Uma campanha perigosa

A campanha pública do PSOL “Quero Freixo Presidente da Câmara” confirma o que tenho dito: a maioria da esquerda brasileira não percebeu o tamanho da derrota que sofremos. Não é uma derrota conjuntural e temporária, é uma derrota histórica

Uma campanha perigosa
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Ontem tomei conhecimento da campanha pública do PSOL “Quero Freixo Presidente da Câmara”. Não conhecesse a trajetória e o histórico de militância dos companheiros dirigentes do PSOL, sempre ao lado dos trabalhadores e oprimidos, acreditaria que essa era a ação de uma organização de quinta-coluna. Sei que não o é. Porém, ainda assim, é mais do que uma campanha inoportuna, é uma campanha perigosa.

Também confirma o que tenho dito: a maioria da esquerda brasileira não percebeu o tamanho da derrota que sofremos. Não é uma derrota conjuntural e temporária, é uma derrota histórica. Não se perdeu apenas uma eleição, mas se iniciou o processo – ou se aprofundou? – de conversão do nosso regime democrático, ainda que limitado e falho, em uma ditadura aberta fascista. Vivemos o processo porque passaram os países que no passado viram a ascensão desses regimes. O fascismo que nunca se instalou de imediato, ainda que variando o tempo disto. Em Portugal se vivenciou um longo processo, gestadas a partir das várias crises internas no parlamentarismo da Primeira República, o crescimento da centralização com a ‘República Nova’ de Sidónio Pais, mas centralmente com o golpe de 28 de Maio de 1926 e a Ditadura Nacional (1926-1933) e, finalmente, um regime abertamente fascista, com Salazar e o Estado Novo, a partir de 1933. Na Itália, durante 1922-24, houve ainda eleições e pluripartidarismo, ainda que com fortes elementos já de deformação, que foram se aprofundando até o salto qualitativo rumo ao abismo. Na Alemanha, Hitler demorou menos tempo, entre Janeiro e Março de 1933. No chile, o regime se instituiu imediatamente fascista com o golpe de 11 de setembro de 1973. Qual será a velocidade do processo no Brasil? É uma grande incógnita.

Essa derrota histórica é ainda mais profunda que derrotas históricas anteriores que o campo democrático-popular sofreu no passado, como a dissolução em 1935 da maior oportunidade histórica de progresso popular que foi a Aliança Nacional Libertadora, seguido em 1937 pelo golpe do Estado Novo, ou o golpe militar de 1º de Abril de 1964. As expectativas de reversão neste momento são ainda piores do que na ditadura empresarial-militar de 1964, pois ao contrário daquele momento, quando o Estado era então fascista, de tipo contra-insurgente, mas não conseguiu disseminar uma cultura fascista, há hoje uma fascistização das massas brasileiras. A violência fascista não vem apenas do próprio Estado, mas de setores paraestatais e do submundo, como tivemos já vários exemplos nos últimos meses, em que a execução de Marielle Franco e a trama em dezembro passado para assassinar Marcelo Freixo são exemplos notórios. Inclusive, a violência cotidiana é estimulada por setores importantes da sociedade brasileira, com a promoção de uma cultura de ódio em que se notabilizam as seitas neopentecostais, que Freixo em entrevista nesta semana na Folha de São Paulo disse que é “uma população muito próxima dos valores humanitários”.

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É legítimo o lançamento de Marcelo Freixo para a presidência da Câmara. Freixo é um reformista íntegro e combativo e merece, por sua trajetória, todo o respeito dos progressistas brasileiros. E ainda pode ser útil, caso consiga construir a unidade do campo democrático para a resistência dentro do Congresso Nacional, enquanto este não for fechado ou expurgado arbitrariamente dos setores de esquerda. Contudo, para cumprir este papel é necessário que entenda o momento histórico, e não é o que parece, como quando afirmou na mesma entrevista na Folha que “não me agrada a ideia de resistência” e fala de sua atuação no mandato como se este ocorresse em situação de normalidade, que iria se centrar na questão de segurança pública e na questão tributária. Não vivemos um momento em que é necessário um especialista para discutir temas legais, mas de um tribuno em defesa da democracia.

O perigoso na campanha é que ela está a ser enxergada como uma mobilização pública, neste momento sombrio que vivemos. É verdade que mesmo nas piores ditaduras devemos usar todos os espaços possíveis. Por exemplo, as campanhas presidenciais de Norton de Matos em 1948 (retirada  depois). E, principalmente, em 1958, a do General Sem Medo, Humberto Delgado, que recebeu o apoio do candidato Arlindo Vicente, que por sua vez retirou sua campanha, e que empolgou as massas portuguesas e abalou o regime. Ainda que Delgado tenha sido derrotado pelas fraudes eleitorais massivas, foi um marco histórico na luta antifascista no país. No Brasil também foram importantes as eleições gerais de 1974, em que para surpresa da ditadura, houve uma expressiva vitória da oposição, o MDB, o que levou o regime à instituir a Lei Falcão e o Pacote de Abril, inclusive com a criação de senadores biônicos, para impedir outro revés nas eleições de 1978. Apesar disto, estava claro que o regime estava a se tornar insustentável.

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Claro que essas comparações não são inteiramente válidas, pois a campanha para a presidência da Câmara dos Deputados não passa pelo voto popular, mas por uma dinâmica interna. Porém, mesmo assim sendo, se estivéssemos em condições normais democráticas, a campanha pública poderia ainda assim ser um instrumento de pressão. Contudo, não vivemos essas condições. Por isso, quer seja por uma decisão da Direção Nacional do PSOL, quer seja por ação de sua assessoria de comunicação, que administra a sua página no Facebook, lançar essa campanha publicamente, além de ser inócuo, pois não terá nenhum impacto no processo na Câmara, é um perigo e uma insensatez. Essa campanha induz aos democratas que concordem com o Freixo a declararem em público seu apoio, colocando inclusive em seus perfis nas redes sociais um twibbon dizendo “Quero Freixo Presidente da Câmara”. Isto em um momento em que a repressão cresce, em que o regime está às portas do fechamento, significa ajudar o trabalho da repressão política, que terá assim de bandeja uma verdadeira lista de quem perseguir. Neste momento, a preocupação deve ser em fazer política e oposição sem colocar em risco a segurança dos militantes e apoiantes. É preciso compreender o momento que vivemos. Sejamos sensatos!

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