Cinco anos de Lava Jato

Fazendo um jocoso trocadilho, ao completar cinco anos de existência, a Laja Jato teve prescrito alguns dos “direitos” de que detém na condição de procedimento formal de investigação por órgãos competentes, com presunção de legitimidade: de se arvorar dona da moral, da incorruptibilidade, de alegar imparcialidade e respeito às normas processuais 



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Prescrição, termo familiar a quem é do mundo jurídico e até a curiosos, significa, em termos bem simples, que não se pode mais pleitear um direito em virtude do tempo. A regra da prescrição na legislação brasileira é ser quinquenal.

Fazendo um jocoso trocadilho, ao completar cinco anos de existência, a Laja Jato teve prescrito alguns dos “direitos” de que detém na condição de procedimento formal de investigação por órgãos competentes, com presunção de legitimidade: de se arvorar dona da moral, da incorruptibilidade, de alegar imparcialidade e respeito às normas processuais e às regras do jogo democrático. Mas, sobremaneira, a Lava Jato teve prescrito seu direito de se afirmar como uma investigação séria contra a corrupção.

Na semana do seu aniversário de cinco anos, a Lava Jato foi “brindada” com a repercussão de fatos que não lhes deram motivo para comemoração. O primeiro foi a publicização de um acordo ilegalmente assinado pelo membro da força tarefa da operação, o procurador Deltan Dallagnol, com a Petrobras, para a criação de um fundo ao qual estaria vinculado valor decorrente de acordo entre a estatal e o governo dos Estados Unidos da América. O acordo foi questionado por entidades e organismos de todos os segmentos  jurídicos e políticos, e se concluiu no ajuizamento de uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental – ADPF pela própria Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge, contra a decisão da juíza em exercício da 13ª Vara Federal de Curitiba, que o havia homologado, e a concessão de liminar pelo Supremo Tribunal Federal suspendendo-o.

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O segundo fato foi a decisão do Supremo Tribunal Federal, no dia 14 de março, de que crimes eleitorais como a não declaração de valores nas contas eleitorais, o chamado Caixa 2, que tenham sido cometidos em conexão com outros crimes, como corrupção e lavagem de dinheiro, devem ser enviados à Justiça Eleitoral.

Na mesma tarde, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, anunciou no plenário da Casa a abertura de inquérito com vistas a apurar a existência de crimes na divulgação de notícias fraudulentas e declarações difamatórias aos ministros do STF. A abertura do inquérito decorreu das ofensas do procurador da República Diogo Castor de Mattos, integrante da Lava Jato, à Justiça Eleitoral, publicada dias antes em um portal da internet.

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Ainda no mesmo dia, o Conselho Nacional do Ministério Público – CNMP aplicou duas penalidades de censura à procuradora de Justiça do MP/MG Camila Fátima Teixeira por manifestações no Twitter consideradas ofensivas a ministros do STF e ao Congresso Nacional. Em conta identificada como “Camila Moro” a procuradora fez as seguintes publicações: “Generais, saiam do Twitter e posicionem seus homens no entorno do STF, até que Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli entreguem suas togas. Marquem dia que vamos juntos: Brasileiros + Exército salvaremos a Lava Jato” e “Que venha a intervenção militar e exploda o STF e o Congresso de vez”.

Em cada um dos fatos narrados, os membros da operação Lava Jato jogaram o jogo midiático para fazer valer seu posicionamento. Ações foram adotadas que colocam em risco a institucionalidade.

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No caso do acordo, o procurador Deltan Dallagnol gravou vídeos, distribuiu ofensas, e tentou justificar o injustificável. Após a suspensão da homologação do acordo, a Associação Nacional dos Procuradores da República – ANPR convocou atos contra a Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge. Sobre o julgamento no STF, integrantes do Ministério Público Federal divulgaram intensamente que, para proteger bandidos e frear a "lava jato", o STF estava em vias de mudar as atribuições da justiça eleitoral. Mesmo tendo ciência de que a informação é inverídica, de que essa atribuição da Justiça Eleitoral de julgar crimes comuns quando conexos com matéria eleitoral existe desde sua criação, buscaram fazer uma imensa pressão sobre os ministros do Supremo para alterar a doutrina e a jurisprudência em vigor.

Na semana seguinte, dia 21 de março, o juiz Marcelo Bretas, da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro, responsável pelo braço carioca da operação Lava Jato, decretou a prisão do ex-presidente Michel Temer. Sem fundamento jurídico algum capaz de justificar a prisão preventiva, narrando fatos de 2017 e justificando a cautela na suposta gravidade dos crimes, a prisão do ex-presidente indica a um só tempo a busca da popularidade abalada da operação e a fragilização do discurso da parcialidade.

