Estupidez Diplomática e Cegueira Geoestratégica

"A aposta dos EUA na intervenção e no acirramento do conflito interno na Venezuela poderá resultar numa guerra civil militarizada e internacionalizada, com consequências desastrosas para seu povo, sua economia e suas relações com o Brasil. A América do Sul, que é um subcontinente de paz, poderá ser converter numa espécie de novo Oriente Médio, uma região geopoliticamente instável e conturbada", alerta o colunista Marcelo Zero

Estupidez Diplomática e Cegueira Geoestratégica
Estupidez Diplomática e Cegueira Geoestratégica (Foto: World Economic Forum / Christian Clavadetscher)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Os grandes objetivos dos EUA com a tentativa de golpe de Estado na Venezuela são muito claros. Um é econômico e o outro é geopolítico.

O econômico tange à necessidade de ter acesso privilegiado e seguro à maior reserva provada de petróleo do mundo, que dista apenas 3 dias de navio das grandes refinarias norte-americanas situadas no Golfo. Já o geopolítico se refere ao desejo de conter a influência da China e da Rússia na América do Sul, uma vez que a nova doutrina de segurança nacional dos EUA colocou essa disputa como prioridade absoluta.

Ao contrário dos que acreditam em kit gay e mamadeira de piroca, essa ação bélica dos EUA contra a Venezuela é motivada basicamente por esses dois fatores, e não tem nenhuma relação com suposta preocupação com democracia e direitos humanos. Afinal, a longa e tenebrosa história das intervenções dos EUA na América Latina e no Oriente Médio mostra claramente que a democracia é a última das preocupações do Departamento de Estado.

continua após o anúncio

Evidentemente, pode-se questionar essa atitude violenta e inescrupulosa dos EUA, do ponto de vista ético. Contudo, é forçoso reconhecer que há racionalidade nessa ação norte-americana. Eles estão defendendo seus interesses imperiais. Se a Venezuela entrar em guerra e milhões morrerem, para eles pouco importa. O importante é que o acesso ao petróleo esteja assegurado e que o regime aliado da Rússia e da China seja eliminado da face da Terra.

No entanto, cabe a pergunta: quais seriam os interesses objetivos do Brasil que estariam sendo defendidos ao se apoiar essa aventura golpista na Venezuela?

continua após o anúncio

A Rússia e a China são nossos rivais? Não, não são. São grandes aliados. Formamos com esses países, e também com Índia e África do Sul, o grupo dos BRICS, provavelmente a mais importante iniciativa diplomática mundial desse início de século. Um grupo que tornou a ordem mundial mais multipolar e democrática e que elevou extraordinariamente o protagonismo internacional do Brasil.

Além disso, a China é, de longe, nosso principal parceiro comercial, e temos com ela uma parceria estratégica que já completou 25 anos. Em 2018, exportamos para a China quase US$ 67 bilhões, com um saldo comercial positivo a nosso favor de mais de US$ 31 bilhões. Em contraste, no mesmo período, exportamos “apenas” US$ 28,77 bilhões para os EUA, com déficit contra nós de cerca de US$ 200 milhões.  Ou seja, exportamos mais do que o dobro para a China que para os EUA, e obtemos com ela um saldo extraordinariamente positivo. Não bastasse, temos com a China projetos de grande relevância estratégica, como o de desenvolvimento conjunto de satélites, por exemplo.

continua após o anúncio

Com a Rússia, embora nossa relação econômica não seja tão expressiva, temos relações políticas e diplomáticas muito adensadas. A Rússia vê o Brasil como um dos polos emergentes em uma ordem global policêntrica e mais democrática. Por isso, valoriza muito nossas relações bilaterais. Temos, inclusive, um Plano de Ação da Parceria Estratégica entre a República Federativa do Brasil e a Federação da Rússia, firmado em 2010.

