O resgate da Lei de Segurança Nacional pelo STF

Entre idas e vindas de violações de direitos, da Constituição, e, em meio a uma intensa crise institucional, o STF resolveu fazer uso do sistema inquisitivo ainda presente na legislação brasileira, instaurando um inquérito judicial para investigar aqueles que estavam atacando os seus integrantes e a própria Corte

O resgate da Lei de Segurança Nacional pelo STF
O resgate da Lei de Segurança Nacional pelo STF


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Desde o último escândalo da Lava Jato, com a bilionária e afrontosa fundação de Dallagnol, foi instaurado um cabo de guerra entre o grupo lavajatista e o STF. A crise em torno da fundação resultou na prisão ilegal do ex-Presidente Michel Temer, antecedida de uma convocação via redes sociais para que as pessoas fossem às ruas, por parte de membros da força tarefa, que não deu em nada. Como a Lava Jato caiu em profundo descrédito, tornou-se necessário criar um novo espetáculo para tentar restabelecer a sua força popular.

Entre idas e vindas de violações de direitos, da Constituição, e, em meio a uma intensa crise institucional, o STF resolveu fazer uso do sistema inquisitivo ainda presente na legislação brasileira, instaurando um inquérito judicial para investigar aqueles que estavam atacando os seus integrantes e a própria Corte. A investigação resultou no resgate de uma antiga arma normativa, até então relegada à memória do discurso repressivo da ditadura, a Lei de Segurança Nacional.

A doutrina da segurança nacional ganhou força entre nós a partir de 1967. Mas foi em 1983 que a Lei de Segurança Nacional tentou trazer ares democráticos a esse tipo de perseguição política, o que, evidentemente, não foi alcançado, pois o seu principal objetivo era proteger o sistema político egresso de 64. A vida democrática nunca esteve no horizonte dessa lei. Como bem afirma Zaffaroni, para se entender a política criminal, é sempre importante analisar os objetivos manifestos e latentes do sistema punitivo.

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As legislações penais trazem consigo uma marcada função simbólica, funcionando como mecanismos para o controle social. No início dos anos 1980, ainda respirávamos os ares pesados da ditadura militar. A Lei de Segurança Nacional, contrariando o que afirmou Heleno Fragoso, não contribuiu para a implementação de um ambiente democrático no Brasil. Pelo contrário, a permanência da doutrina da segurança nacional reforçou o propósito de manter o ambiente antidemocrático, mesmo que essa finalidade não aparecesse claramente. A competência para processar e julgar os crimes previstos na Lei de Segurança Nacional, via de regra, é da Justiça Militar, demonstrando claramente a sua conexão com o regime opressor de 64.

A prova do autoritarismo da Lei de Segurança Nacional foi sua utilização no último dia 12 de abril, mais de trinta anos após a sua edição. O autoritarismo da decisão do Ministro Alexandre de Moraes de promover a censura de um veículo de comunicação é de uma obviedade flagrante, ainda que seja legítima a ideia de se combater os desmandos e abusos do lavajatismo, que deve ser parado e responsabilizado dentro dos marcos constitucionais. De fato, a publicação censurada teve grande responsabilidade sobre o golpismo que se instalou no país. No caso em questão, porém, os fins legítimos não justificam o meio empregado.

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As ameaças e insultos realizados por muitas das pessoas investigadas não poderiam sequer ser levados a sério, embora tenha havido a participação lamentável de um general da reserva na onda difamatória contra o STF, que deve ser apurada com rigor. Algumas dessas condutas poderiam se caracterizar como crimes contra a honra, resultando, se fosse o caso, em processos criminais corriqueiros na área criminal e ações de indenização promovidas pelos próprios atingidos. As condutas apuradas não apresentavam sérios riscos ao regular funcionamento do STF e do sistema político como um todo.

Resgatar a doutrina da segurança nacional, tão utilizada pelas sangrentas ditaduras latino-americanas, apenas reforça o estado exceção atual. É sempre importante lembrar que a utilização do poder punitivo é seguida de narrativas que buscam legitimar o autoritarismo penal, o uso da força estatal contra o indivíduo, em nome de valores que normalmente são bastante distorcidos fora da normalidade democrática. Os riscos para o Estado Democrático de Direito dessa doutrina nefasta deveriam ser suficientes para o seu completo esquecimento. No final das contas, o regime militar de 64 não deixou vencedores. Todos os brasileiros perderam com a sua existência e continuidade por 21 anos.

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Finalmente, o resgate da doutrina da segurança nacional pelo STF e sua visível submissão à opinião pública ou ao desejo de alguns generais deixam entender que o Tribunal se esqueceu do seu papel na defesa das liberdades, substituindo a proteção dos direitos fundamentais pela tragédia odiosa do terrorismo estatal.

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