Governo paralelo com Zé de Abreu: abraçaremos essa oportunidade?

"O circo de Trump na Venezuela com a presidência autoproclamada de Juan Guaidó produzirá uma reviravolta ao contrário no Brasil? O fato Zé de Abreu abre possibilidades, que as contradições do sistema político brasileiro até agora impediram", escreve o colunista Sérgio Storch, fundador da rede Judeus Brasileiros Progressistas (Juprog)

Governo paralelo com Zé de Abreu: abraçaremos essa oportunidade?
Governo paralelo com Zé de Abreu: abraçaremos essa oportunidade?


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Provoco tomando de Isaac Deutscher a ideia das “ironias da História”: o circo de Trump na Venezuela com a presidência autoproclamada de Juan Guaidó produzirá uma reviravolta ao contrário no Brasil?

O fato Zé de Abreu (ouçam seu primeiro pronunciamento oficial, na TV 247) abre possibilidades, que as contradições do sistema político brasileiro até agora impediram. Haveria Dória na Prefeitura de São Paulo, e depois no governo estadual, se Erundina tivesse fechado com Haddad em 2016? E, no Rio, Freixo e Jandira não poderiam ter evitado Crivella, e depois Witzel? E, em 2018, a catástrofe não podia ter sido evitada por um entendimento a tempo entre Ciro e Lula?

Não, não dava, infelizmente não dava. A natureza e os compromissos do sistema político e partidário brasileiro impediam. E sobreveio o dilúvio. Agora cabe a cada um dos atores daquela impotência avaliar a sua responsabilidade, mas o buraco é mais embaixo, é sistêmico, na lógica do sistema.

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Mas é preciso ir além de chorar o leite derramado.

Bem, Zé de Abreu, grande figura da cena cultural, não se construiu como “condottieri”, nunca cabalou votos, e sua biografia não o amarra na necessidade de navegar em estruturas partidárias, nem de fazer campanha em eleições populares. Sua missão pode terminar e ser grandiosa ao viabilizar uma vitória eleitoral em 2022, dele ou de qualquer liderança do campo democrático  contra as forças do atraso, com a maturação de um programa de governo que pode iniciar-se desde já.

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Claro que um governo Zé de Abreu não terá a caneta para tributar, nomear, exonerar, fazer Medidas Provisórias e tudo isso que só um governo investido do poder constitucional pode fazer.

Por outro lado, pode ter o poder de liderar até os maiores líderes políticos, na medida em que demonstre visão e capacidade de articulação para produzir convergências na sociedade. E podemos chegar.

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Talvez a primeira delas deva estar num Ministério das Comunicações, unir as melhores cabeças progressistas que temos na comunicação, num projeto integrado de comunicação com a sociedade, que utilize plenamente as infraestruturas de comunicação que já existem em sindicatos, universidades, entidades da sociedade civil (OAB, CNBB etc.), religiões etc, para alcançar na ponta as famílias e indivíduos espalhados pelos territórios. Ora, não é mais na porta de fábrica que se pode conquistar opiniões, pois as fábricas estão evaporando, e com elas as estruturas tradicionais dos sindicatos. Por outro lado, construir uma inteligência coletiva na comunicação que utilize os canais que existem, desde as rádios comunitárias até a mídia sindical e as revistas da academia pode constituir um poder de mobilização social surpreendente.

Mas não é só isso. Vamos imaginar um Ministério da Agricultura que busque resgatar a credibilidade internacional indispensável à retomada de nossas exportações para a China e que detenha a justificada má vontade da Europa diante das medidas do governo oficial contra a Amazônia. Um Ministério da Agricultura do Zé de Abreu pode desenvolver capacidade de mediação dos setores democráticos da sociedade com o agronegócio, que já pode estar percebendo que foi longe demais no “jair se acostumando”... E que busque, esse Ministério da Agricultura, a preservação do nosso patrimônio tecnológico duramente construído em 40 centros de pesquisa da Embrapa, sem os quais nem sequer haveria soja brasileira. Ora, uma canetada desses malucos irresponsáveis, como as que têm detonado organismos como a Funai e o Ibama, pode destruir uma Embrapa. E, se uma voz unificada da defesa do Brasil não se levanta a tempo, podemos ser surpreendidos por algo assim a qualquer momento…