E a Venezuela? É um país rival do Brasil? Temos com ela algum conflito? Dependemos do petróleo venezuelano, como os EUA?  O regime bolivariano foi alguma vez hostil ao Brasil?

continua após o anúncio

Não. É exatamente o contrário. A Venezuela é uma grande amiga do Brasil. Amizade que vem de longe, mas que se adensou e se solidificou justamente no período bolivariano.

A progressiva aproximação entre os dois países foi facilitada por fatores históricos e geográficos. Em primeiro lugar, a fronteira da Venezuela com o Brasil, a mais extensa daquele país (2.199 km), foi estabelecida definitivamente por um tratado de 1859. Assim ao contrário do que ocorreu com seus outros vizinhos, Colômbia e Guiana, a Venezuela nunca teve disputas territoriais com o Brasil. Em segundo, as relações bilaterais, sempre foram cordiais, embora pouco densas para a sua potencialidade.

continua após o anúncio

A partir de meados dos anos 90, foram feitos muitos investimentos conjuntos para o desenvolvimento da fronteira amazônica conjunta e da infraestrutura energética e de transporte bilateral.

Essas relações, porém, se adensaram muito neste século. Entre 2003 e 2008, as exportações brasileiras para a Venezuela passaram de US$ 608 milhões para 5,15 bilhões, um crescimento de 758% em apenas 5 anos. Além da quantidade, é preciso também ressaltar a qualidade desse comércio. Cerca de 72% das nossas exportações para a Venezuela são de produtos industrializados, com elevado valor agregado e alto potencial de geração de empregos. Em 2009, já no início da grande crise mundial o Brasil teve com a Venezuela seu maior saldo comercial: US$ 4,6 bilhões dólares, 2,5 vezes superior ao obtido com os EUA (US$ 1,8 bilhão).

continua após o anúncio

Em 2012, o montante agregado de contratos de investimento de empresas brasileiras na Venezuela ascendia a US$ 15 bilhões, cifra extraordinária.

Assim, o Brasil lucrou muitíssimo com essa aproximação à Venezuela e com a entrada desse país no Mercosul, ocorrida justamente no período bolivariano.

continua após o anúncio

De 2013 para cá, com a grave crise, essas cifras minguaram, mas o potencial de cooperação, face à complementariedade das duas economias, continua intocado.

O que pode não continuar intocado é a disposição política daquele país de continuar a ser um grande parceiro do Brasil.

A aposta dos EUA na intervenção e no acirramento do conflito interno na Venezuela poderá resultar numa guerra civil militarizada e internacionalizada, com consequências desastrosas para seu povo, sua economia e suas relações com o Brasil. A América do Sul, que é um subcontinente de paz, poderá ser converter numa espécie de novo Oriente Médio, uma região geopoliticamente instável e conturbada.

Ora, esse cenário não interessa ao Brasil, qualquer que seja o governo de plantão. Ao Brasil interessa um entorno próspero, pacífico e integrado e continuar a desenvolver a cooperação com a Venezuela. Por isso, é do interesse objetivo do Brasil apostar, como manda sua Constituição, na não-intervenção e na solução pacífica das controvérsias, buscando sempre o diálogo e a paz.

Mas, mesmo que não ocorra um conflito grave na Venezuela, os EUA, se tiverem êxito, deverão impor lá um regime que recoloque aquele país como seu satélite, ressuscitando o status quo ante que havia lá predominado até o final do século passado, o qual impedia que os interesses do Brasil pudessem se espraiar naquele país de forma mais densa.

Assim, mesmo na eventualidade remota de que o regime venezuelano seja substituído com facilidade, os interesses do Brasil sairiam prejudicados, pois, ainda nesse caso, sobraria pouco espaço geopolítico para que o Brasil voltasse a ter relações muito adensadas com a Venezuela. O espaço político e econômico que o Brasil ocupou na Venezuela voltaria a ser ocupado pelos EUA.

Sejamos claros: aos EUA interessa a desagregação regional e ao Brasil interessa a integração regional.

