Intolerância e ódio colocam nossa democracia em risco, diz presidente da OAB

Alvo de ataques de bolsonaristas nas redes sociais desde que foi eleito presidente da OAB, o advogado Felipe Santa Cruz critica a radicalidade que se apoderou do debate público; "Um extremo não quer ouvir o outro. As pessoas que poderiam ter sua opinião formada acabam se deixando levar por quem grita mais alto e outras, se retirando desse debate público", diz Felipe ao jornalista Gilvandro Filho, do Jornalistas pela Democracia; "Isto é uma forma da democracia morrer, pois democracia pressupõe alguma racionalidade através do Direito, através do debate, da liberdade de imprensa", destaca 

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Por Gilvandro Filho, para o Jornalistas pela Democracia - O presidente nacional da OAB, Felipe Santa Cruz, teme pela democracia brasileira, ameaçada por uma série de fatores impeditivos à livre circulação de ideias que, de forma velada ou aberta, fomentam a intolerância e o ódio. Ele vê risco nos rumos que o Direito vem tomando no País, com ameaças constantes de retrocesso em setores como a justiça do trabalho e as leis ambientais. As impressões foram transmitidas por ele em conversa exclusiva, através desta coluna, para os Jornalistas Pela Democracia.

O próprio Felipe sentiu na pele os efeitos dessa intolerância quando foi duramente atacado por setores de extrema-direita e bolsonautas que o criticaram e vincularam sua posição na OAB ao fato de ser "filho de guerrilheiro". Felipe é filho de Fernando Santa Cruz, pernambucano de Olinda, que desapareceu em fevereiro de 1974, no Rio de Janeiro, em plena ditadura.

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"Desde que se anunciou o meu nome à presidência do Conselho Federal da Ordem, uma militância de extrema direita passou a associar o meu nome a uma conduta guerrilheira do meu pai. Que aliás é uma ignorância. Meu pai nunca foi guerrilheiro. Mas, também não teria problema se tivesse sido. Mas não foi, não fez parte da luta armada. Para essa gente, por meu pai ser um desaparecido político isto deslegitimaria minha presença à frente de uma entidade que tem tão ampla representação da sociedade civil" ressaltou Felipe.

Durante a ditadura militar, Fernando Santa Cruz pertencia a uma organização política, a Ação Popular Marxista Leninista (APML), que pregava e praticava a luta política de massas. Quando sumiu – ou foi sequestrado pelas forças de segurança – ele iria para um "ponto" (encontro) com outro pernambucano, o engenheiro Eduardo Collier Filho, numa esquina de Copacabana, no Rio de Janeiro, em um sábado de carnaval.

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"Uma campanha de difamação que foi montada nas redes sociais e buscava, claramente, dizer que o filho de um desaparecido político não poderia exercer um cargo, ainda que numa entidade não pública, numa entidade privada. Isto foi feito de maneira sui generis, num momento em que os conservadores detêm o campo majoritário no Brasil. É uma intolerância, uma falta de capacidade de compreender que uma democracia se constrói dessa correlação de pessoas de origens distintas e através do debate, do circular de ideias. Isso parece muito difícil nos tempos atuais, no nosso pais", acentua o presidente da OAB.

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Este estado de espírito que tem dominado o embate político no Brasil constitui, para Felipe Santa Cruz, um risco grande ao estado de direito e ao nosso regime democrático. A democracia, lembra o advogado, tem como pressuposto o próprio Direito, no momento sob forte ataque de setores conservadores e retrógrados, inclusive de parte do próprio Poder Judiciário.

"Há uma busca da pena imediata, da solução imediata, um combate à Justiça do trabalho, às medidas de proteção ambiental. Há setores do País que estão transferindo para o Direito a raiva com a crise econômica, como se o Direito fosse um empecilho a ela e não um caminho de pactuação para alcançar essa crise dentro de outra série de princípios constitucionais", explica Felipe, que também vê nas redes sociais uma parcela grande de responsabilidade por essa radicalização.

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"O debate público que se expressa hoje, através das redes, é feito pela radicalidade. Um extremo não quer ouvir o outro. As pessoas que poderiam ter sua opinião formada acabam se deixando levar por quem grita mais alto e outras, se retirando desse debate público. Isto é uma forma da democracia morrer, pois democracia pressupõe alguma racionalidade através do Direito, através do debate, da liberdade de imprensa", destaca o dirigente.

A história de Fernando e a saga da família Santa Cruz atrás de notícias do desaparecido político está contada no livro "Onde Está Meu Filho?", no momento na segunda edição (Editora Cepe, 2015), sendo a primeira lançada em 1984. O trabalho foi realizado por um grupo de jornalistas e advogados formado por Chico de Assis, a ex-deputada (já falecida) Cristina Tavares, Glória Brandão, Jodeval Duarte e por este hoje colunista (Gilvandro Filho), coordenador da primeira edição. Chico de Assis coordenou a segunda edição, quando à equipe foi agregado o jornalista Nagib Jorge neto.

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O livro traz a história, sobretudo, de Elzita Santa Cruz, mãe de Fernando e avô de Felipe, e sua luta por todos os meios em busca do paradeiro do filho. O que resultou numa maratona por vários governos, na ditadura e após a redemocratização. Uma luta que envolveu, de um lado e de outro, figuras da política brasileira como Ulisses Guimarães, Paulo Brossard, Fernando Lyra, Jarbas Passarinho e Ernesto Geisel.

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Durante muitos anos, Fernando Santa Cruz e Eduardo Collier Filho foram dois dos brasileiros desaparecidos no regime militar sobre os quais não havia qualquer notícia. Um mistério que durou até 2012, quando o ex-torturador Cláudio Guerra lançou o livro "Memórias de uma guerra suja", no qual conta que os dois militantes pernambucanos foram torturados, mortos e tiveram seus corpos incinerados na Usina da Cambahyba, em Campos, Rio de Janeiro.

Felipe Santa Cruz e Jair Bolsonaro são antagonistas e já se envolveram em discussões ácidas. Em 2011, o então deputado federal disse que Fernando Santa Cruz não era desaparecido político e devia "ter morrido bêbado em algum acidente de carnaval". Cinco anos depois, quando presidia a OAB-RJ, Felipe pediu a cassação de Bolsonaro pela homenagem por este feita ao torturador Carlos Alberto Brilhante Ustra, por ocasião do voto pelo impeachment da presidente Dilma Rousseff.

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A apologia à tortura e o elogio público a um torturador constituem "atitude criminosa", segundo justificou, na época, o advogado.

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