A discreta e antidemocrática política externa de Bolsonaro

"É bom esquecer um pouco as bobagens pré-iluministas do chanceler templário e as cretinices patentes do clã Bolsonaro, inspiradas por diáfanos astrólogos, e começar a prestar atenção na ação discreta, aparentemente neutra e 'técnica', da equipe de Paulo Guedes, assentada em poderosos e concretos interesses", alerta o sociólogo Marcelo Zero; "Discretamente, sem chamar atenção, a equipe econômica do governo Bolsonaro ensaia a blindagem internacional de sua opção política pelo ultraneoliberalismo. Blindagem que, como a Emenda Constitucional nº 95, limitará seriamente as opções políticas dos próximos governos"

A discreta e antidemocrática política externa de Bolsonaro
A discreta e antidemocrática política externa de Bolsonaro


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Enquanto o clã Bolsonaro e o chanceler templário mesmerizam a opinião pública nacional e internacional com suas declarações bombásticas, estapafúrdias e francamente cretinas sobre política externa, a equipe econômica do novo governo prepara, praticamente na surdina, decisões que terão, se implementadas, profundo impacto negativo na inserção internacional do Brasil.

A primeira delas seria a revisão das tarifas consolidadas que o Brasil tem na OMC.

As tarifas consolidadas são aquelas tarifas que os países inserem na OMC como suas tarifas máximas de importação, aquelas que eles consideram necessárias para a proteção dos seus diversos setores produtivos. No caso do Brasil, tais tarifas situam-se em torno de 35%.

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Pois bem, a equipe econômica pretende rever tais tarifas, com redução sensível de seu teto. Embora ainda não se saiba exatamente o montante de tal redução e quais os setores que seriam afetados, o objetivo é blindar, na OMC, a opção neoliberal da abertura acrítica da economia, tão cara ao novo tzar da economia, Paulo Guedes.

Uma vez inseridas, essas novas tarifas reduzidas na OMC dificilmente elas seriam revertidas, o que imporia aos próximos governos obstáculos de monta para a prática de políticas comerciais mais protetivas, bem como empecilhos praticamente intransponíveis para políticas de industrialização, o que aceleraria o processo desindustrialização que hoje afeta o Brasil.

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A segunda medida tange à flexibilização da Tarifa Externa Comum (TEC) do Mercosul. Com efeito, é objetivo antigo dos neoliberais brasileiros acabar com a união aduaneira do Mercosul e transformar esse bloco em mera área de livre comércio. Nesse caso, o Brasil e os outros países do Mercosul poderiam negociar, de forma independente, acordos de livre comércio com terceiros países.

Por que isso é ruim para os interesses brasileiros? Porque o nosso país tem, com essa união aduaneira, um mercado cativo para seus produtos manufaturados. O Brasil exporta para o Mercosul produtos manufaturados com alíquota zero ou próxima de zero, enquanto terceiros países pagam taxas elevadas de importação. Com a extinção da união aduaneira do Mercosul, corre-se o risco de que produtos chineses, europeus e norte-americanos entrem nesse mercado pagando também uma tarifa muito baixa, o que acabaria com a competitividade de nossos produtos nesse mercado regional.

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Saliente-se que 90% das nossas exportações para o Mercosul são de produtos manufaturados. Não fosse pelo Mercosul, com sua união aduaneira, e pela integração regional de um modo geral, a indústria do Brasil estaria em situação muito pior.

Na última reunião de cúpula do Mercosul, Bolsonaro e Macri já prepararam o terreno para tal procedimento. No Brasil, ninguém comentou.

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Uma terceira decisão, tomada já pelo governo do golpe, tange à participação do Brasil na OCDE.

E o que é a OCDE? É uma organização que reúne 35 países, a grande maioria nações plenamente desenvolvidas, com algumas exceções, como México e Turquia, por exemplo. Criada em 1961, a partir da experiência da Organização para a Cooperação Econômica (OECE), organização constituída para gerir o Plano Marshall, a OCDE é também conhecida como o “Clube dos Ricos”, pois seus membros, basicamente os EUA, os países europeus, Japão, Coreia, Canadá e Austrália, produzem mais da metade do PIB mundial.

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Seu objetivo político e econômico fundamental é o de promover as virtudes da “economia de mercado”, que ela associa indissoluvelmente à “democracia” e aos “direitos humanos”. Em seu site oficial, constam como suas prioridades atuais “restaurar a confiança no mercado e nas instituições que o fazem funcionar” e “reestabelecer finanças públicas saudáveis como base para o crescimento econômico sustentável”.

Assim, trata-se de uma organização comprometida com os valores, os princípios e as teses neoliberais, bem como com o funcionamento desregulado do capitalismo financeirizado, tal qual convém a um “Clube dos Ricos”.

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Pois bem, os governos pós-golpe desejam ardentemente ver o Brasil nele incluído. Só faltam implorar para nele ingressar. Falta, não. Estão praticamente implorando, mesmo.

