UE e China assinam um Acordo de Comércio Paradisíaco

Pequim promete um acordo de investimento até o próximo ano, limitando os subsídios industriais e a necessidade de transferências de tecnologia, enquanto a União Europeia promete sua própria rede de transporte



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Tradução de Sylvie Giraud

Os ânimos estavam aquecidos, mas ao final União Europeia e China conseguiram chegar a uma importante declaração conjunta em sua cúpula desta semana, assinada pelo primeiro-ministro chinês Li Keqiang, pelo presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker e pelo chefe do Conselho Europeu, Donald Tusk.

Teoricamente, há acordo em três frentes bastante sensíveis: um acordo de investimento complexo e abrangente entre a UE e a China a ser assinado "até o final do próximo ano, ou antes", segundo Li; o compromisso cada vez mais firme assumido por Pequim no sentido de eliminar seus subsídios industriais e a obrigação de transferência de tecnologia; e uma abertura substancial do mercado chinês às empresas da UE.

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A UE é o maior mercado combinado a nível mundial e o principal parceiro comercial da China, enquanto que a China é o segundo maior parceiro comercial da UE. Assim, o grande lance da semana foi a cúpula UE-China na terça-feira e não a novela sem fim do Brexit.

Partindo de círculos concêntricos de atitudes e no seguimento do recente relatório UE-China, "Uma Perspectiva Estratégica", a UE nem ao menos culpou a China como um "rival sistêmico" e não houve acusações de comércio "injusto" jogadas na cara de Pequim.

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No essencial, Bruxelas e Pequim parecem finalmente estar se engajando na construção de algum tipo de sinergia entre as Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa Um Cinturão Uma Rota (BRI), e algo de que apenas os Eurocratas têm conhecimento – o projeto da EU conectando a Europa e a Ásia, que em teoria deve avançar conjuntamente com a Rede Transeuropeia de Transportes – um motor de conexão ferroviária, rodoviária e aérea.

Diplomatas em Bruxelas disseram em off que a etapa preparatória a esse entendimento foi tão acidentada quanto percorrer uma trilha no planalto tibetano. Quando veio à tona a questão das sempre prometidas por Pequim, mas nunca executadas "reformas do mercado", os negociadores da EU quase deixaram a mesa de negociações sem ao menos conversar com a parte chinesa.

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É como se a UE - na prática, o duo franco-alemão na liderança - estivesse tentando sacar do bolso a tática Trump, empregando uma forte pressão para extrair concessões. Funcionou.

Antes da cúpula, enquanto a guerra dos xerpas comia solta, com revisão atrás de revisão, Zhang Ming, embaixador da China na UE e seu principal negociador, deu tudo de si para dissipar a ideia de uma China "rival sistêmica". "Na cultura chinesa, rivais estão sujeitos a buscar superioridade junto ao outro lado", disse ele.

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Bruxelas pediu, logo início das negociações, que todas as novas redações do acordo fossem tacitamente aprovadas pelo governo de Pequim – e isso demonstrou num relance as incríveis ramificações geoeconômicas resultantes de uma abordagem positiva entre as partes, em contraste com a guerra comercial ainda não resolvida com os Estados Unidos. O que deu vazão por sua vez à abertura que definitivamente arrebatou a UE, um cronograma concreto para aquelas "reformas" Chinesas que sempre lhe fugiam entre as mãos.

Na leitura, a declaração conjunta se parece, de fato, a um jardim de rosas: "O alto nível de ambição [do atual documento] se materializará em um progresso substancial do acesso ao mercado [chinês] e na eliminação de exigências discriminatórias e de práticas que afetam os investidores estrangeiros." O diabo, é claro, mora nas entrelinhas.

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A caminho para o 16 + 1

Na visão de Pequim, esta espetacular vitória comercial e diplomática prepara o caminho para a Cúpula 16+1 entre a China e Europa Central e Oriental em Dubrovnik, na sexta-feira. Dos 16 países europeus, nada menos do que 11 são Estados membros da UE, enquanto 5 pertencem ao grupo dos Balcãs Ocidentais.

