A Câmara dos Deputados e o exótico liberalismo neopentecostal

É preocupante notar que uma das fontes mais significativas de incitamento ao ódio e à homofobia integra a estrutura institucional do estado brasileiro: a Câmara dos Deputados

É preocupante notar que uma das fontes mais significativas de incitamento ao ódio e à homofobia integra a estrutura institucional do estado brasileiro: a Câmara dos Deputados
É preocupante notar que uma das fontes mais significativas de incitamento ao ódio e à homofobia integra a estrutura institucional do estado brasileiro: a Câmara dos Deputados (Foto: Tiago Zaidan)


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Na terça-feira, dia 19 de abril de 2016, às 14h15, o músico alagoano radicado no Rio de Janeiro, Diogo Oliveira, valeu-se do Facebook, como muitos brasileiros, para se expressar, no caótico contexto pós-admissibilidade do processo de impeachment da presidenta Dilma na Câmara dos Deputados. Postou o vídeo, captado pela TV Câmara, do posicionamento do deputado federal o qual ajudara a eleger, Jean Wyllys (PSOL-RJ). Acima do vídeo, escreveu um breve comentário: "É isso aí guerreiro!!!! Me sinto literalmente contemplado com sua fala e seu voto!".

Às 16h45, o músico foi surpreendido por uma resposta em caixa alta, a qual dizia: "CALE SUA BOCA VIADO SAFADO RESPEITO OS HOMENS DE BEM JÁ QUE VC NADA É" (SIC). A autora da resposta, uma certa Maria Iracilda da Silva, sequer constava entre os amigos virtuais de Diogo. Chegou à postagem do músico não se sabe como.

Maria Iracilda da Silva, segundo informações do próprio perfil no Facebook, é agente administrativa da Procuradoria Geral do Estado de Alagoas. Sua página na rede social é convencional. Uma foto de flor ilustra o perfil e, aparentemente, não há nada que indique a homofobia latente de sua dona. No mais, em sua página, Maria se valeu do legítimo direito de cidadã, em um estado democrático, para publicar suas postagens, majoritariamente dedicadas a apoiar o Juiz Sérgio Moro e a criticar ferrenhamente o governo do Partido dos Trabalhadores.

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O direito que assiste à Maria Iralcilda também assiste a Diogo. No entanto, para a agente administrativa, conforme fica claro nas palavras digitadas em caixa alta, o músico, que é homossexual, deve ficar calado. Evidentemente, Diogo não vai atender a ordem de Maria, e já anunciou que, pela ofensa, buscará as vias legais.
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Diante deste fato, é preocupante notar que uma das fontes mais significativas de incitamento ao ódio e à homofobia integra a estrutura institucional do estado brasileiro: a Câmara dos Deputados. Permeada por parlamentares homofóbicos, especialmente aqueles ligados à imensa bancada evangélica, a Câmara tem sido palco de discursos inflamados e de movimentações que visam reduzir direitos de membros da comunidade GLBT.

O chamado "Estatuto da Família", por exemplo, apresentado pelo deputado Anderson Ferreira (PR-PE), herdeiro de uma prolífica linhagem de pastores neopentecostais, tentou limitar o conceito de família à união entre um homem e uma mulher ou entre qualquer um destes e seus descendentes. Depois de ser aprovado por uma comissão especial da Casa, em outubro de 2015, o projeto foi barrado no STF . Na ocasião, o deputado pastor Ezequiel Teixeira (PTN-RJ) chegou a dizer que "'os novos arranjos familiares são verdadeiros desarranjos' e que é preciso 'salvaguardar o País da anarquia'" .

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O que chama a atenção é que toda esta mobilização parlamentar é financiada com dinheiro público – utilizado para bancar os deputados, suas inúmeras prerrogativas e uma miríade de comissionados. Em alguns casos, os recursos públicos são utilizados para bancar, também, empregados fantasmas, como é o caso de Renato Bolsonaro, irmão do deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ). Presenteado por três anos com um cargo de assessor especial parlamentar na Assembleia Legislativa de São Paulo, Renato "recebia R$ 17 mil mensais, mas não aparecia para trabalhar", segundo informou a revista Exame .

