Facebook comporta-se como gangster digital

Se por um lado, a Internet trouxe muitas liberdades em todo o mundo e uma capacidade sem precedentes de comunicação, também carrega a capacidade insidiosa de distorcer, enganar e produzir ódio e instabilidade. Ela funciona em uma escala e em uma velocidade sem precedentes na história humana

Facebook comporta-se como gangster digital
Facebook comporta-se como gangster digital (Foto: Reuters)


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O que aconteceria se seu companheiro, sua companheira, seus pais ou seu superior no trabalho tivesse acesso a todas as buscas que você fez no Google nos últimos anos? Possivelmente conheceriam segredos muito bem guardados que você nunca revelou a ninguém. Ou melhor, revelou, sem se dar conta, ao Google e a mais ninguém. Google, Facebook e outros, seguramente, sabem mais sobre você (e sobre mim) do você mesmo.

A professora Shoshana Zuboff, de Harvard, é contundente sobre a lógica econômica das duas empresas que ela considera os Golias da nossa era, Facebook e Google:

“Ele sabem tudo sobre nós, nós não sabemos nada sobre eles. O conhecimento que eles têm sobre nós é usado para que outros lucrem, não é usado para resolver nossos problemas e melhorar nossas vidas. É uma imensa assimetria de conhecimento que resulta em uma imensa assimetria de poder, pois a partir de um grande conhecimento obtém-se um grande poder. Nesse caso, o poder que eles detêm é de modificar, de influenciar nosso comportamento em direções consistentes com o propósito comercial deles. O que é um efeito pernicioso, corrosivo para a democracia.”

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Um exemplo

Era para ser um simples teste de personalidade, como aqueles que vimos dezenas de vezes em revistas de variedades. O teste não se materializou numa página de revista, com respostas no final da revista, mas em um aplicativo, adequado à era digital, que fazia uso da plataforma Facebook, via API (Interface de Programação de Aplicativos).

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Estima-se que 270 mil pessoas responderam ao teste e deram, desse modo, acesso a seus dados. Mais surpreendente é que deram, também, acesso aos dados de seus amigos. O aplicativo, This Is Your Digital Life, aparentemente inofensivo, acumulou dados de até 87 milhões de pessoas, segundo a diretoria do próprio Facebook.

Em outras palavras, se desconfiássemos das intenções do aplicativo e não autorizássemos, mas algum de nossos amigos o fizesse, estaríamos expostos do mesmo jeito. O truque é que o Facebook permite que desenvolvedores de aplicativos tenham acesso aos dados de que usa o aplicativo e, também, aos dados dos amigos de quem usa o aplicativo.

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Para termos uma dimensão do descontrole sobre nossos dados e, especialmente do valor desses dados, salientemos que, em uma troca de e-mails vazados, o diretor de desenvolvimento de plataformas do Facebook, Konstantinos Papamiltiadis, refere-se a mais de 40 mil pedidos de acesso de desenvolvedores de aplicativos. Imaginemos nossos dados pessoais monitorados (e sabe-se lá o que mais) por mais de 40 mil desenvolvedores de aplicativos.

Mas voltemos ao teste psicológico do professor Aleksandr Kogan. Após capturar essa montanha de dados pessoais, o professor os transferiu, provavelmente a peso de ouro, para a Cambridge Analytica. Vejamos como o relatório, Desinformação e Fake News, do Parlamento britânico, conta essa história:

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“O Facebook completou recentemente 15 anos, o que o torna uma empresa relativamente jovem. O que começou como uma maneira aparentemente inofensiva de compartilhar informações com os amigos e a família se transformou em um fenômeno global, influenciando eventos políticos. Theresa Hong, membro da campanha eleitoral digital Trump, descreveu o “Projeto Alamo”, no qual foram mesclados funcionários da campanha presidencial de Donald Trump, com pessoal da Cambridge Analytica e do próprio Facebook, trabalhando juntos sobre a coleção de dados Cambridge Analytica, visando estados específicos e eleitores específicos. O projeto gastou US $ 85 milhões em anúncios do Facebook. A Sra. Hong disse que “sem o Facebook não teríamos vencido”.

Os parlamentares britânicos complementam: “Não se deveria permitir que empresas como o Facebook se comportem como gangsteres digitais no mundo online, considerando-se à frente e acima da lei”.

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Relatório Final: Desinformação e Fake News

Reproduzimos abaixo o resumo executivo do relatório, resultado de 18 meses de trabalho de uma comissão do parlamento britânico:

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“Este é o Relatório Final de uma investigação sobre desinformação que abrange mais de 18 meses, cobrindo os direitos individuais sobre sua privacidade, como suas escolhas políticas podem ser afetadas e influenciadas pela informação online, e a interferência nas eleições neste país e em todo o mundo - realizadas por forças perniciosas com intenção de causar perturbações e confusão.

