O Consenso que vem de Pequim

De um lado uma economia americana que apresenta sinais de enfraquecimento dada sua inabilidade econômica-política em se modernizar e de outro, uma China que corre para se tornar um pais desenvolvido. A pergunta que nos devemos fazer, nesse novo cenário mundial, é de qual será o papel que cabe ao Brasil?

O Consenso que vem de Pequim
O Consenso que vem de Pequim (Foto: REUTERS/Etienne Oliveau)


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A mais recente crise econômica e financeira global enfraqueceu a credibilidade do programa neoliberal de desenvolvimento econômico e crescimento. Enquanto as economias dos EUA e da Europa se contraíram drasticamente, as economias emergentes sofreram relativamente menos com o colapso econômico.

Um exemplo notável é a China, cujo sucesso econômicos trouxe o modelo chinês à tona como uma abordagem alternativa ao desenvolvimento. Diferentes aspectos do modelo de desenvolvimento da China são comumente chamados de Consenso de Pequim. A perspectiva de rápido crescimento econômico sem liberalização da política econômica, está ganhando cada vez mais popularidade entre os países em desenvolvimento que se opõem à abordagem de "modelo único" do Consenso de Washington.

O Consenso de Pequim reflete uma nova abordagem para o desenvolvimento baseada no modelo chinês de crescimento econômico. A China, sem dúvida alguma, tem marcado um caminho alternativo para outras nações ao redor do mundo que estão tentando descobrir, não apenas, como desenvolver seus países, mas também, como se encaixar na ordem internacional de uma forma soberana.
Através da análise do modelo de desenvolvimento chinês podemos concluir que não existe mágica, ou atalho. O que existe na verdade é um planejamento de Estado, que se moderniza a cada período restabelecendo metas e novas diretrizes. As características econômicas do chamado Consenso de Pequim podem ser resumida, em nossa visão, em 6 pontos.

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O primeiro ponto é que a China mudou o conceito prático e teórico de desenvolvimento. O Estado chinês entendeu há muito tempo, que desenvolvimento é um processo de transformação estrutural da sociedade e não pode ser confundido ou substituído por políticas econômicas que visam ajustar a dinâmica econômica às flutuações de curto e médio prazo.
Portanto, o objetivo central das Politicas de Desenvolvimento é usar a economia para melhorar a sociedade e melhorar a qualidade de vida do seu povo. O uso do PIB para avaliações tradicionais dos níveis de desenvolvimento econômico é uma noção rejeitada pela China como o único indicador de sucesso econômico. Em vez disso, as políticas da China são "centradas nas pessoas" e medem o desenvolvimento, com base na qualidade de vida da população, nos níveis de sustentabilidade e igualdade.

Apenas olhar para o PIB não seria capaz de estimar plenamente o desenvolvimento da China, já que isso não leva em conta, por exemplo, o progresso feito pela China no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) ou o fato de a China ter retirado mais de 300 milhões de pessoas do poço da pobreza na última década.

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O segundo ponto é a persistência na crença de que o papel do Estado deve ser de Impulsionador e Fomentador do Desenvolvimento através dos Investimentos Públicos. Com essa visão, o Governo Chinês manteve umas das maiores taxas de investimento do mundo na última década: superior a 46% uma das maiores taxas de poupança interna de cerca de 46% ambas em relação ao Produto Interno Bruto.
Esse alto volume de investimento e poupança são a base da política de crescimento da China. Grande parte desses recursos foram destinados a projetos nacionais de infraestrutura, que não só baratearam os custos de produção e de logística do pais (portos, aeroportos, ferrovias e estradas), mas também melhoraram a mobilidade do povo Chinês (ex. sistema ferroviário que cobre quase toda China, aliada ao trem de alta velocidade que reduziu o tempo de viagem entre Pequim e Shangai de 8h para 4h e 20 min – 1226 km).

Mesmo com a forte desaceleração da economia mundial a China continuou investindo, e no ano de 2017 investiu mais de US$ 2,5 trilhões. Tal volume gera uma demanda que tem sido fundamental para o desenvolvimento industrial e tecnológico chinês. Hoje são mais de US$ 5 trilhões em demanda por bens e serviços ao ano atendidas em grande parte pela industria chinesa.
O terceiro ponto refere-se à disposição da China de experimentar e usar a ciência, tecnologia e inovação como um impulsionador do progresso.

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O programa chinês de desenvolvimento científico e tecnológico e baseado em constantes e vultuosos investimentos em pesquisa e desenvolvimento (P & D), figuram entre os quatro principais países do mundo nos últimos anos. Isso tornou a China líder mundial em varias tecnologias como por exemplo, tecnologias de energias limpas, tecnologias de transporte e logística, tecnologias de novos materiais, inteligência artificial e tecnologias e aplicativos de comunicação.

A China, por exemplo, está muito próxima de abolir a moeda em papel para transações comercias e utilizar um sistema de pagamento via telefonia celular, seja por wechat (aplicativo parecido com o whatssap) ou por um sistema chamado Alipay todos conectados via banda larga em quase todo o território chinês. Alem disso, a Política Científica e Tecnológica da China tem sido uma das mais agressivas do mundo.

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Através de acordos de cooperação com pais lideres em pesquisa básica como o Reino Unido, Estados Unidos e Alemanha, a China aumentou a sua capacidade científica e inovativa, transformando a relação chinesa de Universidade-Empresa. Isso tem sido feito através do incentivos ao empreendedorismo com participação direta das Universidade em empresas de base tecnológica. Exemplo disso é a Universidade de Tsinghua, a mais importante Universidade da China que possuí um ativo total de empresas no valor superior a 60 bilhões dólares.

