“A curiosidade do jurista persa” e o TST

Amigos petroleiros, entendi como funciona a democracia brasileira. Na Pérsia também ocorrem fatos assim. Não se preocupem. Quando a situação apertar muito, basta subir no seu tapete voador e viajar por outros tempos e mundos

“A curiosidade do jurista persa” e o TST
“A curiosidade do jurista persa” e o TST


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Em 1981, Pedro Cruz Villalón, constitucionalista espanhol, escreveu um pequeno texto intitulado "A Estrutura do Estado ou a Curiosidade do Jurista Persa". A criativa ideia de Villalón se baseia na suposição de que na Pérsia existe um jurista sem qualquer conhecimento sobre o Direito espanhol que decide estudar a Constituição e entender a estrutura do Estado ibérico por razões totalmente misteriosas. Dotado de conhecimentos jurídicos mínimos, sem vinculações com interesses políticos conjunturais, o jurista persa fica perplexo com o que encontra na Espanha e desconfia da sua própria capacidade de entender a realidade.

Suponhamos que o jurista persa, tomado pela curiosidade, chegasse ao Brasil em um elegante tapete mágico para ilustrar os seus conhecimentos sobre a democracia e a Constituição. Suponhamos, ainda, por pura falta de sorte, que ele tenha chegado ao Brasil no último dia 29 de maio. Animado com a força da democracia brasileira, queria acompanhar o início da greve dos petroleiros, concluindo que viver em um país democrático é uma das grandes maravilhas do Ocidente. Parabeniza um caminhoneiro autônomo, cumprimenta o jovem trabalhador da Petrobrás que segura uma bandeira e fica feliz pela existência de políticos solidários que pediam a queda de Pedro Parente. Naquele 29 de maio, o jurista persa pensa em trazer a família e mudar-se para o Brasil.

Também no dia 29 de maio, o nosso oriental visitante descobre que o Brasil possui um Tribunal Superior do Trabalho e que este é uma espécie de mediador em grau superior dos conflitos entre o capital e o trabalho. Informado sobre uma decisão do tribunal sobre a greve dos petroleiros, o jurista comemora este evidente ato democrático de apoio aos trabalhadores e de mediação institucional dos conflitos laborais. Requisita um tradutor para compreender o conteúdo da decisão e depois enviá-la como exemplo para a sua terra natal. Porém, esta simples operação dá origem a uma verdadeira confusão no cenário da greve.

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Aos olhos do jurista persa, o tradutor que lhe indicaram era visivelmente incapaz de desempenhar as suas funções, pois afirmava, sem nenhum pudor, que a decisão do TST aplicava uma multa diária de quinhentos mil reais para cada entidade sindical envolvida na paralisação se esta ocorresse nas datas previamente anunciadas. Veio outro tradutor, e mais outro. Um dia se passou, e o quarto tradutor, desta vez importado da própria Pérsia, confirmou o trabalho dos colegas que lhe antecederam, afirmando, além disso, que uma nova decisão do tribunal havia aumentado a multa diária para dois milhões de reais. Cada uma das entidades sindicais envolvidas na greve deveria pagar uma multa diária de dois milhões de reais.

Espantado com fato tão inusitado, o jurista persa adotou a posição que lhe parecia mais adequada naquela altura dos acontecimentos. Estudou a decisão de três páginas do TST e procurou entender o seu conteúdo. O primeiro fundamento da decisão é o fato negativo de a greve ter caráter político, pois, dentre outras reinvindicações, pretendia preservar os empregos dos petroleiros, protestar contra a importação de combustível, o desmonte do sistema Petrobrás e pedir a demissão do presidente da empresa. A decisão do TST afirmava textualmente que, devido à natureza dessas questões, "no caso concreto não há pauta de reinvindicações que trate das condições de trabalho dos empregados da Petrobrás." O jurista persa reflete e conclui que os petroleiros pretendiam preservar a existência dos seus empregos. De fato, nada alegavam contra as condições de trabalho. Na Pérsia, para o trabalhador reclamar das suas condições de trabalho ele precisa primeiro estar empregado.

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O segundo fundamento da decisão foi a falta de senso de oportunidade e a ausência de sensibilidade dos petroleiros. Literalmente, a decisão afirma o seguinte: "quanto maior o impacto do movimento na sociedade, maior a probabilidade de êxito da greve, dado o poder de barganha dos envolvidos". O jurista persa raciocina mais um pouco e concorda. Mas se toda greve pretende incomodar a sociedade para barganhar de alguma maneira, por que faltou senso de oportunidade aos petroleiros? E por que eles demonstraram falta de sensibilidade? Na Pérsia, um reino distante e atrasado, o momento político seria absolutamente adequado, pois, na linha da própria decisão do TST, permitiria uma maior capacidade de negociação dos petroleiros em relação à política de preços e ao próprio modelo de gestão da Petrobrás, que ameaçam, todos os dias, inúmeros postos de trabalho da categoria.

A última parte da decisão envolve certa necromancia e faz o jurista concluir que a Pérsia antiga e o Brasil não são tão diferentes como ele supunha, pois todos sabem que a necromancia relacionada com os mortos era uma prática comum entre os persas. A decisão afirma que "é grave o dano que eventual greve da categoria dos petroleiros irá causar à população brasileira, por resultar na continuidade dos efeitos danosos causados com a paralisação dos caminhoneiros." A greve teve início no dia 30 de maio e a decisão é do dia 29. Reflete o jurista persa: – No Ocidente, a arte da adivinhação está mais avançada do que na Pérsia. Afinal, um tribunal consegue prever as consequências de um movimento grevista antes mesmo de ele ter sido iniciado. Mas veio a dúvida, será que a adivinhação é compatível com a democracia? Se for, a Pérsia não está tão distante assim dos regimes democráticos posteriores à Segunda Guerra Mundial.

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O jurista persa foi despertado das suas reflexões por um petroleiro que chamava a atenção para o valor diário da multa. Como eram dezoito entidades sindicais envolvidas, o valor da multa alcançava trinta e seis milhões de reais por dia. O jurista escutou e perguntou quanto aquilo representava exatamente em ouro ou em aquisição de elefantes. Devidamente esclarecido a respeito, com a Constituição de 88 e a Lei da Greve em uma das mãos, megafone na outra, o jurista persa se apressou em consolar os petroleiros (s)em greve, anunciando, no seu próprio idioma, tão perplexo estava, o seguinte:

– Amigos petroleiros, entendi como funciona a democracia brasileira. Na Pérsia também ocorrem fatos assim. Não se preocupem. Quando a situação apertar muito, basta subir no seu tapete voador e viajar por outros tempos e mundos. Existem lugares em que os tribunais admitem a existência de sindicatos. Também há países onde os direitos fundamentais são protegidos pelas instituições. Só evitem os cenários históricos de golpe parlamentar, pois, nestes casos cínicos de quebra do regime democrático, você aterrissa, é recebido com sorrisos e salamaleques, pensa que está tudo bem e de repente eles puxam o seu tapete. Retornarei em 2028!

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