Brasília 58. Legião Suburbana

Hoje, os filhos e netos daqueles que se felicitaram com a inauguração da cidade, e foram enxotados logo em seguida, voltam à Esplanada, 58 anos depois. De cabeça erguida

Hoje, os filhos e netos daqueles que se felicitaram com a inauguração da cidade, e foram enxotados logo em seguida, voltam à Esplanada, 58 anos depois. De cabeça erguida
Hoje, os filhos e netos daqueles que se felicitaram com a inauguração da cidade, e foram enxotados logo em seguida, voltam à Esplanada, 58 anos depois. De cabeça erguida (Foto: Lelê Teles)


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Brasília acordou hoje com 58, mas com cara de '64:

a Lei do Silêncio amordaçou os músicos, acabou com o carnaval e controla os decibéis até de bandas de pífano.

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os espaços culturais estão quase todos fechados, os burocratas reclamam do barulhos das guitarras e das cigarras.

outro dia a polícia deu uma dura em uns garotos que tocavam violão numa praça.

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"pai Francisco entrou na roda, tocando seu violão"...

no entanto, hoje é dia de muito barulho, a periferia invade as asas do poder em grande estilo.

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hoje é aniversário do Mano Brown, aquele que trocou o rap pelo happy e mostrou no seu Boogie Naipe como endurecer sem perder a ternura.

logo mais, também, subirão ao palco, na Esplanada dos Ministérios, os rappers GOG (O Poeta) e o sensacional Câmbio Negro.

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é amigo, o X tá de volta.

isso me faz lembrar uma fotografia do Thomaz Farkas mostrando a euforia dos trabalhadores, na inauguração da cidade, todos sorridentes e felizes com o trabalho que acabaram de concluir.

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na foto, Farkas colocou uma legenda realista e pouco festiva: inauguração de Brasília, muita emoção. nunca mais.

todos aqueles trabalhadores foram enxotados para lugares bem distantes da capital federal, descartados como restos de construção.

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nas periferias, chamadas Cidades Satélites, tornaram-se invisíveis.

nos anos '80, Brasília ganhou sua identidade cultural, Capital Brasileira do Rock, e os seus moradores já se definiam como brasilienses e não como candangos.

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porém, nos subúrbios, essa identidade não nos identificava.

não éramos candangos, porque candangos foram nossos pais, e nem éramos brasilienses, porque vivíamos fora da cidade.

éramos, ainda, uma ambivalência.

jovens do Gama e da Ceilândia lotavam o presídio da Papuda, e ainda havia esquadrão da morte na polícia.

mas já havia um movimento embrionário que juntava a juventude para se divertir nos bailes do Quarentão, da SEG, do Pandiá...

já tinha muita gente querendo sair da armadilha do banditismo.

nos deixam sem opção de lazer pra gente brincar de se matar.

enquanto isso, os jovens "burgueses sem religião" do Rock Brasília ganharam fama e grana e se mudaram da cidade.

no subúrbio fizeram pouca falta, eles não falavam de nós.

só quando o "Geremias Maconheiro Sem Vergonha" morreu na Ceilândia, em um tiroteio em frente ao lote 14.

a gente tava de saco cheio de ser objeto abjeto das narrativas da burguesia, era chegada a hora de deixar de se sujeitar e se tornar sujeito.

eu tinha uma banda punk e fazia a minha parte.

mas foi no início dos anos '90 que as coisas realmente começaram a mudar.

em '92 o DJ Raffa, filho do grande maestro Cláudio Santoro e da maravilhosa bailarina Gisele Santoro, saiu da cidade para a periferia e sentiu de perto a nova força cultural do DF, a força centrípeta, da periferia para o centro.

Raffa, depois de sua experiência com o grupo Baseado nas Ruas se tornou um dos grandes produtores do rap do DF, o arquiteto da nova arte que nascia na periferia da capital.

um Niemeyer das pick ups.

até que em '93 sai um dos discos mais importantes da história do hip hop nacional, Sub-Raça, do Câmbio Negro.

a música tema era uma resposta a um comentário de uma jovem burguesa carioca que disse, no programa Documento Verdade (Rede Manchete) que os pobres deveriam ser impedidos de irem à praia, e que eram, estes, uma sub-raça.

foi quando o Negão Careca da Ceilândia fez todos os negros das periferias do Brasil entoarem o refrão: "sub-raça é a puta que pariu".

o vocalista X e seu parceiro Jamaika misturavam rap, heavy metal e funk, criando uma nova paisagem na cena musical do DF.

o Câmbio Negro era o nosso Burle Marx.

no ano seguinte, o poeta GOG surge com suas letras fortes e igualmente contestadoras, os grupos se multiplicam, a revolução mental começa:

GOG, X e Japão se tornam a voz ativa dos excluídos.

GOG era o Lúcio Costa, o cara que formatou a parada.

assim, modernista e realista, o DF toma a cena de assalto.

enquanto os filhos da alta burguesia se espancavam em gangues de mauricinhos, no Plano Piloto, e tocavam fogo em índio, os filhos dos pedreiros, porteiros, padeiros e marceneiros erguiam a cabeça da juventude periférica.

se nos anos oitenta eram os filhos da burguesia quem comandavam a cena cultural no DF, nos anos noventa foi a vez da periferia.

hoje, os filhos e netos daqueles que se felicitaram com a inauguração da cidade, e foram enxotados logo em seguida, voltam à Esplanada, 58 anos depois.

de cabeça erguida.

muitos deles frequentam faculdades ou estão no funcionalismo público.

embora muita gente ainda viva em barracos sem saneamento básico.

mas nenhum deles aceita ser mais chamado de sub-raça, todos sabem que aqueles caras que estarão no palco hoje foram os grandes responsáveis pela emancipação das mentes periféricas no DF.

hj Brasília se reencontra com o seu passado, mas nada é mais como antes.

ou, como diria o Renato Russo, "o futuro não é mais como era antigamente".

é nóis, a periferia pede passagem.

palavra da salvação: Lula Livre

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