Hoje as Universidade Chinesas possuem participação em mais de 10 mil empresas e operam mais de 400 incubadoras em todo território chinês. Esse esforço se traduziu na última década em uma mudança estrutural da indústria chinesa.

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Aquela visão que muitos ainda têm no Brasil de uma industria chinesa arcaica com produtos de baixa qualidade é uma visão antiga. A China esta conseguindo implantar uma politica de modernização industrial e tecnológica que tem transformado a cara da Industria Chinesa.

A China se consolida no mundo, não só como grande produtora de manufatura, mas também como geradora de conhecimento. Há marcas sendo consolidadas internacionalmente, como é o caso da Lenovo (computadores) e Huawei (equipamentos de telecomunicações) Midea (que recentemente adquiriu parte da GE), Alibaba, State Grid e empresas menores que estão chegando no Brasil como a Didi, que adquiriu a 99 pop concorrente da Uber e a Mobike que atua no ramo de transporte público através de bicicletas compartilhadas.

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O quarto ponto tem sido os investimentos estrangeiros recebidos e feitos pela na China. No ano de 2016 a China recebeu 136 bilhões de dólares somente dos EUA e do Reino Unido. No mesmo ano, a China investiu mais de 183 bilhões de dólares, atrás apenas dos EUA. A China tem se utilizado da pujança do mercado interno para orquestrar cuidadosamente os investimentos estrangeiros que chegam no país.

Através da criação de uma politica de atracão de investimentos estrangeiros, a China ditou as regras para as quais aceitaria tais investimentos. Um exemplo claro foi da indústria automobilística. A pré-condição exigida para entrada no mercado interno foi a formação de uma parceria entre empresa estrangeira e empresas estatais chinesas.

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O foco dessa parceria deveria ser a criação de institutos para o desenvolvimento tecnológico e o desenvolvimento de produtos locais que tivessem o mesmo nível tecnológico daqueles produzidos nos países de sua parceira. Essa parceria, colocou a China como a maior produtora de carros do mundo (2017 quase 23 milhões de carros) com nível tecnológico igual e em alguns casos, melhor que seus parceiros-investidores.

Quando consideramos os investimentos chineses no exterior, a China se aproveitou de sua capacidade financeira e agiu estrategicamente adquirindo empresas e participações ao redor do mundo, que ajudassem a dar o salto tecnológico desejado em diversos setores.

O quinto ponto tem sido a capacidade de planejamento e execução do Estado chinês. Através de seus planos quinquenais, o Estado chinês tem agido na contramão dos Estados minimalistas e mostrado como se compor e recompor a capacidade de desenhar, planejar, implementar e gerir políticas públicas. Essa capacidade na prática tem mostrado o dinamismo do Estado chinês em gerir uma economia socialista com características chinesas, criando e fechando estruturas ineficientes de Estado.

A sociedade chinesa não se preocupa com uma discussão míope, que algumas sociedades ditas modernas fazem quanto ao tamanho do Estado, mas sim com a eficiência do Estado. Foi com esse intuito que durante o 19º Congresso do Partido Comunista, o Governo chinês alterou várias estruturas do Estado e acabou publicizando a criação de uma área especifica com status de ministério para a cooperação internacional.

Por fim, o sexto ponto tem sido a cooperação financeira internacional. A China também está diversificando suas participações estrangeiras, aventurando-se em economias endividadas na Europa, uma área em que por muito tempo desempenhou apenas um papel menor. Já possuindo uma parte significativa da dívida americana, a China ofereceu recentemente a compra de bilhões de dólares em títulos nas economias problemáticas da Irlanda, Grécia, Espanha e Portugal. A China também está oferecendo empréstimos maiores do que credores globais como o Banco Mundial e o FMI. Onde o Banco Mundial emprestou US $ 200 milhões para as Filipinas, a China emprestou US $ 2 bilhões.

A ajuda financeira externa da China aumentou de US $ 1,5 bilhão em 2003, US $ 27,5 bilhões em 2006 e mais de US$ 90 bilhões em 2015. Destinatários-chave incluem regimes que não necessariamente se qualificam para a ajuda ocidental. Por exemplo, a China prometeu US $ 600 milhões para o Camboja (mais de dez vezes a ajuda dos EUA) e doou US$ 400 milhões para Mianmar nos últimos cinco anos (em comparação à ajuda dos EUA de US$ 12 milhões por ano). Na America Latina a China ja anunciou que terá mais de US$ 250 bilhões para investir nos próximos anos.
Através de um programa robusto de cooperacao internacional, chamado de um cinturão, a China está criando fortes laços econômicos e ganhando influência política, oferecendo aos países condições favoráveis de troca, ajuda e investimento.

A China também tem se efetivado como membro de várias importantes instituições multilaterais de fomento, como por exemplo, o aporte significativo de recursos no banco Inter-americano de Desenvolvimento (BIRD), a criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB; Banco dos BRIC's) e a Criação do Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB).

No futuro, os países procurarão cada vez mais a China por apoio diplomático e formarão alianças estratégicas.

A dois messes atrás durante o Fórum Mundial de Desenvolvimento na China que contou com a participação de vários economistas e lideres internacionais, o consenso foi de que a China será na próxima década, a primeira economia do mundo. Além disso, ficou claro que o que está sendo gestado em Pequim e, sem duvida alguma, a mudança do centro de gravidade econômico e geo-político do mundo. De um lado uma economia americana que apresenta sinais de enfraquecimento dada sua inabilidade econômica-política em se modernizar e de outro, uma China que corre para se tornar um pais desenvolvido.
A pergunta que nos devemos fazer, nesse novo cenário mundial, é de qual será o papel que cabe ao Brasil?

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