Saliente-se que a adesão, se concretizada, não virá de graça. A OCDE só aceitará o Brasil após uma avaliação rigorosa de suas políticas e de suas práticas. Caso julgue necessário, a OCDE demandará as devidas correções de rumo.

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Embora os EUA tenham oposto alguma resistência ao ingresso do Brasil nesse seleto clube, o governo Bolsonaro está redobrando os esforços para que o Brasil faça parte da OCDE o quanto antes.

Quais os objetivos de tudo isso?

O primeiro e óbvio objetivo é o de abrir definitiva e totalmente a economia do Brasil, conforme recomenda fortemente o receituário neoliberal.

Mas há também um segundo objetivo, bem mais perigoso. Esse objetivo tange à blindagem política e diplomática de uma opção neoliberal interna.

Com efeito, a maneira mais eficiente de blindar uma opção econômica e política contra a soberania popular é consagrá-la em compromissos internacionais.

É melhor até do que inscrevê-la na Constituição.

O Congresso Nacional pode modificar a Carta Magna por decisão de três quintos de seus membros. Mas o Congresso Nacional não pode denunciar acordos internacionais, uma vez ratificados. Essa é uma prerrogativa exclusiva do presidente da república. Além disso, retirar-se de um acordo internacional de peso é muito complicado.

Esses acordos, especialmente os de livre comércio, criam interesses e compromissos de reversão muito difícil, mesmo para países poderosos. Está aí o exemplo de Trump, que tenta fazer malabarismos para voltar a proteger a economia norte-americana. Está aí também o exemplo do Brexit, que está suscitando forte retaliação da União Europeia.

O quadro é muito pior para países em desenvolvimento, com menor poder de barganha. O México, por exemplo, selou seu destino quando assinou o NAFTA.

Ao fazê-lo, e ao celebrar também vários outros acordos de livre comércio, o México comprometeu-se definitivamente com o neoliberalismo e chutou a escada de seu próprio desenvolvimento. Quaisquer que sejam os governos eleitos naquele país, eles ficam manietados pelas cláusulas liberais desses atos internacionais. O espaço decisório interno para políticas públicas, especialmente para políticas econômicas, políticas de desenvolvimento, políticas de industrialização e políticas para a promoção da ciência e da tecnologia, fica consideravelmente reduzido.

López Obrador, embora bem-intencionado, terá muitas dificuldades para reverter a desestruturação das cadeias produtivas que o Nafta provocou no México. Hoje, o México importa até milho, base da sua alimentação, dos Estados Unidos.

De acordo com a Cepal, os índices de Gini do México ficaram estacionados nesse início de século, as taxas de pobreza aumentaram e a participação dos salários no PIB diminuiu, ao contrário do que aconteceu na maior parte dos países da região. O México, exemplo de livre-cambismo acrítico, é um fracasso econômico e social.

Deve-se ter em mente que tais acordos não se limitam a simplesmente abrir o comércio, via redução de tarifas de importação. Na realidade, eles têm uma série de cláusulas relativas a proteção de investimentos estrangeiros, propriedade intelectual, serviços, compras governamentais, regras ambientais e trabalhistas, etc., que podem comprometer a capacidade dos Estados de promoverem, a seus critérios, diversos tipos de política desenvolvimentistas.

Assim, discretamente, sem chamar atenção, a equipe econômica do governo Bolsonaro ensaia a blindagem internacional de sua opção política pelo ultraneoliberalismo. Blindagem que, como a Emenda Constitucional nº 95, limitará seriamente as opções políticas dos próximos governos.

Golpes de Estado substituem a soberania do voto popular pela vontade de maioria parlamentares circunstanciais. E uma política externa de país periférico pode substituir a soberania do Estado-Nação pelos interesses de nações hegemônicas e pelos ditames do capital internacional.

Desse modo, o grande golpe contra a democracia pode ser construído no cenário externo, pelos mecanismos aparentemente neutros e “técnicos” dos compromissos internacionais.

No Itamaraty, a resistência a esse descalabro está limitada, face ao processo de perseguição política que lá se instalou. Até listas macarthistas, com nomes de diplomatas “petistas” e “maus brasileiros”, por lá circulam impunemente. Coisa de gente sem caráter e firmeza moral.

Portanto, a opinião pública e o Congresso precisam estar atentos a esses movimentos discretos, porém potencialmente muito danosos.

É bom esquecer um pouco as bobagens pré-iluministas do chanceler templário e as cretinices patentes do clã Bolsonaro, inspiradas por diáfanos astrólogos, e começar a prestar atenção na ação discreta, aparentemente neutra e “técnica”, da equipe de Paulo Guedes, assentada em poderosos e concretos interesses.

Se não o fizermos, o Brasil poderá levar uma rasteira que o deixará em terra por muito tempo.

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