Em suma, ao secundar os EUA nessa aventura golpista e intervencionista na Venezuela, estamos atirando nos próprios pés. É uma demonstração cabal de estupidez diplomática e cegueira geoestratégica,

Isso é claro para quem tem um mínimo de discernimento e racionalidade.

Mas, ao que tudo indica, é entendimento que está muito além do alcance de gente que vai a Davos fazer discurso patético e marketing político no bandejão local.

 

 

 

Os grandes objetivos dos EUA com a tentativa de golpe de Estado naVenezuela são muito claros. Um é econômico e o outro é geopolítico.O econômico tange à necessidade de ter acesso privilegiado e seguro àmaior reserva provada de petróleo do mundo, que dista apenas 3 dias denavio das grandes refinarias norte-americanas situadas no Golfo. Já ogeopolítico se refere ao desejo de conter a influência da China e da Rússiana América do Sul, uma vez que a nova doutrina de segurança nacional dosEUA colocou essa disputa como prioridade absoluta.Ao contrário dos que acreditam em kit gay e mamadeira de piroca, essaação bélica dos EUA contra a Venezuela é motivada basicamente por essesdois fatores, e não tem nenhuma relação com suposta preocupação comdemocracia e direitos humanos. Afinal, a longa e tenebrosa história dasintervenções dos EUA na América Latina e no Oriente Médio mostraclaramente que a democracia é a última das preocupações do Departamentode Estado.Evidentemente, pode-se questionar essa atitude violenta e inescrupulosados EUA, do ponto de vista ético. Contudo, é forçoso reconhecer que háracionalidade nessa ação norte-americana. Eles estão defendendo seusinteresses imperiais. Se a Venezuela entrar em guerra e milhões morrerem,para eles pouco importa. O importante é que o acesso ao petróleo estejaassegurado e que o regime aliado da Rússia e da China seja eliminado daface da Terra.No entanto, cabe a pergunta: quais seriam os interesses objetivos do Brasilque estariam sendo defendidos ao se apoiar essa aventura golpista naVenezuela?A Rússia e a China são nossos rivais? Não, não são. São grandes aliados.Formamos com esses países, e também com Índia e África do Sul, o grupodos BRICS, provavelmente a mais importante iniciativa diplomáticamundial desse início de século. Um grupo que tornou a ordem mundialmais multipolar e democrática e que elevou extraordinariamente oprotagonismo internacional do Brasil.
2Além disso, a China é, de longe, nosso principal parceiro comercial, etemos com ela uma parceria estratégica que já completou 25 anos. Em2018, exportamos para a China quase US$ 67 bilhões, com um saldocomercial positivo a nosso favor de mais de US$ 31 bilhões. Em contraste,no mesmo período, exportamos “apenas” US$ 28,77 bilhões para os EUA,com déficit contra nós de cerca de US$ 200 milhões. Ou seja, exportamosmais do que o dobro para a China que para os EUA, e obtemos com ela umsaldo extraordinariamente positivo. Não bastasse, temos com a Chinaprojetos de grande relevância estratégica, como o de desenvolvimentoconjunto de satélites, por exemplo.Com a Rússia, embora nossa relação econômica não seja tão expressiva,temos relações políticas e diplomáticas muito adensadas. A Rússia vê oBrasil como um dos polos emergentes em uma ordem global policêntrica emais democrática. Por isso, valoriza muito nossas relações bilaterais.Temos, inclusive, um Plano de Ação da Parceria Estratégica entre aRepública Federativa do Brasil e a Federação da Rússia, firmado em 2010.E a Venezuela? É um país rival do Brasil? Temos com ela algum conflito?Dependemos do petróleo venezuelano, como os EUA? O regimebolivariano foi alguma vez hostil ao Brasil?Não. É exatamente o contrário. A Venezuela é uma grande amiga do Brasil.Amizade que vem de longe, mas que se adensou e se solidificou justamenteno período bolivariano.A progressiva aproximação entre os dois países foi facilitada