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Ainda que Li ressalte a cada rodada que Pequim tem firme interesse na unidade da UE, não se pode deixar de admirar a manobra de Sun Tzu no cerne da abordagem chinesa. E pouco importa se alguns players da UE se queixem incessantemente das tácticas de dividir para reinar da China.

Veja por exemplo as coisas pela perspectiva croata. A Croácia assinará um Memorando de Entendimento com a Huawei, enquanto a Croatian Railway Infrastructure e a China Railway Eryuan Engineering Group farão um acordo para estabelecer um corredor de transporte. Em outras palavras: comércio facilitado entre a Europa Central e os portos do Mediterrâneo, com a China interligando rapidamente Grécia, Itália e Croácia.

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Lenta mas seguramente, as decisões da UE estão se integrando rapidamente com o 16 + 1. Os Eurocratas de Bruxelas examinaram os projetos de acordos que serão assinados na cúpula 16 + 1 em Dubrovnik. Diferentemente da França, por exemplo, a maioria dos 16 + 1 é entusiasta participante do BRI - que, não por acaso, é a estrela do show, especialmente depois que a Itália assinou um Memorando de Entendimento para se juntar aos projetos da Nova Rota da Seda no mês passado.

Ainda que a UE insista em destacar o que ele ainda não possui – uma política industrial abrangente – Pequim toca em todos os pontos necessários: livre comércio, multilateralismo, globalização 2.0 - ou mesmo 3.0 ou 4.0. Pequim simplesmente não teme competir com as empresas da UE.

Afinal, o que move Pequim é virtualmente constituir campeões nacionais em praticamente todos os setores industriais e pós-industriais, incluindo sua proeminência em 5G e AI. O cerne da estratégia chinesa não são os EUA, mas uma estreita relação com a Europa, onde as oportunidades de adquirir tecnologia de primeira classe e educação de primeira classe são imensas. Sem contar que a Europa é o terminal privilegiado da BRI.

Percepção é realidade. Não há dúvida de que a liderança de Pequim tem a clara percepção de que esse acordo entre a China e a UE levará certo tempo para demonstrar, especialmente aos líderes europeus, que eles estão lidando com uma superpotência emergente responsável. O contraste com as táticas de agressividade e intimidação postas em prática ao longo da guerra comercial dos EUA não poderia ser mais nítido.

Lembre-se do dilúvio

Nessa altura, um flashback pode ser esclarecedor para pôr tudo o que está acontecendo em perspectiva.

Todas as principais religiões do livro sagrado - judaísmo, cristianismo e islã - compartilham a mesma fábula, segundo a qual Noé, depois do dilúvio, dividiu a terra entre seus três filhos. Sem ganhou a "Ásia", as terras consideradas as mais antigas, Cam recebeu a África e Jafé, a Europa.

Foi apenas no século XVIII que uma perniciosa equação cristã entrou em vigor, articulando a maldição de Cam com a cor da pele humana, a descendência étnica e a escravidão. Foi assim que o Ocidente justificou a escravidão racial e a pilhagem da África - reduzida ao status de um espaço não civilizado.

Ao mesmo tempo, sob a orientação europeia (a terra de Jafé), a América foi promovida a uma terra de colonização e a Ásia (a terra de Sem), a uma terra de exploração econômica. As elites judaico-cristãs europeias reconheciam o antigo brilho daquelas civilizações asiáticas - Mesopotâmia, Índia, China - mas ao final, não fizeram mais do que integrar a Ásia em uma nova narrativa Orientalista.

Paralelamente, baseando-se no caráter supostamente desavergonhado dos descendentes de Sem, essas elites se forjaram uma origem semítica relativamente compartilhada. E atribuindo a maldição de Cam a uma fonte muçulmana, que por sua vez evocava fontes judaicas, o cristianismo se exonerou a si próprio. O projeto colonial e imperialista europeu estava então em alta.

Mas agora, após um curto intervalo histórico, a China está de volta, de fato e definitivamente. E os chineses sabem tudo sobre o colonialismo europeu. Não espere que os Eurocratas dedilhando pastas codificadas por cores tenham uma memória história tão aguçada. Mas eles certamente não precisam estudar as viagens do Almirante Zheng He para ver de que lado sopra o vento.


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