Como dinheiro público não cai do céu, ao contrário do maná bíblico, não custa lembrar que os recursos que bancam o Congresso e toda a sua custosa bancada evangélica são oriundos dos impostos pagos por todos os brasileiros, no meio dos quais se incluem, evidentemente, a comunidade GLBT. É aqui que reside o grande paradoxo. Os homossexuais, portanto, arcam com as despesas destinadas a manter os privilégios dos parlamentares, especialmente daqueles congressistas os quais se dedicam diligentemente a marginalizar e a incitar a violência contra os membros da própria comunidade GLBT.

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Assim, cidadãos, como o músico Diogo Oliveira, são obrigados a pagar pela gorda remuneração de seus próprios carrascos, parlamentares que não os representam e, ainda, disseminam mensagens de ódio e incitam pessoas como a já citada Maria Iracilda da Silva.

Esta é certamente uma constatação que estarreceria liberais ideológicos, historicamente defensores das liberdades individuais e críticos de opressões ou imposições oriundas da máquina estatal. Infelizmente, não temos destes liberais no Brasil. Os pretensos liberais brasileiros deixam esta discussão passar ao largo, ocupados que estão em sua missão una e precípua que é derrubar o PT. Fora as denúncias ao partido que aparentemente encarna todos os males nacionais, não há qualquer menção das lideranças pretensamente liberais brasileiras à homofobia institucionalizada. Sobretudo porque, no Brasil, os pretensos liberais estão curiosamente mancomunados com a bancada evangélica, como se pôde constatar na sintonia dos setores da oposição durante a votação pela admissão do impeachment à presidenta Dilma na Câmara.

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O presidente da Câmara e artífice do processo, o deputado Eduardo Cunha (PMDB – RJ) é integrante da bancada evangélica. Apesar de responder a inquéritos e de ser réu sob a acusação de recepção de propina no bojo da Lava-Jato, Cunha tem o que comemorar. Segundo faz saber matéria do jornal Correio Braziliense , já há um movimento em curso com vistas a conceder uma espécie de anistia ao presidente da casa, como uma retribuição a este pelo empenho na lida pelo impeachment de Dilma. No Conselho de Ética da Câmara, por sua vez, onde o caso de Cunha se arrasta, costurou-se uma troca de deputados com vistas a favorecer o pemedebista. Uma das vagas no conselho passou a ser ocupada pela deputada baiana Tia Eron (PRB), integrante da bancada evangélica e aliada do réu da lava-jato .

Além dos políticos evangélicos aliados aos pretensos liberais, há aqueles os quais reivindicam para si próprios a pecha de liberal. É o caso do pastor carioca Everaldo Dias Pereira. Candidato à Presidência da República na última eleição, pastor Everaldo é dono de um discurso o qual concilia interesses de empresários e investidores, pautas econômicas neoliberais, tais como a privatização, e a oposição firme aos direitos da comunidade GLBT. Everaldo Pereira é o atual presidente do Partido Social Cristão, sigla que se posicionou claramente pelo impeachment de Dilma e abriga, em suas fileiras, um dos baluartes da oposição ao governo petista na Câmara, Jair Bolsonaro.

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Próximo de líderes evangélicos como os Pastores Silas Malafaia e Marco Feliciano, Bolsonaro, à custa de sua remuneração como deputado federal, possui um vasto currículo de pronunciamentos polêmicos. Alguns dos quais foram coletados pela revista Exame na matéria "7 vezes em que gays e mulheres foram alvo de Bolsonaro" . No levantamento, a jornalista Beatriz Souza faz saber que "em 2011, após o PSOL entrar com uma representação no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, Bolsonaro disse que o partido era um partido de 'pirocas' e disse que era 'coisa de veados o que eles estavam fazendo'. 'Ninguém gosta de homossexual, a gente suporta', disse ainda".

