MG: Legislativo entre a tinta dos cartazes e a caneta do Governo

É sempre bom lembrar que, entre a tinta nos cartazes do povo e a caneta no papel do governador, costuma sobressair a última: menor e mais fria, porém frequentemente mais poderosa apesar de restrita aos gabinetes

MG: Legislativo entre a tinta dos cartazes e a caneta do Governo
MG: Legislativo entre a tinta dos cartazes e a caneta do Governo (Foto: Partido Novo/Divulgação)


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O ano legislativo em Minas Gerais começou conforme se esperava e, por unanimidade entre os 75 (de um total de 77) das deputadas e deputados estaduais presentes, o parlamentar que inicia seu 4o mandato Agostinho Patrus (PV), aliado de primeira hora do governador Romeu Zema (PN), tomou posse como presidente da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Candidato único, o ex-presidente da Comissão Extraordinária de Barragens venceu sem sobressaltos, inclusive com apoio do PT, que emplacou o 2o vice-presidente, Cristiano Silveira.

Ao mesmo tempo, cercavam a Assembleia manifestantes com cartazes e dizeres em tintas marrons protestando contra as privatizações que resultaram na venda da Vale do Rio Doce e no desastre de Brumadinho, as quais podem se repetir sob a gestão Zema, agora com a Companhia Energética de Minas Gerais (Cemig). Assim que assumiu o cargo, o presidente concedeu entrevista tocando em ambos os temas, mineração e privatização, buscando afirmar a independência do poder Legislativo frente ao Governo de Minas.

Sobre o desastre de Brumadinho, para além da necessária posição de consternação e de solidariedade, mas que a essa altura, da voz do chefe de um dos Poderes, soaria como lugar-comum, o presidente afirmou que a prioridade da ALMG neste início de ano é a aprovação do Projeto de Lei (PL) 3.676/16, de autoria da Comissão Extraordinária de Barragens, que proíbe a construção de estruturas de contenção de rejeitos por alteamento a montante.

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O método, muito utilizado hoje no Brasil e o menos seguro entre aqueles adotados pela mineração, é aquele em que os diques erguem-se sobre os próprios rejeitos, como tijolos que se empilham em diagonal e têm como suporte o próprio conteúdo da barragem. No procedimento a jusante, ao contrário, que será a alternativa mais econômica caso seja aprovado o PL, os diques devem se sobrepor sobre um eixo central, sempre tocando o solo, ou seja, o dique superior é mais largo e cobre o inferior “em L”, assim sucessivamente até que a barragem seja tanto mais larga e resistente quanto maior for o seu conteúdo. Há, ainda, métodos de armazenamento a seco, ainda mais seguros, porém indesejáveis pelas empresas por serem considerados inviáveis economicamente.

Enfrentar o poder econômico da mineração é um desafio jamais empreendido em Minas, sequer pelo único governador de um partido de esquerda na história de Minas Gerais (nem o velho PTB de Vargas e Jango teve essa oportunidade, e o PSD de JK oscilava entre a centro-esquerda e a centro-direita conforme a conveniência, tal qual o atual MDB), o recém-egresso Fernando Pimentel (PT), que perdeu a oportunidade de fazê-lo sob a comoção no caso de Mariana. Afinal, são bilhões de reais rendidos ao país em impostos e royalties da mineração, centenas de milhões aos cofres do estado e alguns milhões às prefeituras. No estado que leva a extração de riquezas minerais no nome, esse desafio seria engrandecedor para o Governo ou Legislativo em Minas Gerais que o empreendesse.

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Da Administração estadual, embora Zema tenha acertado no bloqueio dos R$ 5 milhões nas contas da Vale, concedido pela Justiça após pedido através do Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG), é difícil imaginar ações efetivas contra abusos por parte do principal segmento econômico do estado, visto ser o governador abertamente pró-mercado e de um discurso que se afigura o mais amplamente privatista em Minas Gerais desde a redemocratização.

Vendido como o “novo” porque, entre outros argumentos, é um grande empresário a quem não é preciso manter relações promíscuas com o poder político e seus pares de setor privado aí mancomunados, Zema vela semelhança inconfundível com outro governador mineiro eleito pela ultradireita sob o mesmo argumento, que terminou por exercer papel sombrio na história brasileira. José de Magalhães Pinto, que em 1960 elegeu-se pela União Democrática Nacional (UDN, mais tarde Arena, PDS, PFL, Democratas), era banqueiro, proprietário do Banco Nacional, alegava autofinanciar-se e manter independência em relação aos políticos enlameados pela corrupção. Terminou como principal articulador civil do Golpe Civil-Militar de 1964. O flerte intermitente do atual governador com o bolsonarismo deixa pistas sobre o alinhamento ideológico que podem esconder sua antipolítica e seu viés ultraliberal.

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Por isso, outra afirmação importante de Agostinho Patrus foi reconhecer a dificuldade em se aprovar na ALMG as privatizações pretendidas por Zema, o que em primeiro lugar foi o carro-chefe de sua plataforma alinhada aos interesses da burguesia brasileira e que lhe garantiram apoio de última hora (após a constatação da inviabilidade de Antônio Anastasia devido à sua ligação com Aécio Neves) que lhe alçaram como surpresa nas eleições de 2018. E, em segundo lugar, suporte de sua aliança com o Governo federal por meio da defesa da plataforma também ultraliberal do “Chicago boy” da Fazenda, Paulo Guedes.

Em ambos os casos, o Legislativo inicia 2019 sinalizando a possibilidade de entender-se com a voz que vem das ruas e dos imensos e múltiplos interiores de Minas, que não encontraram ressonância nas urnas de 2018, principalmente, devido à obscuridade à que foi lançado o debate público pela rede de difamações, ilações, mentiras e marquetagens baratas que circularam nos aplicativos de mensagens.

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Nessa leva, apesar de ser a população brasileira majoritariamente contra a privatização, Minas levou ao poder um governador que, se pudesse, venderia a Polícia Militar a bom preço para mercenários paquistaneses. Apesar de reconhecer o golpe perpetrado contra a presidenta deposta Dilma Rousseff (PT), que caiu por sua honestidade em não se deixar conduzir por um Congresso de negociatas, elegeu para o Senado um representante do partido descendente da velha Arena, Rodrigo Pacheco (DEM), e um apresentador de TV, Carlos Viana (PHS). Nada de mais obsoleto e previsível nas eleições brasileiras.

Se o Legislativo mineiro passou ao largo da distorção causada pelas redes sociais, tendo o PT feito a maior bancada, o PSOL feito sua primeira deputada, PSDB e MDB mantido seus nomes tradicionais da direita local e o PN de Zema e o PSL de Bolsonaro registrado crescimento apenas moderado, ha aí, sim, espaço de resistência. Os indícios estão claros nas primeiras declarações do presidente da Casa, mais razoáveis do que tem apontado esta coluna.

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Entretanto, é sempre bom lembrar que, entre a tinta nos cartazes do povo e a caneta no papel do governador, costuma sobressair a última: menor e mais fria, porém frequentemente mais poderosa apesar de restrita aos gabinetes.

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