O tosco e perigoso discurso do chanceler Eduardinho

A pós-verdade chegou no Itamaraty em forma de um grotesco, bizarro e surreal artigo (mais um) do futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Em alguns trechos, o texto "Mandato popular na política externa" parecia uma redação de colégio; em outros era praticamente uma letra de música de banda dos anos 1980... de colégio

O tosco e perigoso discurso do chanceler Eduardinho
O tosco e perigoso discurso do chanceler Eduardinho


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A pós-verdade chegou no Itamaraty em forma de um grotesco, bizarro e surreal artigo (mais um) do futuro ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Em alguns trechos, o texto "Mandato popular na política externa" parecia uma redação de colégio; em outros era praticamente uma letra de música de banda dos anos 1980... de colégio.

"Estou aqui para aguar todas as posições do presidente, para cozinhá-las e transformá-las no mesmo rame-rame que vocês já conhecem, cotinuarei (escrito e publicado sem o "n" mesmo, tipo redação de colégio) falando a linguagem da ordem global".

É ou não é redação do Eduardinho, aquele zueiro do fundão que desde a quarta série já se destacava como umas das lideranças da sala?

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"Você diz que é contra a ideologia, mas, quando eu digo que sou contra o marxismo em todas as suas formas, você reclama. Quando me posiciono, por exemplo, contra a ideologia de gênero, contra o materialismo, contra o cerceamento da liberdade de pensar e falar, você me chama de maluco."

Já essa sensível e transgressora passagem é quase trecho de música que o Eduardinho compôs com os colegas de banda na oitava série, em 1987:

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Você diz que é contra a ideologia,
mas, quando eu digo que sou contra o marxismo
em todas as suas formas, você reclama

Quando me posiciono, por exemplo,
contra a ideologia de gênero, contra o materialismo, contra o cerceamento da liberdade de pensar e falar,
você me chama de maluco

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Mais duas linhas e o futuro chanceler rimaria "reclama" com "me chama" (alusão ao "gênio Lobão", nas palavras dele) e "maluco" com "trabuco" (resposta ao "destruidor de lares e da família brasileira" Raul Seixas).

Mas, independentemente da forma do artigo (há partes muito piores, acreditem), a questão principal é o conteúdo, que é grotesco, bizarro, surreal e, acima de tudo, extremamente perigoso, pois é a pós-verdade em seu estado bruto.

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Post-truth (pós-verdade): relativo ou referente a circunstâncias nas quais os fatos objetivos são menos influentes na opinião pública do que as emoções e as crenças pessoais.

A definição acima é do Dicionário de Oxford, que em 2016 elegeu "pós-verdade" como a palavra do ano (lembrando que no referido ano de nosso senhor Jesus Cristo tivemos nada menos do que o Brexit e a eleição de Donald Trump).

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Sempre que leio ou ouço "ideologia de gênero", conforme citado pelo chanceler Eduardinho, eu sinto um embrulho no estômago pelo simples fato de ser algo que não existe. É uma invenção. Gênero não é ideologia, é uma realidade. O que há tempos incomoda o patriarcado-macho-alfa-gorilão-da-bola-azul-caçador-provedor-da-porra-toda é a luta pela igualdade de gênero. E aí sim, estamos falando de igualdade de direitos, e do direito de cada indivíduo viver no gênero que escolher para si.

Mas ideologia de gênero, juntamente com aberrações como a Escola Sem Partido, colocados sob o guarda-chuva do "marxismo cultural" - que não passa de um "meme de 100 anos de idade que pode parecer pós-moderno, mas tem uma história longa e tóxica", como bem definiu o professor de Direito e História da Universidade de Yale, Samuel Moyn, em artigo no NYT -, são o ápice dessa insanidade.

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"Nada disso realmente existe", diz o professor. Porém, está aí movendo o que há de pior. Para não ir muito longe, Anders Breivik, o neonazista que matou 77 pessoas (a grande maioria adolescentes) e feriu 51 na Noruega, em 2011, em seu manifesto de 1.500 páginas invocou a ameaça do marxismo cultural repetidas vezes.

Mas em tempos de pós-verdade, a realidade já não importa. O futuro ministro indaga: "Mas, se isso não é o marxismo, com estes e outros de seus muitos desdobramentos, então qual é a ideologia que você quer extirpar da política externa? 'A ideologia do PT', você me dirá. E a ideologia do PT acaso não é o marxismo?"

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A última coisa que o PT é, ou fez durante 13 anos, foi algo próximo ao marxismo. Lá dentro tem marxistas? Com certeza. Mas por conta disso afirmar que é um partido de ideologia marxista e, pior, que precisa ser extirpado, é justamente passar por cima da verdade para criar um discurso perigoso e muito bem arquitetado, um discurso profundamente ideológico com verniz anti-ideológico que pretende atropelar como um rolo compressor qualquer ideia que não seja a de quem colocou o chanceler Eduardinho no Itamaraty.

Em tempo: "tóxico" foi eleita a palavra de 2018 pelo Dicionário de Oxford.

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