Guerra ao Irã e a vocação ao blefe dos EUA

"A administração Trump mais uma vez deixou mais do que evidente que no jovem e turbulento século XXI, os conceitos de "direito internacional" e 'soberania nacional' já pertencem ao Reino dos Mortos-Vivos", escreve o correspondente internacional Pepe Escobar; "Como se não bastasse o dilúvio de sanções contra uma grande parte do planeta, a mais recente "oferta irrecusável" transmitida por um gangster posando de diplomata, o Cônsul Minimus Mike Pompeo, ordena agora que todo o planeta se submeta ao um e único árbitro do comércio mundial: Washington"

Guerra ao Irã e a vocação ao blefe dos EUA
Guerra ao Irã e a vocação ao blefe dos EUA


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Especial para Consortium News. Tradução de Sylvie Giraud 

A administração Trump mais uma vez deixou mais do que evidente que no jovem e turbulento século XXI, os conceitos de “direito internacional” e “soberania nacional” já pertencem ao Reino dos Mortos-Vivos.

Como se não bastasse o dilúvio de sanções contra uma grande parte do planeta, a mais recente “oferta irrecusável” transmitida por um gangster posando de diplomata, o Cônsul Minimus Mike Pompeo, ordena agora que todo o planeta se submeta ao um e único árbitro do comércio mundial: Washington.

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A administração Trump começou por romper unilateralmente com um acordo multinacional endossado pela ONU, o acordo JCPOA ou Acordo Nuclear Iraniano. Agora, as concessões que permitiram a oito nações de importarem petróleo do Irã sem incorrer na Ira Imperial - materializada em sanções - expirarão em 2 de maio e não serão renovadas.

As oito nações são, por sua vez, uma mescla de potências eurasianas: China, Índia, Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Turquia, Itália e Grécia.

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Além do clássico coquetel tóxico - unindo arrogância, ilegalidade, prepotência/ ignorância e infantilismo geopolítico / geoeconômico - embutido nesta decisão de política externa, a ideia de que pertence a Washington decidir quem será fornecedor de energia para a superpotência emergente da China não chega nem a ser risível. Muito mais alarmante é o fato de que impor um embargo total às exportações de petróleo iraniano constitui nada menos do que um ato de guerra.

A última alucinação Neocon

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Aqueles que apoiam a mudança de regime no Irã, a última alucinação em voga dos EUA, Neocons e Sionistas, podem regozijar-se com esta declaração de guerra. Mas, como o professor Mohammad Marandi, da Universidade de Teerã, argumentou com elegância: "Um erro de cálculo da Administração Trump e a casa pode facilmente desabar sobre sua cabeça".

Como resultado do fato de que Teerã não parece ter ilusões quanto à loucura total que se desenha no horizonte, Marandi me disse também que a liderança iraniana - se provocada a um ponto de não retorno - pode chegar a “destruir tudo do outro lado do Golfo Pérsico e expulsar os EUA fora do Iraque e do Afeganistão. Quando os EUA sobrem o tom de voz, o Irã dobra a aposta. Agora, a bola está no campo dos EUA, vamos ver quão longe as coisas podem chegar...”.

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Esse alerta supremo de um acadêmico sensato se encaixa perfeitamente com o que está acontecendo com a estrutura do Exército dos Guardiões da Revolução Islâmica (IRGC) - recentemente classificado como "organização terrorista" pelos Estados Unidos. Em perfeita simetria, o Conselho Supremo Nacional de Segurança do Irã também rotulou o Comando Central dos EUA - CENTCOM - e “todas as forças ligadas a ele” de um grupo terrorista.

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O novo comandante em chefe do IRGC é o brigadeiro-general Hossein Salami, 58 anos. Ele era desde 2009 o vice do comandante anterior Mohamamd al-Jafari, um cavalheiro de fala mansa, mas extremamente duro que conheci em Teerã há dois anos. Salami, assim como Jafari, é um veterano da guerra Irã-Iraque; isto é, ele tem experiência de combate real. E as fontes de Teerã me asseguraram que ele pode ser ainda mais duro que Jafari.

Em harmonia e na mesma linha de pensamento, o contra-almirante Alireza Tangsiri, comandante da Marinha do IRGC, evocou o impensável em termos do que poderia resultar do embargo total dos EUA às exportações de petróleo do Irã: Teerã poderia bloquear o Estreito de Ormuz.

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Lapso ocidental

Vastos segmentos das classes dominantes em todo o Ocidente parecem não ter consciência de que, se Hormuz for bloqueado, o resultado será uma depressão econômica global absolutamente cataclísmica.

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Warren Buffett, entre outros investidores, qualificou inúmeras vezes o mercado de 2,5 quatrilhões de derivados como uma arma financeira de destruição em massa. Atualmente, estes derivados são usados ​​- ilegalmente - para drenar fora do mercado não menos do que um trilhão de dólares americanos, por ano, em lucros manipulados.

Considerando seus precedentes históricos, Washington seria capaz de fincar uma bandeira falsa no Golfo Pérsico, como já ousou fazê-lo no Golfo de Tonkin. Mas o que viria depois?

Se Teerã se visse sem saída, totalmente cercada por Washington, a opção nuclear de fato de fechar o Estreito de Ormuz faria cair instantaneamente em 25% a oferta mundial de petróleo. Os preços do petróleo poderiam subir para mais de 500 USD e chegar até 1.000 USD o barril. Os 2,5 quatrilhões de derivados iniciariam uma reação de destruição em cadeia.

