Distopia infantilizada do Brasil

"As lembranças me trapacearam porque remeteram a personagens lúdicos do universo infantil de meus filhos quando eles eram crianças. Tivessem elas me conduzido a um retrocesso mental mais longínquo, teria encontrado naquela mesa tosca da live presidencial os traços de Moe, Larry e Curly – Os Três Patetas", diz o colunista Luís Costa Pinto ao comentar a "live" de Jair Bolsonaro, do ministro do GSI, Augusto Heleno, e o porta-voz Rego Barros; colunista aponta "roteiro desconexo do presidente Bolsonaro"

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Trabalho arduamente de sol a sol para compreender o Brasil e usarei metáforas simples e diretas para atingir a alma do brasileiro médio.

Buscarei em sucessos da TV, e não nessa porqueira abjeta de XVideos, RedTube etc, as figuras de linguagem que melhor se adequem ao tatibitate presidencial e nacional.

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Nossa distopia política está longe de sugerir a projeção de um país como a República de Gileade de The Handmaid's Tale, ou a Pista de Pouso Nº 1 de 1984, ou a Washington e a Virgínia do Norte de Minority Report.

Quando estanquei perplexo diante de meu tablet para assistir à live da última quinta-feira, às 18h30, em que o general porta-voz Rego Barros e o general babá-de-marmanjo Augusto Heleno escoltavam o presidente da 7ª economia do mundo para evitar que ele falasse besteiras e para explicar o que o suposto chefe estaria querendo dizer, fui virtualmente transportado para outro mundo.

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Minha mente não me lançou em nenhum cenário cinza, depressivo, marcial. Longe disso. Talvez o acúmulo de positividade e a natureza de bom moço que me foi inculcada no seio de uma família judaico-cristã tenham feito o recesso de minh'alma sugerir cenas infantilizadas e idílicas.

As orelhas desproporcionais, a cabeça levemente vergada contra um pescoço que já não parece ter mais tônus para segurá-la, o ar soturno e a capacidade de ir buscar argumentos no 15º subsolo para tentar conceder tração e racionalidade ao rol de bobagens pronunciadas pelo companheiro de set, levaram-me a ver o "Cérebro" do desenho Pink & Cérebro (Warner Bros.) todas as vezes em que fitei o general Augusto Heleno.

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Ladeado por ele, mais alto do que todos, confuso ao pensar e atrapalhado ao falar, tropeçando em concordâncias verbais e nominais, incapaz de discorrer com profundidade sobre qualquer tema ou tópico, disléxico, é claro que a imagem de Bolsonaro rapidamente associou-se ao Pink.

O sorriso de foto 3x4 de almanaque do Exército, o espírito sempre pronto para soltar uma piada de salão bem clichê a fim de ganhar tempo antes de redarguir algo àqueles que tentam entender o que o chefe falou, a fidelidade ainda absoluta ao governo, fizeram-me ver no general Otávio Rego Barros o "Coragem". Coragem é o cão covarde de um desenho do Cartoon Network.

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As lembranças me trapacearam porque remeteram a personagens lúdicos do universo infantil de meus filhos quando eles eram crianças. Tivessem elas me conduzido a um retrocesso mental mais longínquo, teria encontrado naquela mesa tosca da live presidencial os traços de Moe, Larry e Curly – Os Três Patetas de saudosa memória da TV Philco P&B de minha casa em Olinda (mas Ulysses Guimarães, em outros tempos, usou o paralelo e talvez isso tenha bloqueado minha memória).

No roteiro desconexo do presidente Bolsonaro ele fez uma live para anunciar que adotaria o expediente todas as quintas-feiras como forma de aproximá-lo do povo. Também disse que será uma maneira de falar o que quiser sem a mediação da imprensa e as necessárias e justificadas análises sobre o que vier a falar. Aproveitou para explicar a fala autocrática, antidemocrática e ameaçadora que fizera naquela manhã no Rio. Foi quando disse que a democracia de um país está submetida à vontade das Forças Armadas, o que é uma distorção do papel dos militares: eles servem às instituições democráticas. São serviçais da Democracia. Por fim, de forma atabalhoada e em linha com sua parvoíce maligna, o presidente investiu contra uma cartilha do Ministério da Saúde contendo recomendações para adolescentes e jovens mulheres – chegando a determinar aos pais que rasguem e desconsiderem páginas do manual porque conteriam instruções de prevenção a doenças sexualmente transmissíveis – e anunciou o fim das lombadas eletrônicas nas estradas brasileiras. Sim: o presidente da República prestou-se a ir ao ar, num discurso, para determinar que as rodovias não terão mais lombadas eletrônicas porque elas "atrapalham o trânsito".

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Quando o trio saiu da tela, deixando calafrios, a informação de que aquilo se repetiria todas as quintas-feiras ficou martelando em minha cabeça. Imagino que a Secretaria de Propaganda Oficial de um Brasil desconexo e idílico que eles tentam criar fará uma vinheta de abertura para anunciar as lives. Nada mais adequado do que copiar a abertura dos Teletubbies, da BBC, sucesso estrondoso entre bebês e mentes infantilizadas dos anos 1990. Quanto às companhias presidenciais que se revezarão na escolta ao chefe, e dado o desempenho dos dois generais reunidos na pré-estreia, sugiro a dancinha feliz e idiotizada dos Bananas de Pijama.

Post scriptum: caso alguém tenha se ofendido com as sugestões de vídeo elencadas nesse artigo deve, por favor, consultar os perfis de Jair Bolsonaro nas redes sociais em busca de algo mais picante e direto para lhes dourar o dia. Talquei?

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