Não são apenas os membros da comunidade GLBT que estão recolhendo impostos para bancar um carrasco dispendioso. Também as mulheres, tal como Maria Iracilda da Silva, têm sido alvos constantes.

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Em entrevista trazida à luz pela revista Crescer , da editora Globo, voltada para gestantes e mães, o deputado Bolsonaro ataca direitos trabalhistas das mulheres, ao assumir um discurso de matiz liberal: "Eu sou liberal. Defendo a propriedade privada. Se você tem um comércio que emprega 30 pessoas, eu não posso obrigá-lo a empregar 15 mulheres. A mulher luta muito por direitos iguais, legal, tudo bem. Mas eu tenho pena do empresário no Brasil, porque é uma desgraça você ser patrão no nosso país, com tantos direitos trabalhistas. Entre um homem e uma mulher jovem, o que o empresário pensa? 'Poxa, essa mulher tá com aliança no dedo, daqui a pouco engravida, seis meses de licença-maternidade...' Bonito pra c..., pra c...! Quem que vai pagar a conta? O empregador".

Em 2014, em resposta à deputada Maria do Rosário (PT-RS), a qual se expressava contra a ditadura militar brasileira (1964-1985), Bolsonaro saiu-se com a frase "Já disse que não estupro porque você não merece" .

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Cristo é certamente uma das personalidades históricas mais citadas do Brasil. No entanto, ao que parece, quanto mais se fala em seu nome, mais obscurecida torna-se a sua biografia e mais abstrato e sem sentido torna-se o significado da expressão "cristão". De acordo com o modus operandi da bancada evangélica, e dos setores conservadores católicos, cristianismo se faz por meio da verborragia, da homenagem aos seus e de discursos moralistas. Faz-se por meio da intolerância e da homofobia, o que, curiosamente, os aproxima dos teocratas do Estado Islâmico.

A cruz utilizada pelo Império Romano para martirizar os desviados do establishment de então, como o fora Cristo, não foi abolida da humanidade. Foi substituída por outros artefatos, talvez mais eficientes, como a cadeira de dragão – assento onde se é amarrado e conectado a fios elétricos –, ou mesmo por um simples poste e algumas correntes no meio da rua. E, na história do Brasil, não faltaram técnicos peritos em manejar tais ferramentas, como é o caso do Coronel Alberto Brilhante Ustra (1932 – 2015), declarado torturador pela justiça brasileira. Segundo registro da Arquidiocese de São Paulo, sob o comando de Ustra, durante a ditadura militar, o DOI-CODI acumulou mais de 500 registros de torturas . Ustra foi homenageado por Bolsonaro durante a votação pela admissão do impeachment da presidenta Dilma; ela própria vítima nos porões da ditadura.

Outra supliciada, Amelinha Teles, vítima do homenageado do deputado Bolsonaro, relatou em entrevista à Rádio Nacional como fora a sua experiência com o coronel Ustra, nas dependências do DOI-CODI. "Ele me deu um safanão com as costas da mão, me jogando no chão, e gritando 'sua terrorista'. E gritou de uma forma a chamar todos os demais agentes, também torturadores, a me agarrarem e me arrastarem para uma sala de tortura". A pior parte, no entanto, ainda estava por vir: "Ele, levar meus filhos para uma sala, onde eu me encontrava na cadeira do dragão, nua, vomitada, urinada? Levar meus filhos para dentro da sala? O que é isto? Para mim, foi a pior tortura que eu passei. Meus filhos tinham 5 e 4 anos. Foi a pior tortura que eu passei".

É razoável recomendar às mulheres e aos membros da comunidade GLBT que mantenham distância de simpatizantes e seguidores de Bolsonaro – como, de resto, dos representantes mais exaltados da bancada evangélica – da mesma forma como teria sido prudente aconselhar os primeiros cristãos a manter distância de seus perseguidores romanos. No mais, é irônico admitir; o discurso dos pretensos liberais neopentecostais brasileiros pode acabar por conduzir o Brasil a uma teocracia.