por fatoreshistóricos e geográficos. Em primeiro lugar, a fronteira da Venezuela como Brasil, a mais extensa daquele país (2.199 km), foi estabelecidadefinitivamente por um tratado de 1859. Assim ao contrário do que ocorreucom seus outros vizinhos, Colômbia e Guiana, a Venezuela nunca tevedisputas territoriais com o Brasil. Em segundo, as relações bilaterais,sempre foram cordiais, embora pouco densas para a sua potencialidade.A partir de meados dos anos 90, foram feitos muitos investimentosconjuntos para o desenvolvimento da fronteira amazônica conjunta e dainfraestrutura energética e de transporte bilateral.Essas relações, porém, se adensaram muito neste século. Entre 2003 e2008, as exportações brasileiras para a Venezuela passaram de US$ 608milhões para 5,15 bilhões, um crescimento de 758% em apenas 5 anos.Além da quantidade, é preciso também ressaltar a qualidade dessecomércio. Cerca de 72% das nossas exportações para a Venezuela são de
3produtos industrializados, com elevado valor agregado e alto potencial degeração de empregos. Em 2009, já no início da grande crise mundial oBrasil teve com a Venezuela seu maior saldo comercial: US$ 4,6 bilhõesdólares, 2,5 vezes superior ao obtido com os EUA (US$ 1,8 bilhão).Em 2012, o montante agregado de contratos de investimento de empresasbrasileiras na Venezuela ascendia a US$ 15 bilhões, cifra extraordinária.Assim, o Brasil lucrou muitíssimo com essa aproximação à Venezuela ecom a entrada desse país no Mercosul, ocorrida justamente no períodobolivariano.De 2013 para cá, com a grave crise, essas cifras minguaram, mas opotencial de cooperação, face à complementariedade das duas economias,continua intocado.O que pode não continuar intocado é a disposição política daquele país decontinuar a ser um grande parceiro do Brasil.A aposta dos EUA na intervenção e no acirramento do conflito interno naVenezuela poderá resultar numa guerra civil militarizada einternacionalizada, com consequências desastrosas para seu povo, suaeconomia e suas relações com o Brasil. A América do Sul, que é umsubcontinente de paz, poderá ser converter numa espécie de novo OrienteMédio, uma região geopoliticamente instável e conturbada.Ora, esse cenário não interessa ao Brasil, qualquer que seja o governo deplantão. Ao Brasil interessa um entorno próspero, pacífico e integrado econtinuar a desenvolver a cooperação com a Venezuela. Por isso, é dointeresse objetivo do Brasil apostar, como manda sua Constituição, na não-intervenção e na solução pacífica das controvérsias, buscando sempre odiálogo e a paz.Mas, mesmo que não ocorra um conflito grave na Venezuela, os EUA, setiverem êxito, deverão impor lá um regime que recoloque aquele país comoseu satélite, ressuscitando o status quo ante que havia lá predominado até ofinal do século passado, o qual impedia que os interesses do Brasilpudessem se espraiar naquele país de forma mais densa.Assim, mesmo na eventualidade remota de que o regime venezuelano sejasubstituído com facilidade, os interesses do Brasil sairiam prejudicados,pois, ainda nesse caso, sobraria pouco espaço geopolítico para que o Brasilvoltasse a ter relações muito adensadas com a Venezuela. O espaço político
4e econômico que o Brasil ocupou na Venezuela voltaria a ser ocupadopelos EUA.Sejamos claros: aos EUA interessa a desagregação regional e ao Brasilinteressa a integração regional.Em suma, ao secundar os EUA nessa aventura golpista e intervencionistana Venezuela, estamos atirando nos próprios pés. É uma demonstraçãocabal de estupidez diplomática e cegueira geoestratégica,Isso é claro para quem tem um mínimo de discernimento e racionalidade.Mas, ao que tudo indica, é entendimento que está muito além do alcance degente que vai a Davos fazer discurso patético e marketing político nobandejão local.

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247