As marcas da escravidão 130 anos após a abolição

Mesmo abolindo a escravidão, o Estado brasileiro perpetuou a tragédia social ao não integrar o negro à sociedade. Além de não subsidiar sua inserção social, também não o forneceu condições de dignidade

Mesmo abolindo a escravidão, o Estado brasileiro perpetuou a tragédia social ao não integrar o negro à sociedade. Além de não subsidiar sua inserção social, também não o forneceu condições de dignidade
Mesmo abolindo a escravidão, o Estado brasileiro perpetuou a tragédia social ao não integrar o negro à sociedade. Além de não subsidiar sua inserção social, também não o forneceu condições de dignidade (Foto: Diego Ricoy)


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Hoje, 13 de maio de 2018, fazem 130 anos da assinatura da Lei Áurea pela princesa Isabel, que extinguiu a escravatura no Brasil depois de quase quatro séculos de opressão e sujeição do negro ao trabalho compulsório. No entanto, mesmo após tanto tempo após a abolição, permanecemos vivendo num meio social excludente, em que os esforços na criação de medidas efetivas para a redução dos impactos da escravidão ainda são reduzidos.

Nossa sociedade acostumou a negligenciar seu passado escravocrata. Martirizou-se Isabel como a libertadora dos escravos, atribuindo a ela toda a glória pela liberdade como se a assinatura fosse um ato de pura benevolência, excluindo os interesses envolvidos por trás daquela obra. Enquanto a princesa (branca de origem europeia) continua sendo exaltada, líderes do movimento abolicionista como Luís Gama e José do Patrocínio (negros de origem africana) são muitas vezes esquecidos pela memória popular.

Mesmo abolindo a escravidão, o Estado brasileiro perpetuou a tragédia social ao não integrar o negro à sociedade. Além de não subsidiar sua inserção social, também não o forneceu condições de dignidade. Ao contrário, importou o imigrante europeu na tentativa de superar as marcas da negritude brasileira. A liberdade para o negro, neste sentido, como garantida pela Lei Áurea, pressupunha exclusão social. Logo, com o desamparo do poder público, ele continuava marginalizado, refém de um sistema segregador, sendo destinado a uma condenação eterna – principalmente devido a cor da sua pele, que o estigmatizava como perverso devido às suas origens. O seu lugar tornar-se-ia o do submundo. E este cenário seria propício para o surgimento do que o professor e sociólogo Jessé Souza chamou de ralé brasileira: pobres e miseráveis que seriam odiados, desamparados, excluídos e oprimidos pelo Estado e pelas classes alta e média.

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Após a abolição, o Brasil vivenciou um período de amnésia nacional, de acordo com a historiadora e antropóloga Lilia Schwarcz. O projeto republicano de 1889 desejou apagar a escravidão da nossa história, reconstruindo a memória nacional para fins políticos. Quiseram arrancar da nossa história a página mais perversa e mais difícil de ser superada. Acreditaram, os republicanos, que a escravidão já era algo superado e que o país caminharia a passos largos para o progresso, como se a sociedade brasileira já estivesse preparada para um futuro sem marcas do escravismo. Porém, esqueceram do trauma social indelével causado pela opressão secular aos negros.

Chegamos ao futuro, 130 anos de abolição, e o sentimento de culpa pela escravidão quase inexiste no Brasil. Não há ou quase não existe remorso. Permanecemos num contexto de amnésia nacional. Prova disso é a existência de poucos espaços de memória coletiva sobre a escravidão, como museus e memoriais. Discriminação e manifestações contrárias à cotistas nas universidades públicas são recorrentes, assim como o ódio, desprezo e desumanização de muitas figuras públicas negras. Professores permanecem romantizando a escravidão, abrindo brechas para a validação do discurso mitológico da democracia racial de Gilberto Freyre, como se todos, negros, brancos e indígenas vivêssemos num espaço público harmonioso, democrático e promotor da liberdade.

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O 13 de maio não é uma data para ser celebrada. Ele deve servir para que lembremos de nossas origens. Como escreveu o professor Jessé, a escravidão é o nosso berço e por isso precisamos refletir sobre nossa identidade para compreender que o ódio e a exclusão da ralé são projetos de dominação orquestrados pelas elites, que se negam em abrir mão de privilégios históricos em favor de uma liberdade irrestrita de todos os grupos sociais.

Não devemos nos esquecer que a história é um poderosíssimo instrumento de dominação das massas. Ela serve aos interesses dos poderosos, que a manipulam e constroem interpretações do passado de forma a legitimar suas ações. O que explica e justifica a escravidão dos séculos 16 ao 19 é o lucro do comércio de cativos. E é ele que continua explicando a permanência da desigualdade social e racial no Brasil do século 21.

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Portanto, ao invés de celebrar essa data, é necessário desnudar a história da escravidão e trazer para o debate a discussão a respeito da identidade nacional brasileira. Um país que se fundou no escravismo precisa reconhecer suas origens e seu povo. Por isso, precisa quitar sua enorme dívida com os negros de sua nação.

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