Referências

 

[1] MARANHÃO, Fabiana. Afinal, para que serve o Estatuto da Família. UOL Notícias. 2 de out. 2015. Disponível em: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/10/02/afinal-para-que-serve-o-estatuto-da-familia.htm. Acesso 19 de abr. 2016.

[1] HAJE, Lara.  Câmara aprova Estatuto da Família formada a partir da união de homem e mulher. Portal da Câmara dos Deputados. 8 de out. de 2015. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/DIREITOS-HUMANOS/497879-CAMARA-APROVA-ESTATUTO-DA-FAMILIA-FORMADA-A-PARTIR-DA-UNIAO-DE-HOMEM-E-MULHER.html. Acesso 19 de abr. 2016.

[1] FUNCIONÁRIO fantasma, irmão de Jair Bolsonaro é exonerado. Revista Exame. 8 de abr. de 2016. Disponível em: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/funcionario-fantasma-irmao-de-jair-bolsonaro-e-exonerado. Acesso 19 de abr. 2016.

[1] HESSEL, Rosana; MILITÃO, Eduardo. Cunha entrega o impeachment e pode receber ‘anistia’ em troca. Correio Braziliense. 18 de abr. 2016. Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/politica/2016/04/18/internas_polbraeco,527947/cunha-entrega-o-impeachment-e-pode-receber-anistia-em-troca.shtml. Acesso 19 de abr. 2016.

[1] ALESSI, Gil. Cunha entrega o impeachment, e deve receber ‘anistia’ em troca. El País. 19 de abr. 2016. Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/18/politica/1460943585_924610.html. Acesso 19 de abr. 2016.

[1] PSC se reúne com Eliseu Padilha para reafirmar apoio ao impeachment. Portal do Partido Social Cristão – PSC. 17 ABR. 2016. Disponível em: http://www.psc.org.br/site/comunicacao-psc/todas-as-noticias/1617-psc-se-re%C3%BAne-com-eliseu-padilha-para-reafirmar-apoio-ao-impeachment.html. Acesso 19 de abr. 2016.

[1] SOUZA, Beatriz. 7 vezes em que gays e mulheres foram alvo de Bolsonaro. Revista Exame. 11 de dez. 2014. Disponível em: http://exame.abril.com.br/brasil/noticias/7-vezes-em-que-gays-e-mulheres-foram-alvo-de-bolsonaro. Acesso 19 de abr. 2016.

[1] LIMA, Vanessa. Jair Bolsonaro diz que mulher deve ganhar salário menor porque engravida. Revista Crescer. 23 de fev. 2015. Disponível em: http://revistacrescer.globo.com/Familia/Maes-e-Trabalho/noticia/2015/02/jair-bolsonaro-diz-que-mulher-deve-ganhar-salario-menor-porque-engravida.html. Acesso em 19 de abr. 2016.

[1] ARIAS, Juan. “Já disse que não estupro porque você não merece”. El País. 10 de dez. 2014.  Disponível em: http://brasil.elpais.com/brasil/2014/12/10/politica/1418170279_872754.html. Acesso 19 de abr. 2016.

[1] CORONEL Ustra, homenageado por Bolsonaro como ‘o pavor de Dilma Rousseff’, era um dos mais temidos da ditadura. Jornal Extra - RJ. 18 de abr. 2016. Disponível em: http://extra.globo.com/noticias/brasil/coronel-ustra-homenageado-por-bolsonaro-como-pavor-de-dilma-rousseff-era-um-dos-mais-temidos-da-ditadura-19112449.html. Acesso 19 de abr. 2016.

[1] BRANDÃO, Marcelo. Presa política lembra como conheceu coronel Ustra, homenageado por Bolsonaro. Agência Brasil. 18 de abr. 2016. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2016-04/presa-politica-conta-seu-encontro-com-coronel-ustra-homenageado-por-bolsonaro. Acesso 19 de abr. 2016.

 

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