Vitória contra o obscurantismo: arquivado o Projeto de Lei da Escola sem Partido

O arquivamento do projeto de lei que tentou amordaçar as instituições escolares, públicas e privadas, como se pode inferir, é uma importante conquista dos setores mais progressistas da sociedade brasileira; de forma mais ampla é um triunfo da resistência mais progressista da sociedade aos ataques sobre direitos e liberdades

Vitória contra o obscurantismo: arquivado o Projeto de Lei da  Escola sem Partido
Vitória contra o obscurantismo: arquivado o Projeto de Lei da Escola sem Partido (Foto: Lula Marques)


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O Projeto de Lei 7180/14, popularmente chamado de Escola Sem Partido (ESP), de autoria do deputado baiano Erivelton Santana (Patriota-BA) foi arquivado por essa legislatura que se encerra em 31 de dezembro de 2018. Há sete meses estava pronto para ser votado com parecer favorável de seu relator, o deputado Flavinho (PSC-SP). Observe-se que ambos os deputados são fiéis seguidores das suas igrejas; o primeiro é membro da Igreja Evangélica Assembleia de Deus e o segundo, da Comunidade da Canção Nova.

O destaque à filiação religiosa dos dois deputados serve para colocar em destaque a força que determinado movimento religioso vem fazendo para alterar o art. 3º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) no itens que asseguram liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber, e o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas. Para os defensores confessionais e leigos da ESP, organizados no Movimento Escola Sem Partido, os professores se aproveitam das suas audiências cativas (as salas de aulas) para “promover os seus próprios interesses, opiniões, concepções ou preferências ideológicas, religiosas, morais, políticas e partidárias”.

Desde o momento que se tornou público o Projeto de Lei da “escola da mordaça” o mundo educacional ficou em polvorosa, nomeadamente frente a intenção de voltar a um passado já criticado e superado. Pelo menos três razões substantivas justificam a oposição à sua aprovação. 1) A perigosa generalização que contém  coloca todos os docentes sob suspeição e, de certo modo, cria a falsa imagem de que são capazes de subverter a educação moral dada pelas famílias conforme as suas convicções; sem distinção todos são tratados como pervertidos, politicamente perigosos e contrários às famílias apegadas ou não às suas crenças e valores. 2) É grave o anacronismo que visa restabelecer o primado da neutralidade do conhecimento com os cânones da filosofia aristotélica, segundo a qual o objeto está fora do sujeito, que a verdade está no objeto e que este não pode ser diferente do que é; pouco se importando que Immanuel Kant (1724 -1804) tenha deslocado a verdade para o sujeito, admitindo que a realidade é um constructo humano e histórico, ou que G. W. F. Hegel (1770 –1831) tenha afirmado que somente somos capazes de apreender o movimento dos objetos, jamais os objetos em si. 3) Igualmente grave é o anseio dos partidários da Lei da Mordaça de separar elementos da mesma unidade dialética, instrução e educação, como se isso fosse possível; o próprio propositor de tal separação - Johann Friedrich Herbart (1776-1841) - foi intensamente criticado por inúmeros filósofos, entre os quais John Dewey, que ressaltaram o seu caráter livresco, a inculcação de valores exógenos às crianças e jovens, o desprezo às interações recíprocas entre indivíduos, comunidade e sociedade, e a força de impor uma representação de mundo a-histórica e estática.

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A oposição a tal projeto, entretanto, não foi nem nunca esteve restrita ao professorado. Recentemente o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Movimento Todos pela Educação - mantido e financiado por diversas empresas, fundações e institutos -, posicionaram-se contrários a ele, assim como importantes veículos da mídia.  

O Supremo Tribunal Federal, que considerou inconstitucional a Lei Escola Livre promulgada pela Assembleia Legislativa de Alagoas em 2016, transpareceu com clareza o seu entendimento desfavorável para outros juízes e tribunais. O ministro Luis Roberto Barroso, relator de ações que questionam a implantação da Escola Sem Partido em estados e municípios, considerou-a como uma “assombração errada” e deixou claro que os nossos problemas são outros: “não alfabetização na idade própria, evasão no ensino médio, déficit de aprendizado e capacitação de professores”. Seu colega, o ministro Alexandre de Moraes, também foi explícito ao dizer que não é inconveniente o professor falar sobre o nazismo ou comunismo e que “não cabe à autoridade pública definir o que vai ou não ser falado em sala de aula”. A presidente executiva do movimento Todos pela Educação segue a mesma linha de entendimento do STF: ela considerou ser inconstitucional o PL 7180/14 e defendeu a liberdade de expressão e discussão em sala de aula, alegando ser inerentes à formação do pensamento crítico.

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O jornal O Globo, de indiscutível matiz liberal e conservador, em editorial publicado no dia 18 de novembro de 2018, considerou uma farsa o objetivo do projeto Escola Sem Partido, admitindo ser o pluralismo, e não a neutralidade, que incentiva o aprendizado crítico.  Mais ainda: afirmou ser um princípio inarredável a existência de espaços amplos e abertos para ensinar e formar as futuras gerações; com todas as letras sentenciou que isto “significa informar os jovens sobre ideologias, em aulas e conversas francas”. Por último arrematou: o projeto ESP é um atalho à manipulação de estudantes, à direita e à esquerda. É impossível a neutralidade em sala de aula.

O arquivamento do projeto de lei que tentou amordaçar as instituições escolares, públicas e privadas, como se pode inferir, é uma importante conquista dos setores mais progressistas da sociedade brasileira; não apenas porque impõe limites ao avanço fundamentalista que se pretende hegemônico e vem se intensificando ainda mais com a ascensão do ex-capitão Jair Messias Bolsonaro à Presidência da República. De forma mais ampla é um triunfo da resistência mais progressista da sociedade aos ataques sobre direitos e liberdades, e um claro recado ao novo presidente: o exercício da Presidência da República tem limites numa sociedade com democracia representativa.    

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