Usamos os poderes do sistema de comitês, ordenando que as pessoas fornecessem provas e obtendo documentos cobertos por sigilo pelo sistema legal de outro país. Convidamos representantes democraticamente eleitos de oito países para se juntarem ao nosso Comité no Reino Unido para criar um “Grande Comitê Internacional”, o primeiro desse tipo, a promover maior cooperação transfronteiriça no combate à disseminação da desinformação, e sua capacidade nociva de distorcer, perturbar e desestabilizar. Ao longo deste inquérito nos beneficiamos do trabalho conjunto com outros parlamentos. A investigação continuará, com mais sessões planejadas para 2019. Ficou evidenciado que há um desejo mundial por ações tratem, em outras jurisdições, de questões semelhantes àquelas que identificamos.

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Este é o Relatório Final do nosso inquérito, mas não será a palavra final. Nós sempre estivemos submetidos à propaganda e ao preconceito alinhados politicamente, disfarçados de notícia, mas esta atividade assumiu novas formas e tem sido enormemente ampliada pela tecnologia da informação e pela onipresença das mídias
sociais.

Polarização

Neste ambiente, as pessoas são capazes de aceitar e dar crédito a informações que reforçam seus pontos de vista, não importando quão distorcidas ou imprecisas essas informações sejam. Descartam, ao mesmo tempo, conteúdos com o qual não concordam tratando-os de fake news. Esse fato tem um efeito polarizador e redutor do terreno comum em que um debate arrazoado, fundamentado, baseado em fatos objetivos, poderia ocorrer.

Muito já foi dito sobre a crescente rudeza do debate público, mas quando esses fatores são trazidos para exercer influência diretamente campanhas eleitorais, é o próprio tecido
de nossa democracia que está ameaçado.

Quem publicou? Quem Pagou? Por que recebemos?

É improvável que esta situação se altere. É preciso forçar que haja maior transparência na esfera digital para garantir que conhecemos a fonte daquilo que estamos lendo, que sabemos quem pagou por sua publicação e as razões pelas quais as informações foram enviadas para nós. Nós precisamos entender como funcionam as grandes empresas de tecnologia e o que acontece com nossos dados. O Facebook opera monitorando usuários e não usuários, rastreando suas atividades e retendo seus dados pessoais. O Facebook ganha seu dinheiro vendendo o acesso aos dados dos usuários por meio de ferramentas de publicidade. Aumenta ainda mais o seu valor, entrando em acordos de reciprocidade abrangente de compartilhamento de dados com os principais desenvolvedores de aplicativos que executam seus negócios por meio da plataforma do Facebook.

Enquanto isso, entre as inúmeras e inócuas celebrações e fotos de feriados, algumas forças maliciosas usam o Facebook para ameaçar e assediar outras pessoas, para publicar pornografia vingativa, para disseminar discurso de ódio e propaganda de todos os tipos, e para influenciar eleições e processos democráticos - muitos dos quais o Facebook e outras empresas de mídias sociais ou são incapazes ou não querem evitar. Precisamos aplicar os princípios democráticos amplamente aceitos para assegurar a seu
emprego na era digital.

Leis de privacidade, de sigilo, de concorrência

As grandes empresas de tecnologia não devem se expandir exponencialmente, sem restrições ou supervisão reguladora adequada. Entretanto, apenas os governos e a lei têm poder suficiente para contê-los. Os instrumentos legislativos já existem. Eles devem agora ser aplicados à atividade digital, usando ferramentas como as leis de privacidade, legislação de proteção de dados, as leis antimonopolistas e da concorrência. Se as empresas se tornarem monopólios, elas podem ser desmembradas, em qualquer setor. A manipulação de dados pessoais no Facebook e seu uso para campanhas políticas são áreas primordiais e legítimas para inspeção por parte dos reguladores. O Facebook não deve ser capaz de esquivar-se de toda a responsabilidade editorial pelo conteúdo compartilhado por seus usuários em suas plataformas.

A capacidade de distorce, de enganar, de produzir ódio

Em uma democracia, precisamos experimentar uma pluralidade de vozes e, criticamente, ter as habilidades, experiência e conhecimento para avaliar a veracidade dessas vozes. Se por um lado, a Internet trouxe muitas liberdades em todo o mundo e uma capacidade sem precedentes de comunicação, também carrega a capacidade insidiosa de distorcer, enganar e produzir ódio e instabilidade. Ela funciona em uma escala e em uma velocidade sem precedentes na história humana.

Uma das testemunhas do nosso inquérito, Tristan Harris, da organização norte-americana Center for Humane Technology (Centro para Tecnologia Humana), descreve o uso atual da tecnologia como “sequestro de nossas mentes e de nossa sociedade”. Nós devemos usar a tecnologia, ao invés disso, para libertar nossas mentes e usar a regulamentação para restaurar a responsabilidade democrática. Temos que nos assegurar de que as máquinas estejam sob a responsabilidade das pessoas.”

Notas

1 Para ter acesso ao relatório final do inquérito de 18 meses levado a cabo pelo
parlamento do Reino Unido, Disinformation and ‘fake news’ (Desinformação e Fake
News), acesse: https://www.parliament.uk/business/committees/committees-a-
z/commons-select/digital-culture-media-and-sport-committee/news/fake-news-report-
published-17-19/

2 O livro lançado em janeiro de 2019, pela professora Shoshana Zuboff, se chama The
Age of Surveillance Capitalism: The Fight for a Human Future at the New Frontier of
Power (A Era do Capitalismo de Vigilância: a luta por um futuro humano na nova fronteira
de poder).

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