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E o que falar de um Ministério da Justiça para fazer frente na opinião pública ao pacote insano do ministro Moro, com uma proposta robusta e convincente de reforma que aproveite plenamente todo o conhecimento produzido em décadas no Legislativo, no Judiciário, nas universidades e entidades da sociedade civil (exemplo Fórum Brasileiro de Segurança Pública) para uma justiça efetivamente democrática e justa? Ora, dezenas de milhares de horas de excelentes inteligências foram gastas em propostas de Reforma do Judiciário e da Segurança Pública. Vamos deixar essa inteligência evaporar? É claro que precisamos de uma liderança, com status de Ministro, que pode não ter orçamento (que pode ter, no entanto, algum recurso captado em fontes internacionais), mas que pode ter o ingrediente mais fundamental: o poder de catalisar processos. Sim, é aplicar na política brasileira o princípio da Teoria do Caos, dos atratores que fazem coagular as forças de um sistema.

O Ministério do Trabalho e da Previdência Social é outro urgente, para fazer frente à eufemística Reforma da Previdência, educando (de novo o Ministério das Comunicações) e organizando a resistência na sociedade a essa investida predatória contra os direitos dos setores mais vulneráveis da sociedade e da classe média. É preciso unir forças do vasto ecossistema de instituições que estão fragmentadas, cada uma fazendo a sua campanhazinha de comunicação para conscientizar algum segmento social. Nada mais do que articular e coordenar, pois a inteligência técnica tem se mostrado abundante (para quem tem dúvida sobre isso, sugiro uma olhada no Google ou Youtube).

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Idem o Ministério da Saúde, para organizar a defesa do SUS, mas também para gerar formas de as comunidades assumirem, onde for possível, papeis na autogestão comunitária na saúde. Ora, considere-se que é uma organização horizontal de enfermeiros que conquistou na Holanda a liderança de mercado na prestação de serviços de “home care”. Exclui o setor privado? Não necessariamente, só passa a não ser totalmente dependente do mercado.. Há um ativo precioso de conhecimento e energia humana nos milhares de pessoas que fizeram parte das Conferências Municipais, Estaduais e Nacionais de Saúde, desde a criação desse sistema que é uma originalidade brasileira. Pode desabar como castelo de cartas, por ter perdido a articulação que foi papel do Estado. Reconheçamos que é possível sustentar essa memória e a capacidade de articulação, sem o Estado, através da orquestração de processos que podem acontecer em rede, nas dezenas de universidades públicas, dezenas de institutos de pesquisa, centenas de coletivos de profissionais de saúde pública espalhados pelo país.

O que é preciso, caneta?  Não, é preciso catalisar, sinalizar, orquestrar, construir processos coletivos que aproveitem plenamente o vasto ativo que o Brasil desenvolveu de gente, que ora está desanimada e perde gradativamente as perspectivas. Ora, é insuflar vida nesses contingentes humanos que incluem milhares de doutores, mestres, especialistas e gestores. É gestão, para a qual não faltam competências. Dinheiro? Pode vir, se gente se articula para apresentar projetos: Open Society Foundation, Fundação Ford, União Européia, JICA etc…

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E aí chegamos a um Ministério de Relações Exteriores: relações com governos pode ser mais difícil, mas relações internacionais com organizações de fomento, universidades e centrais sindicais na América do Norte, Europa e Ásia são plenamente possíveis, e podem contar inclusive com quadros do MRE no Exterior. Ora, embaixadores de um governo paralelo do Zé de Abreu, com a graça, humor e informalidade que tem no DNA, podem ter uma desenvoltura no Exterior que uma diplomacia oficial não pode, e que tira partido do choque que sabemos que existe no mundo todo em relação ao desgoverno que está aí.

Eis essa contribuição de um autoproclamado cientista político, que não sou, mas oxalá muitas pessoas se autoproclamem para podermos juntos arrancar o nosso futuro das mãos dessa coalizão de milicianos com corruptos, fundamentalistas de mercado e impostores das religiões que pregam ódio em vez de amor.

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Zé de Abreu é uma dádiva, graças ao Guaidó. Um caboclo diria que o cavalo está passando selado na porta de nossa casa, e o que nos cabe é decidir se pulamos nele ou não.  É pular, e rápido. Que isso se espalhe como rastilho de pólvora nas redações, sindicatos, associações de docentes universitários, movimentos sociais. Não temos mais direito de vacilar. É para pular rápido.

Afinal, disse outro caboclo, Guimarães Rosa: sapo não pula por boniteza, mas por precisão.

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