Carta póstuma a Sabrina Bittencourtt

Você, Sabrina, lutou incansavelmente também, mas ontem, por razões que só você conhece verdadeiramente, decidiu partir... A dor me dilacera hoje, mas sei que, de alguma forma, você estará viva em cada uma de nós. Você foi semente de trigo e germinará para sempre em cada uma de nós

Carta póstuma a Sabrina Bittencourtt
Carta póstuma a Sabrina Bittencourtt


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Anoitecia no Rio de Janeiro quando comecei a receber as primeiras mensagens relatando o seu desaparecimento, Sabrina. O desaparecimento da ativista pelos direitos das vítimas de abuso sexual, o desaparecimento da amiga, da mulher que ajudou a desmascarar o médium João de Deus e também o "guru" Prem Baba, dois dos muitos líderes religiosos acusados de estupro no Brasil.

Da menina que foi abusada na infância por Mórmons, homens da religião de sua família e que deveriam protegê- lá, a mulher que se fortaleceu e criou a ONG Vítimas Unidas, a ativista Sabrina vinha fazendo um fantástico trabalho contra o silêncio e a hipocrisia que protegem os abusadores no Brasil.

Poucos minutos depois de entrar em casa, recebi uma mensagem da amiga Gabriela Cilento Montenegro, pedindo que eu a ajudasse a descobrir, através de amigos na embaixada brasileira no Líbano, se você havia ido para o Oriente Médio, já que vinha mudando de país frequentemente devido às ameaças de morte que recebera. Mas as informações que eu recebia, Sabrina, eram confusas e nos deixavam apreensivas.

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Alguns amigos afirmavam que você havia entrado de fato no Líbano e, horas depois, seu filho, Gabriel, confirmou que você entrara no Líbano, no Oriente Médio que tantas vezes me acolheu e onde nasceram meus avós.

Hoje acredito que talvez tivéssemos conseguido salvá- la, Sabrina, se você tivesse se afastado um pouco da atmosfera tóxica das redes, das ameaças de homens medievais que dedicam suas vidas vazias ao ódio à mulher, à misoginia e às fogueiras inquisitórias virtuais em que se transformaram as redes sociais no Brasil.

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Você lutou muito para dar voz às vítimas de um João que jamais foi de Deus. Você fez longas travessias emocionais e geográficas, mas continuou conectada com algo sombrio demais, sendo alvo de uma das facções criminosas mais perigosas, sombrias e hipócritas do mundo hoje: a extrema direita fundamentalista, pseudo cristã, que chegou ao poder no Brasil.

A facção que guindou ao poder homens como Jair Bolsonaro e também os seguidores fanáticos de Malafaias, Olavos, Joãos e Macedos.

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Você estava geograficamente distante, mas permanecia acessível ao que há de mais cruel e canalha no Brasil, recebendo ameaças de morte de homens inseguros e pouco viris que celebram a morte de crianças indígenas , de crianças palestinas, de crianças negras no Rio, que sonham com uma arma que lhes faça sentirem mais viris do que realmente são. Homens que celebram a morte de mulheres por todo o Brasil e afirmam que o feminicídio não existe. Homens que idolatram o estado genocida dirigido por Netanyahu, homens que jamais leram o suficiente para entender que o Israel atual, que nasceu em 1948, não é o Israel bíblico que acabou há mais de 2 mil anos (e a própria Bíblia diz isso). Homens que cheiram a enxofre e cultuam apenas a morte.

Homens hidrófobos, lobotomizados, alimentados com rações diárias de misoginia e ódio por anões morais como Paulo Pavesi, Olavo de Carvalho e Silas Malafaia.

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Há pouco mais de um ano, Sabrina, além do meu trabalho como escritora e jornalista, comecei a gravar vídeos falando sobre a intolerância religiosa no Brasil, sobre a misoginia no Brasil, sobre o que me surpreendeu no que vi no Oriente Médio, sobre meu trabalho com as mulheres refugiadas e sobre o ódio religioso alimentado por Olavo de Carvalho. Foi quando milhares de seguidores insanos de Olavo - e ele próprio - invadiram de forma covarde esse espaço para me agredir, causando imensa dor à minha família e à minha filha, de apenas 12 anos naquele momento.

Eu decidi lutar.

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Você, Sabrina, lutou incansavelmente também, mas ontem, por razões que só você conhece verdadeiramente, decidiu partir.

Não conseguimos salvá- lá.

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Os falsos profetas, que nada têm em comum com a mensagem de Cristo, venceram na sombria noite de ontem.

Perdoe- me, Sabrina.

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Eu passaria em abril pela Espanha, antes de voltar para a Síria , para o meu trabalho humanitário com as mulheres refugiadas, e nós nos encontraríamos em Barcelona.

Perdoe- me, Sabrina.

Perdoe- me porque chorei hoje por você, pelo Brasil, pelo país em que nos transformamos, pelo abraço que não lhe dei em tempo, pelas palavras que não pude lhe dizer em tempo, pelo livro que não pude lhe entregar, pela sua vida, que não consegui salvar.

A dor me dilacera hoje, mas sei que, de alguma forma, você estará viva em cada uma de nós.

Você foi semente de trigo e germinará para sempre em cada uma de nós.

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