Diferente da escassez de crédito durante a crise financeira de 2008, a escassez de petróleo não poderia ser compensada por instrumentos fiduciários. Simplesmente porque o óleo não está lá. Nem a Rússia seria capaz de reestabilizar o mercado.

Segredo de polichinelo em conversas privadas no Harvard Club - ou nos jogos de guerra do Pentágono -, no caso de uma guerra contra o Irã, a Marinha dos EUA não seria capaz de manter aberto o Estreito de Ormuz.

 

Os mísseis russos SS-NX-26 Yakhont - com uma velocidade máxima de Mach 2.9 - estão sendo alinhados na costa norte iraniana do Estreito de Ormuz. Não há como os porta-aviões americanos defenderem uma barreira de mísseis Yakhont.

Depois, há os mísseis supersônicos antinavais SS-N-22 Sunburn - já exportados para a China e a Índia - voando ultrabaixo a 1.500 milhas por hora com capacidade de se esquivar e extremamente móveis; eles podem ser disparados de um caminhão plataforma e foram projetados para derrotar o sistema de defesa de radar Aegis, dos EUA.

Como a China reagirá?

O ataque frontal e total ao Irã revela como a administração Trump aposta na dissolução da integração da Eurásia através do que seria seu nó mais fraco; os três nós principais são China, Rússia e Irã. Esses três atores interconectam todo o espectro; Iniciativa Um Cinturão Uma Rota; a União Econômica da Eurásia; a Organização de Cooperação de Xangai; o Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul; a expansão do BRICS Plus.

Portanto, não há dúvida de que a parceria estratégica entre Rússia-China estará assegurando a retaguarda do Irã. Não é por acaso que aos olhos do Pentágono, o trio está entre as principais “ameaças” existenciais para os EUA. Pequim tem ciência de que a Marinha dos EUA é capaz de cortá-la de suas fontes de energia. E é por isso que Pequim está aumentando estrategicamente as importações de petróleo e gás natural da Rússia; planejar a "fuga de Malaca" também deve levar em conta uma hipotética ocupação do Estreito de Ormuz pelos EUA.

Um cenário plausível envolve Moscou agindo para acalmar o extremamente volátil confronto entre os EUA e o Irã, com o Kremlin e o Ministério da Defesa russo tentando dissuadir o presidente Donald Trump e o Pentágono de qualquer ataque direto contra o IRGC. A contrapartida inevitável é o surgimento de operações secretas, a possível encenação de falsas bandeiras e a utilização de todo o tipo de técnicas obscuras da Guerra Híbrida, implantadas não apenas contra o IRGC, direta ou indiretamente, mas contra os interesses iranianos em todo lugar. Para todos os efeitos práticos, EUA e Irã estão em guerra.

Em um espectro mais amplo, no cenário de desmantelamento da Eurásia, a administração Trump tira proveito do ódio psicopata wahhabista e sionista contra os xiitas. A "pressão máxima" sobre o Irã conta com Jared - da Arábia - Kushner, amigo íntimo no whatsup de Mohammad bin Salman (MbS), em Riad, e o mentor de MbS em Abu Dhabi, Sheikh Zayed, para substituir o déficit de petróleo iraniano no mercado. Mas isso não faz sentido – tanto mais que uns poucos e astutos comerciantes do Golfo Pérsico afirmam terminantemente que Riad não "absorverá a participação de mercado do Irã", simplesmente porque o petróleo extra não está lá.

Muito do que está por vir na saga do embargo do petróleo depende da reação de vários vassalos e semivassalos. O Japão não ousaria ir contra Washington. A Turquia irá comprar essa briga. A Itália, via Salvini, fará lobby por um recuo. A Índia é muito complicada; Nova Delhi está investindo no porto de Chabahar, no Irã, como o principal centro de sua própria Rota da Seda, e coopera estreitamente com Teerã dentro da estrutura do Corredor Internacional de Transporte Norte-Sul. Uma traição vergonhosa estaria se desenhando no horizonte?

 

A China, é óbvio, simplesmente ignorará Washington.

O Irã encontrará maneiras de fazer o petróleo fluir porque a demanda simplesmente não desaparecerá com a vareta mágica agitada por uma mão americana. Chegou a hora de pôr em prática soluções criativas. Por que não, por exemplo, reabastecer navios em águas internacionais, aceitando ouro, todo tipo de dinheiro, cartões de débito, transferências bancárias em rublos, yen, rúpias e riais - e tudo que pode ser reservado através de um site?

Agora, há uma maneira de o Irã fazer uma grande jogada usando sua frota de petroleiros. Alguns dos navios-tanque poderiam ficar estacionados - você entendeu - no Estreito de Ormuz, com um olho no preço do petróleo no porto de Jebel Ali, nos Emirados Árabes Unidos, para ter certeza do que realmente está em jogo. Adicione a isso um duty-free para as tripulações dos navios. Há como não dar certo? Os proprietários de navios economizarão fortunas nas contas de combustível e as equipes receberão todo tipo de material com 90% de desconto no duty-free.

 

E vamos ver se a UE ganhou em coluna vertebral e irá realmente turbinar sua Rede de Pagamento Alternativo de Propósito Específico (Special Purpose Vehicle - SPV) concebida após a administração Trump abandonar o Acordo Nuclear Iraniano. Porque mais do que desmantelar a integração da Eurásia e materializar a mudança do regime ambicionada pelos Neocons, o que está em jogo acima de tudo é o anátema supremo: O Irã está sendo impiedosamente punido por ter conseguido contornar o dólar americano no comércio de energia.

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