Cidades em fim de linha

O pacote neoliberal de Jair Bolsonaro é peça chave para o avanço de uma receita denunciada há muito tempo pelos ativistas das lutas urbanas: a financeirização das cidades e a ausência do debate sobre o lugar dos pobres tanto na sociedade quando nos territórios, devendo estes temas serem mais uma vez elementos de discussão em nossas bravatas cotidianas

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Com a agenda conservadora de um presidenciável à espreita, é tempo de reflexão mais apurada sobre o futuro das cidades.

O pacote neoliberal de Jair Bolsonaro é peça chave para o avanço de uma receita denunciada há muito tempo pelos ativistas das lutas urbanas: a financeirização das cidades e a ausência do debate sobre o lugar dos pobres tanto na sociedade quando nos territórios, devendo estes temas serem mais uma vez elementos de discussão em nossas bravatas cotidianas.

De fato, a estrutura demarcada pelo capital delimita duas cidades: uma com acesso aos serviços públicos e provida de estrutura urbana, com condições plenas de habitabilidade e outra, com altos índices de inadequação habitacional e urbana, impregnada de uma relação nociva do Estado e da sociedade com esses territórios, pautada na naturalização da pobreza, resultado dos anos de ausência de atuação do poder público.

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Em período recente, tivemos um esforço no período democrático-petista de pautar as cidades e suas desigualdades. Instituir um programa habitacional nacional preocupado com a população de baixa renda, com a titulação de propriedade para as mulheres. O Minha Casa Minha Vida instituiu via de regra o acesso à cidade pela unidade habitacional.

Também nessa perspectiva, grandes obras de urbanização, na contramão da crise internacional foram promovidas, na forma do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pensando-se nos setores de logística/mobilidade, saneamento e cidades históricas. Ou seja: a imagem social naturalizada dos espaços de pobreza é aos poucos negada e o território até então destinado aos pobres passa a ter a cara da cidade institucional para os gestores públicos a partir de programas instituídos pelo Governo Federal.

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A máxima" os lugares são para o que nascem" alinhada à inação do papel do Estado, vinham sendo revertidas e redefinidas, a partir de uma tentativa de reversão do quadro de desigualdades.

É cada vez mais urgente vencermos a invisibilização dessas questões (e desses territórios) e é premente uma repactuação social, que nos permita avançar numa agenda comum de sociedade, que não naturalize as diferenças entre indivíduos e entre territórios habitados por determinados indivíduos.

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Como garantir que favelas e periferias estejam categorizadas como cidade de fato? Dados do Instituto de Segurança Pública apontam que entre janeiro de 2016 e março de 2017, ao menos 1.227 pessoas foram mortas pela polícia no Estado do Rio de Janeiro por exemplo. A segurança sanitária e ambiental também são pontos a serem enfrentados por essa população. O Rio de Janeiro, é campeão nacional de casos registrados de tuberculose (11 vezes maior que a média do país [1]) por exemplo, e pouco ou quase nada está sendo feito para eliminar esses problemas.

Em artigo recente, intitulado "A não-cidade do Rio de Janeiro" [2], abordo o apagamento que o Estado faz desses territórios e como é necessário a construção de uma agenda para o enfrentamento dos reflexos da pobreza nas cidades. Na contramão dessa discussão, a plataforma de Bolsonaro é construída, e em suas oitenta e uma páginas, a não citação das palavras "cidade" ou "urbano" assustam. Como um presidenciável pode passar ao largo das questões ambientais por exemplo? Como não tratar do déficit habitacional urbano dos grandes centros?

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Mesmo quando margeia o tema pontuando dados (infundados) sobre a infraestrutura brasileira, o candidato não aborda concretamente proposta alguma, tampouco aquelas concernentes à resolver os problemas de transporte, mobilidade e logística do País. Precisaríamos alocar pelo menos 5% do PIB do País ao longo desses 13 anos para alcançarmos países do BRICS por exemplo e apesar disso Bolsonaro critica o investimento dos governos petistas, que não alcançou com o PAC, nem 2% do PIB nacional. Devemos avançar e não retroceder. A agenda prioritária é a de paralisia das cidades, onde a ingerência e não participação do Estado passam a ganhar status de "firmeza" de gestão.

No texto "Urbanismo em Fim de Linha", Otília Arantes traz a dimensão da culturalização das cidades, onde as cidades do capital forjam uma imagem de pujança urbana, onde a inserção de equipamentos de cidade-espetáculo tiram a atenção dos verdadeiros problemas urbanos a serem enfrentados: a miséria, a espoliação, a fome, as doenças urbanas da pobreza, etc.

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Nessa mesma perspectiva, Bolsonaro retira a atenção de seus eleitores para uma cidade dita segura a partir de armas individuais, a partir de um Exército sem prerrogativa de segurança aos civis. O presidenciável forja falsas soluções para falsos problemas e cria uma nova categoria urbana, as fake cities [3]. Qual de fato seria portanto, a agenda urbana bolsonariana?

Em tempos de "nova" agenda urbana, onde ONU-HABITAT[4] coloca novos desafios e novas interseções para o desafio urbano, uma agenda colonialista e retrógrada redefiniria todo o acumulo no tema nos últimos anos no Brasil e nos conduziria à lanterna do pensamento urbano na América Latina. O País do Favela-Bairro deixaria de falar em favelas e em habitação de interesse social, quando o resto do mundo promove o resgate dos tratados assinados e a revalidação dos pactos ambientais[5].

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Como os pensadores urbanos, os construtores urbanos se organizarão caso a ameaça fascista chegue a termo? Até quando permitiremos as não-cidades do Brasil e as fake cities? Em que medida denunciaremos o projeto de caça ao lugar dos pobres em curso?

As cidades em fim de linha precisarão sem dúvida responder com insurgência e insubmissão e reescrever de forma resistente a nova organização necessária, junto aos movimentos sociais, junto às periferias. Qual a agenda urbana que iremos encampar nos próximos anos?

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Que a cidade democrática prevaleça.

[1] Leia mais: https://oglobo.globo.com/rio/prefeitura-quer-abrir-janelas-em-700-casas-na-rocinha-21891980#ixzz4vbTWkYeI

[2] http://diasporaurbana.com.br/2017/10/a-nao-cidade-do-rio-de-janeiro/#_ftn4

[3] Bolsonaro foi indiciado pelo TSE por criação de mensagens falsas disseminadas por redes sociais. Para maiores informações ver: https://politica.estadao.com.br/noticias/eleicoes,pgr-pede-inquerito-sobre-mensagens-em-redes-sociais-relacionadas-a-bolsonaro-e-haddad,70002555170

[4] Pelos próximos 20 anos, um documento irá guiar os esforços desenvolvidos por nações, líderes urbanos, financiadores internacionais, programas das Nações Unidas e sociedade civil em torno das transformações urbanas. A Nova Agenda Urbana (NAU), a declaração que resultou da Habitat III, Conferência das Nações Unidas sobre Habitação e Desenvolvimento Urbano Sustentável em Quito, pretende repensar a maneira como as cidades e aglomerados humanos são planejados, desenhados, financiados, desenvolvidos, governados e administrados.

[5]A agenda 21 e os objetivos de desenvolvimento sustentável são marcos da agenda ambiental contemporânea.

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