“What Happened to Brazil?” Breves apontamentos sobre um filme histórico

Parece redundante afirmar que o objeto da História não se restringe ao conhecimento de fenômenos findos, mas igualmente deve se prestar à análise das conexões entre o passado e o presente para verificar continuidades ou rupturas



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Parece redundante afirmar que o objeto da História não se restringe ao conhecimento de fenômenos findos, mas igualmente deve se prestar à análise das conexões entre o passado e o presente para verificar continuidades ou rupturas. Desse modo, o saber histórico disposto em um filme do tipo documentário, que apresenta as cenas reais com personagens reais tem a pretensão positivista de ser fiel à narrativa. E ajuda na construção da contra história, assim entendida como não oficial ou permissivo de um olhar crítico sobre os fatos.

Com o título que sintetiza a pergunta que muitos cidadãos, ainda atônitos, se fazem com relativa frequência ao olhar para o cenário da história recente do país, o jornalista Kennedy Alencar nos brinda com um trabalho cinematográfico muito bom, com conteúdo e formato jornalístico, narrativa em terceira pessoa, dividido em três capítulos de 23 minuto cada:  "The Dream Dies" (O Fim do Sonho), "Carwash and 'the coup'" (A Lava Jato e 'o golpe') e "Divided Nation" (Nação Dividida).

Do bárbaro assassinato de Marielle Franco à prisão de Lula, das fake news da eleição de 2018 e consequente eleição de Jair Bolsonaro, passando pela greve dos caminhoneiros, o documentário não deixa de abordar nenhum aspecto da macropolítica nacional do período retratado. E o faz sem maniqueísmos ou apelos. Em sua breve retrospectiva dos acontecimentos recentes, mostra a conturbada trajetória das duas últimas eleições e o ano tido por crucial que as antecede: 2013.

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Além dos competentes comentários nos dois primeiros capítulos, sob a ótica social e econômica da Esther Solano e da Laura Carvalho,  ambas professoras e pesquisadoras, o filme nos apresenta o ex-procurador-geral da República, Rodrigo Janot, em declarações surpreendentes, como por exemplo quando afirma claramente que “pedaladas fiscais” foram procedimentos feitos tanto antes quanto depois do governo Dilma Rousseff, que somente serviram de “desculpa” para o impeachment da presidenta eleita, cuja motivação fora estritamente política e não jurídico-legal. E menos surpreendente – ao menos para quem acompanha suas posições - mas altamente impactante, o duríssimo depoimento do ex-presidente do STF Ricardo Lewandowski sobre os grampos ilegais do ex-juiz Sérgio Moro, que gravou e divulgou conversa de Dilma e Lula em 2016. Há também a presença do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, cujas contribuições não me pareceram relevantes, os comentários de um cidadão chamado Eduardo Lisboa, que se diz ex-eleitor do PT e satisfeito com o resultado dos processos, e as abordagens da ex-presidenta Dilma Rousseff.

Narrado em inglês, indicando visar o público externo, a simbologia do filme fica por conta da canção de abertura.

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Roda Viva, de Chico Buarque, composta e ambientada no contexto da ditadura civil-militar brasileira, imprime o tom que Kennedy indica sem impor de uma explanação sobre os eventos que, iniciados em 2013, levaram o Brasil a eleger um governo conservador, com características neofascistas e altamente militarizado. A leitura ofertada pelo documentário é de que a ascensão da extrema direita no Brasil não adveio de um processo eleitoral, foi construída nesses últimos cinco anos e teve nas manifestações de junho de 2013 seus embriões. Leitura, aliás, compartilhada com muitos historiadores e cientistas políticos atualmente.

A narrativa em terceira pessoa nos conduz no tempo histórico da recente história brasileira, com o desenrolar desalentador e a conclusão fatídica do que vivenciamos hoje. Rememora o papel exercido pelo PSDB, um dos grandes partidos brasileiros, que adota a prática de desprezo pelos ideais republicanos e pela democracia ao patrocinar o processo de impeachment, a facilidade com que o preconceito se transforma em prática nos espaços públicos e privados.

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Com testemunhos e imagens aéreas exclusivas, o documentário aborda quem nós somos hoje em dia.

Em determinado momento Kenedy aponta as leis criminais que Dilma sancionou. As mesmas leis que a operação Lava Jato utilizou para investigar, condenar e prender. Não há um juízo de valor explícito, mas é possível extrair que elas não estão ali por mero acaso, citadas aleatoriamente, mas com intuito de evidenciar o grande paradoxo do aparato jurídico-legal excessivamente controlador, criado pelo próprio governo do PT ou pode ele estimulado e do qual se tornariam seus líderes as maiores vítimas. Pode ser que a intenção dele não chegue a isso e tal seja parte do que transcende ao autor e é abarcada por esta espectadora.

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O documentário de Kenedy, além de seu valor como peça de arte e entretenimento, bem construído e narrado, pode ser descrito como um agente da História capaz de contribuir para a memória dos vencidos, função também atribuída ao filme “O Processo”, da Maria Augusta Ramos, que estreou no ano de 2018 e foi exibido e premiado em várias partes do mundo. Narrativas que, por serem autônomas em relação às instâncias detentoras do discurso oficial sobre a sociedade, seja do sistema político seja do sistema jurídico - que por ação ou omissão deu guarida aos acontecimentos - tornam-se importantes documentos de análise.

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