Mapa do caminho para a oposição

Jornalista Luis Costa Pinto, do Jornalistas pela Democracia, avalia que a oposição deve atuar no Congresso 'com o livro de regras nas mãos'; "Portar-se assim não é apenas sinal de maturidade política, é sobretudo prova de frieza", diz ele; "A oposição atual precisa se reconstruir como perspectiva real de poder e tem de transformar a Constituição novamente em ponto de encontro da sociedade e em freio de contenção a caravanas de malucos. Está aí um mapa de um possível caminho"

Mapa do caminho para a oposição
Mapa do caminho para a oposição (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)


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Por Luis Costa Pinto, para o Jornalistas pela Democracia - Longo, tormentoso e cheio de percalços. Eis o ano de 2019 visto a partir do preâmbulo da semana que passou.

Não há simplesmente um governo se instalando na capital da República. Há um movimento em curso – uso, aqui, uma referência direta a definição infeliz dada pelo presidente do Supremo Tribunal Federal para a quartelada que virou ditadura entre 1964 e 1985.

Esse movimento, por meio do qual células de diferentes perfis que têm em comum apenas o DNA liberal-militarista, pode dar certo ou errado. O fato irrecorrível, porém, é que estas células estão reunidas sob a atração das forças de gravidade do bolsonarismo e têm a legitimação das urnas.

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A legitimidade de quem recebeu maioria parcial de voto (39% dos votos, no 2º turno, foram dados a Bolsonaro ante um eleitorado total de 147,3 milhões de brasileiros. Em 2018 o país testemunhou um recorde de votos nulos e brancos e de abstenções em eleições presidenciais) não endossa nem aventuras, nem loucuras. Mas, tampouco, relativiza o necessário exercício pleno do poder pelo eleito e pela equipe escolhida por ele.

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Em 2018 os brasileiros sufragaram nas urnas um nome de extrema-direita, carente de um projeto administrativo claro para o país. Ao fazer isso, derrotaram uma oposição desconexa, órfã de líderes que possam ser vislumbrados claramente no horizonte de 2022. Além disso, Jair Bolsonaro e a extrema-direita ultrarreacionária nos costumes e neopentecostal na fé que ele representa foram vitoriosos promovendo afrontas à Constituição de 1988 e jurando enfrentá-la e reformá-la – sobretudo em seus capítulos de direitos e garantias individuais e da ordem social, como também no da Educação.

Eis aí uma abissal diferença para a última vitória da extrema-direita sobre o lado mais republicano e mais moderno da sociedade tupiniquim:

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Em 1989, quando Fernando Collor venceu Lula no 2º turno, a candidatura de esquerda saiu das urnas tonificada, gigante e com um poder de atração quase místico. O impeachment de Collor, menos de 3 anos depois, ao mesmo tempo que tonificou essa força de atração, permitiu uma reformatação do centro do espectro político por dentro do governo de Itamar Franco. Daí o país vivenciou a experiência de 8 anos de Fernando Henrique Cardoso antes dos 8 anos de Lula e dos 6 anos e meio de Dilma Rousseff. Claramente, em 1989, derrotada, a esquerda era perspectiva de poder – e isso não ocorre agora. Também naquele momento, há 30 anos, a Constituição acabara de ser promulgada e era o ponto de encontro da sociedade brasileira. Ninguém, nem mesmo um Collor celeradamente legitimado pelos seus 35 milhões de votos, ousava atacá-la. O impeachment de 1992 só se deu depois que Ulysses Guimarães foi convencido de que o uso do remédio amargo, da quimioterapia democrática receitada pelos constituintes que ele comandara, era parte essencial da cura à doença sistêmica de então (PC e a máquina de fantasmas montados numa rede de corrupção e tráfico de influência). Se houvesse no Parlamento brasileiro uma única liderança, em 2016, com um sopro da alma de Ulysses, não teria ocorrido o impeachment de Dilma. Consequentemente, Bolsonaro não seria o guardião da faixa presidencial nesse momento. A Constituição, que há 3 décadas era amálgama das diferenças sociais e muro de contenção de ousadias, agora é bandeira de luta de baderneiros que querem remendá-la, desrespeitá-la, ou simplesmente revoga-la.

