Do conflito à integração: a transformação da esquerda latino-americana

O Partido dos Trabalhadores nunca se disse "marxista" ou "socialista desta ou daquela tendência". Nem mesmo o congresso convocado para isso, chegou a essa definição. Dada à sua conhecida proximidade com os novos movimentos sociais, com boa vontade poderia ser descrito – nas circunstancias brasileiras - como um partido (não-leninista) de "novo tipo": laico, democrático e de massas

Do conflito à integração: a transformação da esquerda latino-americana
Do conflito à integração: a transformação da esquerda latino-americana (Foto: Lula Marques)


✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Acabo de receber um presente valioso, o livro do historiador e cientista político Rodrigo Freire, professor da Universidade Federal da Paraíba. A obra reproduz integralmente a tese de doutorado em sociologia política, defendida pelo autor na Universidade de Brasília, sob a orientação do americanista David Fleischer. Trata-se de um livro que faz um estudo comparado da evolução histórica e política do Partido dos trabalhadores e do Partido socialista chileno, mostrando convergências e divergências. O livro, que se divide em 6 capítulos, estuda desde a fundação dos dois partidos, passando pelas inúmeras transformações organizacionais que sofreram e termina por uma avaliação do governo petista e socialista, no geral benevolente.

O que nos interessa, neste artigo, é a parte dedicada ao Partido dos Trabalhadores, sobretudo nas duas gestões do governo LULA. Uma primeira observação se impõe ao leitor atento em compreender a trajetória do PT é aquela sobre as origens do partido. Há um consenso entre os estudiosos de que o Partido dos Trabalhadores não é e nunca foi um partido de esquerda "marxista-leninista "ou ligado à Terceira Internacional Comunista. Ao contrário da formação dos partidos comunistas, dentro e fora do Brasil, o PT é o produto da confluência de vários atores políticos: os sindicalistas do ABC (dentre os quais, se destaca LULA), a esquerda católica – ligada à teologia da libertação e as comunidades eclesiais de base- intelectuais dissidentes do comunismo e do socialismo real e grupos minoritários de orientação marxista que terminaram se alojando no PT (os trotskistas, os remanescentes da esquerda militar etc.).

O Partido dos Trabalhadores nunca se disse "marxista" ou "socialista desta ou daquela tendência". Nem mesmo o congresso convocado para isso, chegou a essa definição. Dada à sua conhecida proximidade com os novos movimentos sociais, com boa vontade poderia ser descrito – nas circunstancias brasileiras - como um partido (não-leninista) de "novo tipo": laico, democrático e de massas. Até na sua estrutura organizativa permissiva à existência das "frações" subpartidárias.

continua após o anúncio

Segundo o autor, a despeito de suas várias correntes internas, uma sempre foi majoritária e deu o tom da linha partidária: a ARTICULAÇÃO, depois BRASIL NOVO, que corresponde à liderança de LULA e seus velhos companheiros de militância sindical. Há quem afirme ser a ARTICULAÇÃO a cara do PT, dada a influência do ex-presidente na definição dos rumos do partido. Segundo o livro, 1995 é uma data de inflexão ou deslocamento do programa partidário petista: antes disso, tinha o PT uma fisionomia mais à esquerda, mais socialista, menos inclinada a alianças com partidos e grupos de centro-direita. O ponto alto dessa fase foi a campanha presidencial de 1989, contra Fernando Collor de Mello, apoiada pela grande maioria da intelectualidade brasileira.

Nesta campanha, diz-se que o Partido dos trabalhadores foi amplamente hegemônico na batalha das ideias, embora não tenha ganho a eleição. Depois de três derrotas consecutivas, houve uma mudança de agenda política e das alianças. Tratando-se de um pais de base federativa, com inúmeros partidos, alguns estadualizados; e um sistema eleitoral permissivo no que diz respeito às improváveis coligações partidárias, os maiorais do partido, José Dirceu à frente, tomou-se a decisão de ampliar o arco das alianças, incluindo os partidos de centro-direita e a modificação do discurso político em relação ao mercado, aos contratos, a globalização, o mercado financeiro internacional etc. Estratégia esboçada na "carta aos brasileiros", apresentada pelo então candidato LULA, em meio a uma grande crise cambial provocado pelo governo do PSDB.

continua após o anúncio

Importa, agora, destacar uma característica política do presidente LULA que foi um aprendizado do seu tempo de líder sindical das greves do ABC: o pragmatismo e a capacidade de negociação, acima de tudo. Segundo o autor do livro, o que definiu o tom do discurso do governo petista, longe de qualquer doutrina socialista ou política, foi a sua capacidade de negociar e concertar acordos com os vários atores políticos e econômicos. A começar pela composição da própria chapa presidencial, com a presença de um grande industrial têxtil e membro da Igreja Universal. Naturalmente, esta capacidade se manifestou na composição do ministério e da base parlamentar, primeiro com o PTB. Depois, com o PMDB.

É preciso dizer, que apesar ou por conta dela, essa engenharia política não impediu o autor de realizar uma avaliação muito positiva do governo petista: seja no combate às desigualdades sociais e regionais, na redução do endividamento externo, no aumento das exportações brasileiras, na redução das taxas de juros, na revitalização da indústria naval e petrolífera, na questão agrária, na política externa multilateral e no aumento do protagonismo diplomático do Brasil no mundo e na América Latina. Tudo isso, no céu de brigadeiro da economia internacional, teria levado a agradar "gregos e troianos".

continua após o anúncio

É aqui onde Rodrigo Freire lança a sua hipótese conclusiva, destinada a despertar alguma controvérsia. Com essa política híbrida o Partido dos Trabalhadores teria se transformado num partido "eleitoral-profissional", típico da competição eleitoral por cargos e mandatos, mas com cara "social-reformista", como o chileno, sem precedentes na América Latina. Mesmo sem nunca ter havido "Estado de bem-estar social" no subcontinente, o PT seria uma variante latino-americana de um partido, que embora aceitando o mercado, a propriedade privada, o capitalismo, a globalização etc... teria posto em prática – pioneiramente – reformas sociais importantes, além das políticas de ação afirmativas , que ajudaram a diminuir as desigualdades sociais e a gerar oportunidades para os mais pobres e desafortunados no país.

Para aqueles, que desde de início não viam no Partido nenhuma veleidade revolucionária ou insurrecional, vis-à-vis com os antigos partidos marxista-leninistas, mas que viam com bons olhos a chegada de um partido socialdemocrata no Brasil, naturalmente uma avaliação como esta é perfeitamente compreensível. A opção de inclusão social pelo acesso aos bens de consumo, com o apoio no fundo público, no crédito subsidiado e na isenção fiscal, realizado pela ex-presidente Dilma, no seu primeiro mandato, se encaixaria bem nessa modalidade de "reformismo social".

continua após o anúncio

A questão que fica por elucidar são os limites políticos, econômicos e sociais de tal reformismo social, considerando a mudança da cena política internacional e a grave crise econômica interna no país. Uma opção talvez não bastante republicana para evitar que cidadãos e cidadãs-consumidores possam se voltar, em curto espaço de tempo, contra a democracia, o socialismo, o direito das minorias e a laicidade do Estado brasileiro.

 

continua após o anúncio
continua após o anúncio

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Este artigo não representa a opinião do Brasil 247 e é de responsabilidade do colunista.

Comentários

Os comentários aqui postados expressam a opinião dos seus autores, responsáveis por seu teor, e não do 247

continua após o anúncio

Ao vivo na TV 247

Cortes 247