Gleisi Hoffmann é a inteligência serena diante de um mundo hostil

O músico, compositor e ensaísta Rogério Skylab destaca o papel fundamental que Gleisi Hoffmann vem exercendo à frente do maior e mais importante partido de esquerda brasileiro, com declarações equilibradas e investidas dos princípios democráticos históricos vinculados a Lula. Ele relembra a entrevista de Gleisi a Juca Kfouri e sublinha a inteligência serena da senadora: "temos que acreditar na construção de instituições que possam fazer o fortalecimento da democracia e trazer justiça. Se não, temos que desistir do que estamos fazendo"

Gleisi Hoffmann é a inteligência serena diante de um mundo hostil
Gleisi Hoffmann é a inteligência serena diante de um mundo hostil (Foto: Ricardo Stuckert)


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A  entrevista da senadora e presidenta do PT, Gleisi Hoffmann, no programa Entre Vistas de Juca Kfouri, me remeteu a um antigo conto de Leon Tolstoi. Em resumo, o narrador dizia assim: "Os heróis franceses se caracterizavam por frases célebres e eram mais valentes. Mas entre a valentia deles e a do capitão Koplov, havia uma diferença. Se em qualquer ocasião, brotasse da alma de Koplov uma grande palavra, estou certo de que não a pronunciaria; em primeiro lugar porque temeria pôr a perder com ela um ato grandioso e em segundo lugar porque, quando alguém sente que possui forças necessárias para realizar uma grande ação, as palavras não lhe fazem falta alguma. A meu ver, é esse o traço elevado que caracteriza a valentia russa".

Ao contrário da fala de Safatle, analisada no texto anterior, a senadora Gleisi Hoffmann me lembrou essa valentia russa. Mostrou-se relativamente tranquila, ciente de si, sem adjetivos pesados, e, em determinado momento, quando colocada a questão Ciro Gomes, foi pragmaticamente lacônica. Nesse aspecto, poderíamos perverter o nome do curso da Funarte, que comentamos no início do texto anterior, e tentar interpretar "o silêncio dos políticos".

Quando questionada sobre possíveis erros cometidos pelo partido, em momento algum se mostrou refratária a tal reconhecimento. Mas, segundo Gleisi, autocrítica se faz reconsiderando antigas práticas - o que nos coloca logo num outro patamar de análise: não se trata de discurso apenas, o que está em jogo agora são novas práticas. Se a maior crítica que o partido viria a sofrer seria sobre a utilização de recursos de campanha, nessa última eleição só foram utilizados o fundo partidário e as contribuições do fundo das pessoas físicas. Além disso, Gleisi também reconhece a oportunidade perdida de uma reforma política que o governo petista poderia incrementar, mas faltou correlação de força. O capital político do governo foi direcionado, segundo Gleisi, pra três eixos mais urgentes: a fome, a baixa renda, e a ausência de uma estrutura educacional. É curiosa também essa exigência de autocrítica direcionada ao partido dos trabalhadores, quando, na verdade, quem mais sofreu expiação foi o PT, se comparado com outros partidos, vindo a responder por inúmeros processos, além de líderes penalizados e desconstrução pública. Mala de dinheiro, enriquecimento ilícito e dinheiro no exterior não fazem parte do universo petista.

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A vulnerabilidade ao retrocesso é devido, segundo a senadora, ao nosso longo histórico de preconceito e autoritarismo: dos nossos 500 anos de história, o período mais longo de democracia foi pós-88, o que representa apenas 30 anos, dos quais, os três últimos períodos foram marcados pela inclusão social, maior marca do partido dos trabalhadores. Avanços sociais, levando pessoas a participarem de espaços que até então nunca tinham entrado, promoveram uma diversidade que irritou a elite e setores médios da sociedade. Não é difícil elencar razões para a vitória bolsonarista: além das fraudes, a senadora reconhece um relaxamento em relação às bases sociais - não houve, durante os governos petistas, uma conscientização política que deveria ser promovida pelo partido e seus militantes.

O governo petista, segundo a senadora, fez a sua parte oferecendo oportunidades através de programas sociais como o projeto "minha casa, minha vida”, estimulando o empoderamento financeiro de mulheres da periferia através do bolsa-família, da titulação da faixa 1 da "minha casa minha vida" em nome das mulheres, o disque 180, a casa da mulher brasileira... Numa direção contrária de alguns intelectuais, que vêem a necessidade de renovação do discurso, de uma nova linguagem capaz de afetar parte do eleitorado perdido, Gleisi Hoffmann insiste que, enquanto oposição, o antigo legado do governo petista terá que ser resgatado. Porque os programas oferecidos eram coisas novas (não é à toa que Lula tinha 40% de intenção de votos antes de sua candidatura ser interrompida, o que acena de forma inequívoca no sentido da aprovação popular de seu projeto). Nesse sentido, Gleisi responde de forma negativa à ideia de que a população, com a vitória de Bolsonaro, quisesse alguma espécie de renovação.

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Para Gleisi, os novos discursos de resistência terão que continuar contemplando a base da sociedade. A bandeira da luta contra a fome terá que ser retornada como pressuposto da dignidade humana, assim como a melhoria da renda contra a desigualdade. E os núcleos de base voltarão a ter a sua devida importância através de pequenas reuniões, discutindo os problemas cotidianos de cada grupo.

A outra frente é a luta no judiciário, ainda que Gleisi reconheça o poder judiciário no Brasil como um poder ainda vinculado às elites. O partido está solicitando ao STF a anulação do julgamento de Lula, alegando um julgamento político - Gleisi espera que o STF julgue baseado no devido processo legal. E o partido também entrou com uma ação na justiça eleitoral contra os milhões de disparos de fake news por WhatSaap, configurando caixa 2. A democracia liberal que o partido encarna e acredita, configura o absurdo kafkiano. Muitos gostariam que houvesse mais radicalização. Gleisi fala: "temos que acreditar na construção de instituições que possam fazer o fortalecimento da democracia e trazer justiça. Se não, temos que desistir do que estamos fazendo".

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Cada vez me fica mais nítida a diferença que Tolstói estabelece entre o exército russo e o exército francês. Até o silêncio de Gleisi em relação a Ciro põe em relevo essa diferença. Que é a mesma diferença entre o pragmatismo político e a filosofia. A mesmo diferença, durante a transição democrática, entre olhar pra frente e olhar pra trás. Entre relação de crenças alteradas gradativamente e ruptura. Diferença entre negociação política e ajuste de contas. O sucesso internacional de Lula, o nosso futuro prêmio nobel da paz, ratifica essa diferença. Sua teimosia kafkiana, seu processo contínuo e irritante de negociação, obriga o porteiro fechar a porta na sua cara, interrompendo essa abertura mortal.

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