O movimento que se instalou nos palácios brasilienses em 1º de janeiro, contudo, não se perpetuará. A alternância no exercício do poder não é só da política e das democracias: é da natureza. O desgaste, as intrigas e o despreparo cultivam e fazem vicejar a fadiga de material. E ela solapa poderosos, derruba governos. A primeira semana de Jair Bolsonaro e de sua equipe revelou a diversidade de núcleos nas células displásicas que chegaram ao Planalto e à Esplanada.

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Selecionados os alvos e conservado o foco nas miras pragmáticas e objetivas ver-se-á colossos desmoronarem. Os pés são de barro, ou de calcário.

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Vem daí a necessária atenção que se precisará ter às eleições para as presidências das Mesas Diretoras da Câmara e do Senado em 1º de fevereiro. Não é honesto vender terreno na lua e ficar a imaginar que um nome oriundo das siglas de esquerda possa vencer a eleição entre os deputados. No Senado não se cogita tal hipótese. Logo, a oposição terá de jogar o jogo com o livro de regras nas mãos. Portar-se assim não é apenas sinal de maturidade política, é sobretudo prova de frieza. E a frieza é o primeiro ingrediente necessário àqueles que nutrem a vingança para transformá-la em dínamo que alimenta as correias de transmissão do jogo ideológico.

O Congresso Nacional será ao mesmo tempo o filtro e a estação de tratamento de empulhações, mistificações e devaneios esboçados na Esplanada dos Ministérios e endossados no Palácio do Planalto. Se o perfil médio dos parlamentares que assumirão a nova Legislatura em fevereiro tem viés liberal e eles tendem a aprovar reformas econômicas que casem com suas ideias, não é possível dizer o mesmo quanto a temas religiosos, ao aborto, a pautas ligadas a liberdades individuais e à orientação sexual ou mesmo à agenda de direitos e benefícios sociais e à retaguarda montada para impedir retrocessos na Educação e na Lei de Diretrizes e Bases. Os dissensos, nessas áreas, são muito maiores que os consensos – sobretudo dentro da base governista. Será necessário temperança e sabedoria para explorar os canais de desanuvio que surgirão daí, desses dissensos.

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Em 1995, quando Fernando Henrique assumiu a Presidência da República e endossou a candidatura de Luís Eduardo Magalhães para presidir a Câmara dos Deputados, o PT sustentou até o fim a candidatura de José Genoíno contra o nome do então PFL. Genoíno e Luís Eduardo eram amigos. O pefelista tinha outros bons amigos no PT e os queria na Mesa Diretora, mas não abriu mão de um princípio fundamental que havia estabelecido para a disputa e para a própria cabala de votos: quem se colocasse contra ele não participaria da Mesa e seria tratado como inimigo na distribuição de relatorias. Até a última hora Luís Eduardo tentou fazer Genoíno desistir da candidatura, que era em si uma anticandidatura. Não conseguiu. Os petistas ficaram fora da Mesa e não conseguiram presidir a Comissão de Fiscalização e Controle, a que teriam direito, nos dois anos inaugurais de FHC.

Foco e pragmatismo terão de se unir e ditar as ações da oposição desde já. Isso, ao fim e ao cabo, fará bem ao próprio governo: sem vigilância, entregue ao laissez fare e ao laissez passer, com oposicionistas rendidos por lideranças canhestras e apartadas da Realpolitik do Parlamento, os governistas terminarão por conseguir aprovar até mesmo sandices urdidas pelos beatos salus da vida, pelos filósofos colombianos de cérebros lisérgicos ou pelas missionárias de pés de goiaba.

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O equilíbrio de ações parlamentares, a reabertura de canais por meio dos quais possam ouvir a sociedade e voltar a entrar em sintonia com seus anseios e uma rápida reconstrução de rotinas de fiscalização e controle de atos de governo são os maiores desafios dos partidos de oposição nessa estreia de Legislatura. Para conservar saudável a emergente e claudicante democracia brasileira, que é falha e imperfeita porque recebeu o tranco de um cavalo-de-pau em 2016 e andou para trás em 2018, a oposição atual precisa se reconstruir como perspectiva real de poder e tem de transformar a Constituição novamente em ponto de encontro da sociedade e em freio de contenção a caravanas de malucos. Está aí um mapa de um possível caminho.

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