos anos sessenta, o Brasil vivia um momento extraordinário. A partir da eleição de Juscelino, a construção de Brasília, a retomada do desenvolvimento ancorada nos investimentos na indústria automobilística no ABC paulista; no futebol o Brasil campeão do mundo em 1958 e 1962; nas artes, teatro, cinema e em especial a música popular brasileira fazendo sucesso no mundo.

O movimento musical que ficou conhecido como Bossa Nova, teve inicio em agosto de1958 quando do lançamento em agosto de 1958 do compacto simples do violonista baiano João Gilberto, considerado o papa do movimento, contendo as canções Chega de Saudade (Tom e Vinicius) e Bim Bom (do próprio cantor) caracterizadas também pela sua célebre batida do violão, com acordes dissonantes e inspirados no Jazz. Outra das características do movimento eram suas letras que, contrastando com os sucessos de até então, abordavam temáticas leves e descompromissadas - exemplo disto, Meditação de Tom Jobim e Newton Mendonça. A forma de cantar também se diferenciava da que se tinha na época. Segundo o maestro Júlio Medalha, "desenvolver-se-ia a prática do canto-falado ou do cantar baixinho, do texto bem pronunciado, do tom coloquial da narrativa musical, do acompanhamento e canto integrando-se mutuamente, em lugar da valorização da grande voz". Era a fase do Amor, do Sorriso e da Flor.

continua após o anúncio

Um pouco da história

Na eleição presidencial de 1960, a vitória coube a Jânio Quadros (UDN). Naquela época, as regras eleitorais estabeleciam chapas independentes para a candidatura a vice-presidente, por esse motivo, João Goulart, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) foi reeleito. A gestão de Jânio Quadros na presidência da República foi breve, dura sete meses e encerra-se com a sua renúncia, que desencadeia uma crise institucional sem precedentes na história republicana do país até então. A posse do vice-presidente João Goulart não é aceita pelos ministros militares e pelas classes dominantes. Jango se encontrava na Ásia, em visita a República Popular da China. O presidente da Câmara dos Deputados, Ranieri Mazzilli, assume o governo provisoriamente. Porém, os grupos de oposição mais conservadores representantes das elites dominantes e de setores das Forças Armadas não aceitam que Jango tome posse, sob a alegação de que ele tinha tendências políticas esquerdistas.

continua após o anúncio

Não obstante, setores sociais e políticos que apoiavam Jango iniciem um movimento de resistência. O governador do estado do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, destaca-se como principal líder da resistência ao promover o que ficou conhecida como a Campanha da Legalidade. O movimento de resistência, que se começa no Rio Grande do Sul e irradia-se para outras regiões do país, divide as Forças Armadas que impede uma ação militar conjunta contra os legalistas.

No Congresso Nacional, os líderes políticos negociam uma saída para a crise institucional e a solução encontrada foi o estabelecimento do regime parlamentarista de governo que vigorou por dois anos (1961-1962) reduzindo enormemente os poderes constitucionais de Jango. Com essa medida, os três ministros militares aceitam e em cinco de setembro Jango retorna ao Brasil, e é empossado em sete de setembro.

continua após o anúncio

Em janeiro de 1963, Jango convoca um plebiscito para decidir sobre a manutenção ou não do sistema parlamentarista. Cerca de 80 por cento dos eleitores votam pelo restabelecimento do sistema presidencialista e Jango passa a governar o país como presidente, e com todos os poderes constitucionais a sua disposição.

Voltando a música

continua após o anúncio

As expectativas criadas a partir das reformas anunciadas por Jango, um novo clima de esperança aumenta a autoestima da população e atrai uma geração de músicos brasileiros, vindo do clássico e do jazz, vislumbrando o sonho de levar sua música aos quatro cantos do mundo, se incorporam ao Movimento da Bossa Nova.

Com o golpe militar de 1964, a Fase do Amor do Sorriso e da Flor é substituída pela Fase Social incorporando temas mais sérios e engajados para as composições. Essa tendência fica explícita no show Opinião, de 1964, que se transforma em palco de contestação política da classe média carioca e símbolo de resistência à repressão instaurada pela ditadura. Surgem os Festivais, os Shows dos Centros Acadêmicos dos estudantes. No Rio no famoso Beco das Garrafas, e em São Paulo esta contestação através da música se materializava principalmente no Juão Sebastião Bar, idealizado pelo jornalista Paulo Cotrin. O Juão ficava próximo ao Instituto Mackenzie e da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo e o DCE da USP era vizinho quase de parede com o bar. Por isso tinha uma clientela essencialmente formada por estudantes universitários, artistas, jornalistas, boêmios e intelectuais de forma geral, cidadãos que faziam resistência ao Golpe Militar. Mas era frequentado também por pessoas da classe média alta, em função que lá se apresentava o que havia de melhor da música popular brasileira. Além dos artistas fixos contratados da casa, a cantora Claudete Soares, o conjunto do Valter Vanderlei e o pianista Pedrinho Matar, muitos artistas consagrados como Vinicius de Moraes, Tom Jobim, Leni Andrade, Elis Regina, Alaíde Costa, Johnny Alf, Geraldo Vandré, João Gilberto, Carlos Lyra, Zimbo Trio, Hermeto Paschoal, Cesar Camargo Mariano e tantos outros ali se apresentavam. Uma coisa fantástica que acontecia no Juão, é que era frequentado também por vários cantores em início de carreira, que tinham ás quartas feiras a possibilidade de se apresentarem nos intervalos das apresentações. Lá eu tive a oportunidade e o privilégio de ver dando a sua "canja", Chico Buarque, Taiguara, Toquinho só pra citar alguns entre muitos que iniciaram sua carreira lá no Juão.

continua após o anúncio

Como comentei no início, a partir do golpe o Juão passa a ser um ponto de resistência ao golpe, e o CCC – Comando de Caça aos Comunistas, organizados por fascistas tendo como principal ativistas estudantes da Universidade Mackenzie começam a promover atentados a tiros na fachada do Juão. Indignado com os atentados, Cotrin resolve fazer uma semana de show com o que havia de top na MPB, que era Elis Regina e Zimbo Trio.

No sábado após o ultimo show, Paulo Cotrin fecha o Juão Sebastião Bar e coloca na porta uma placa que dizia: FECHADO POR FALTA DE INTELIGÊNCIA NO PAÍS.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247