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Quando Sérgio Moro, juiz responsável por tirar o ex-presidente Lula da disputa presidencial, abandonou o cargo e se tornou ministro da Justiça do governo de seu adversário, vencedor da disputa, a quem evidentemente beneficiou, deixou cair qualquer máscara de imparcialidade que pudesse subsistir em alguns mais crédulos em sua atuação isenta de paixões políticas. Ao entrar no cenário político, agora formalmente, os mecanismos de poder contra os que contra ele se insurgem aparecem de forma mais tangenciada. Ao que tudo indica, a prisão do ex-ministro Moreira Franco, sogro do deputado Rodrigo Maia, presidente da Câmara dos Deputados, logo após seu desentendimento com Moro, não pode ser visa como mera coincidência.

A questão como um todo é que a operação Lava Jato, que começou com o intuito de investigar corrupção e desvio de recursos público para fins privados na execução de obras, e teve importante papel na decisão do STF de proibir financiamento privado de campanhas, se transmutou em um coletivo em busca de poder e notoriedade, impulsionado pela repercussão midiática e dos espetáculos das conduções coercitivas, das delações premiadas e das prisões de membros do círculo político e de empresários da construção civil. E nesse caminho passou a manipular os instrumentos processuais, descumprindo explicitamente normas, inclusive constitucionais, violando direitos de investigados, de réus, de condenados e a tudo justificando nos fins eventualmente perseguidos.

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A justificação dos membros da operação Lava Jato para a violação dos direitos e descumprimento das normas em casos concretos sempre se valeu de álibis retóricos, como o combate à corrupção e a impunidade ou, como no emblemático caso da divulgação dos grampos ilegais envolvendo a presidenta da República Dilma Rousseff em 2016, de que a população “tem direito a saber o que fazem seus governantes” (fala de Sérgio Moro à imprensa). Uma tentativa de justificar a persecução penal nela mesma e onde os direitos fundamentais individuais seriam entraves e empecilhos à sua execução.

A história da humanidade é pródiga de exemplos de violações a direitos sob a justificação discursiva fundada pretensamente em fins ou interesses tidos socialmente por legítimos. Ditaduras são erigidas sob aplausos e discursos de resgate da liberdade e da democracia. Bombas são lançadas, territórios invadidos e ocupados com a finalidade de defender direitos humanos.

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Ao enveredar pelo viés político e não jurídico, a Lava Jato passou a atuar estrategicamente, com vistas a promover os fins que julgava importantes. E nesse caminho resolveu ignorar os limites legalmente impostos à atuação de seus membros. Desse modo, as sucessivas divulgações de interceptações telefônicas, gravações e delações à imprensa foram feitas em caráter parcial e intencional. As pressões feitas sobre o Supremo Tribunal Federal e a atuação no parlamento seguem um modus operandi de colocar qualquer um que questione ou critique como corrupto ou conivente com ela. O julgamento da prisão em segunda instância no STF e o debate do projeto de Abuso de Autoridade e das “10 Medidas contra a Corrupção” no Congresso Nacional são exemplos perspicazes de como os membros da força tarefa da Lava Jato agem politicamente em prol de seus interesses. Mas não só. A todo tempo os integrantes da força tarefa usam seus perfis nas redes socias para debater e tentar influenciar nos temas nacionais, sem qualquer relação com a investigação ou com a atuação do Ministério Público Federal e de seu papel institucional, como é o caso da eleição dos membros das Casas Legislativas.

A forma de pressão se desencadeia por meio da imprensa e das redes sociais, por vezes de forma extremamente agressiva e virulenta, em tons autoritários e messiânicos, manipulando a opinião pública e instigando a manifestação da sociedade, demonizando a política e seus representantes eleitos.

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A força tarefa da operação Lava Jato é um coletivo que se imagina e se apresenta como insuscetível a críticas, e cujos integrantes distribuem acusações a qualquer membro de outro Poder ou mesmo ao qual pertencem, bastando para tanto que haja manifestação de dúvida ou discordância quanto a procedimento ou conteúdo. Comportam-se como um Poder apartado dos demais, avessa a qualquer reflexão e diálogo que não corrobore com seu discurso único.

Os acontecimentos mais recentes mostram instituições que ficaram inertes aos desvios perpetrados nos cinco anos de existência da operação Lava Jato e que corroboraram, por ação ou omissão, com as práticas de seus membros, que agora lhes desafiam. Tal é o caso do Supremo Tribunal Federal, obrigado a reagir diante da ofensiva dos que querem decidir não apenas o que pauta, mas como decidem. O comportamento faz jus a um provérbio do país que visitei recentemente: “cría cuervos que te sacarán los ojos”.

Na atual conjuntura brasileira, de um governo com características extremamente conservadoras e autoritárias, a reação não é apenas oportuna, é necessária e não pode ficar restrita a atos isolados. Os membros de uma operação de investigação não podem se valer do poder que possuem, senão no do papel processual que lhes é atribuído constitucionalmente, dentro de um Estado que reconhece em seus cidadãos a titularidade de direitos fundamentais, e a divisão de deveres e obrigações pelos ocupantes dos seus cargos de direção. Sob pena de colocar em risco a existência e legitimidade das instituições, que por sua vez, sendo atingidas nos pilares sobre os quais se sustentam, ameaçam a própria noção de democracia.  

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