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Sudeste

Um dos jovens negros assassinados por PMs em São Paulo despediu-se da esposa pelo celular

A esposa de Felipe Barbosa da Silva disse em seu depoimento que o marido trabalhava como motoboy e que, na noite de 9 de junho, recebeu uma ligação do esposo por volta das 19h20, em que foi possível ouvir “moiô, moiô, eles vão matar a gente”

(Foto: Reprodução)
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Ponte Jornalismo - Os familiares de Vinícius Alves Procópio, 19 anos, e Felipe Barbosa da Silva, 23, jovens negros mortos pela PM dentro de um carro, com 30 tiros, em 9 de junho, foram acompanhados pelo advogado especialista em direitos humanos Ariel de Castro Alves, membro do Grupo Tortura Nunca Mais, em depoimento ao ouvidor das polícias, Elizeu Lopes Soares, na tarde desta segunda-feira (14/6).

Os jovens negros foram mortos por tiros disparados à queima-roupa pelo sargento André Chaves da Silva e pelo soldado Danilton Silveira da Silva, ambos da Força Tática do 1º Batalhão de Polícia Militar Metropolitano, no cruzamento das ruas Doutor Rubens Gomes Bueno e Castro Verde, em Santo Amaro, na zona sul da capital paulista.

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Um vídeo, feito pelo celular de uma testemunha, mostra parte dos tiros desferidos pela dupla de policiais militares sobre os rapazes, e foi decisivo para a Corregedoria da PM pedir a prisão dos PMs.


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Em apenas sete segundos, é possível ouvir pelo menos 12 disparos. “Os caras estão metendo chumbo no cara, bicho”, afirma a testemunha.

O vídeo da execução dos dois jovens pelos PMs, que convenceu a Corregedoria da PM a pedir a prisão preventiva dos policiais e o Tribunal de Justiça Militar a aceitar o pedido, foi visto pelos familiares de Vinicius na página no Instagram da própria Força Tática, em que ele foi exibido “como seu fosse um mérito da polícia”, segundo o depoimento. Ainda segundo os familiares, o vídeo foi apagado pouco após a postagem.

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As últimas palavras

A esposa de Felipe disse em seu depoimento que o marido trabalhava como motoboy e que, na noite de 9 de junho, recebeu uma ligação do esposo por volta das 19h20, em que foi possível ouvir “moiô, moiô, eles vão matar a gente”. Segundo ela, o marido contou onde estava e se despediu, dizendo que amava a esposa e a filha. Ele ainda teve tempo de pedir para que ela avisasse a família do amigo sobre o que estava ocorrendo.

Preocupada, a mulher explicou que seguiu para o endereço mencionado pelo esposo e que no meio do caminho recebeu três ligações de número não identificado, que ora informava que seu marido estava morto e ora que estava preso. Durante o depoimento, a jovem contou que assim que chegou ao local um PM apresentou uma foto de Felipe perguntando para ela quem era, momento que se desesperou.

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Assim como a mulher de Felipe, o irmão de Vinícius contou que todo momento eram ameaçados pelos policiais para que deixassem a região do assassinato.

Além da tristeza pela morte, os familiares de Vinícius contaram que não tiveram nem a despedida respeitada, já que um homem desconhecido subiu em um banco e passou a filmar o velório. Ainda de acordo com os familiares, ao ser questionado, o homem desconversou e alegou que estava no velório errado.

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“As informações são de que o Felipe foi atingido por 27 disparos e o Vinícius por 23 disparos. Esses dados por si só já configuram um fuzilamento. E os jovens, conforme os próprios PMs, não efetuaram nenhum disparo. Os PMs dizem que um teria descido do veículo com arma na cintura e o outro teria tentado fazer um disparo e a arma falhou. Os jovens foram fuzilados”, disse o advogado Ariel de Castro Alves, que os acompanhava.

“Parecia um treinamento”

Durante o depoimento, a mãe de Vinícius Alves Procópio, 19 anos, disse que o modo dos policiais militares que mataram seu filho e também Felipe Barbosa da Silva, 23, “parecia um treinamento e não uma ação com vidas”.

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A mãe de Vinícius contou que, naquela noite, recebeu um telefonema de uma pessoa conhecida afirmando que seu filho havia sido preso. Instantes depois, uma outra ligação informou que ele havia morrido. Como ela não teve coragem de ir até o local, seu marido e o irmão do jovem executado seguiram até o endereço mencionado na ligação. Segundo a mulher, seu filho “trabalhava com o pai com transporte escolar e que, em razão da pandemia de Covid-19, por não haver aulas presenciais, estava parado”.

Segundo a polícia, Vinícius e Felipe estariam armados e roubando na região, por isso a ação policial. Sobre isso, a mãe afirma que o correto seria prender e não matar. “Por mais errado que poderia estar, ninguém poderia ter tirado sua vida”, afirmou no depoimento. A mulher também contou que seu filho “nunca teve arma, nunca havia roubado e nem se envolvido em ilícitos”.

Já em seu depoimento ao ouvidor da polícia, o irmão do rapaz assassinado contou que, ao chegar à Rua Doutor Rubens Bueno, encontrou um carro com as portas abertas e vários policiais em volta. Segundo ele, mesmo após diversos apelos os PMs que estavam no local não deixaram ele e seu pai chegarem perto dos mortos e assim ver se um deles era Vinícius. Após espera, o único momento em que tiveram acesso ao corpo foi quando colocado no carro do IML (Instituto Médico Legal).

O irmão do rapaz ainda explicou que, “enquanto esteve no local, não viram qualquer socorro chegar”, apenas uma viatura do Corpo de Bombeiros prestando atendimento a uma pessoa que estava ferida após o veículo em que seu irmão estava colidir contra o dela. O familiar também pontuou que “em momento algum viu qualquer arma ser retirada do veículo em que Felipe e Vinícius estavam”.

Suspeita de provas plantadas

Os PMs estão detidos no Presídio Militar Romão Gomes, no Tremembé, zona norte da capital, desde a noite de domingo (13/6). Na tarde desta segunda-feira, eles passaram por audiência de custódia, em que o juiz Ronaldo Roth decidiu manter a prisão preventiva. Na versão dada pelos PMs, os homens estavam armados, mas não chegaram a disparar. Ao decretar a prisão, o juiz Roth apontou que os policiais “se afastaram do seu dever funcional, com a abordagem de veículo em descumprimento ao POP [Procedimento Operacional Padrão], realizando aproximadamente 15 disparos cada, causando 27 perfurações em um civil e 23 perfurações no outro, colocando em dúvida a credibilidade da instituição Polícia Militar, o que demonstra a necessidade da prisão para a garantia da ordem pública”.

A disparidade dos números é porque um mesmo disparo pode produzir mais de uma perfuração, como orifícios de entrada e saída. Em seu depoimento à Polícia Civil, os PMs disseram que mataram Felipe porque ele desceu do carro com uma arma na cintura e apresentava “iminente” risco de agressão, enquanto Vinícius, que ficou no banco traseiro do veículo, teria tentado atirar contra os policiais, mas a arma falhou. 

Essa versão foi colocada em dúvida pelas investigações da Polícia Militar, que apuram possível fraude processual, considerando a possibilidade de que os dois revólveres apreendidos e atribuídos aos jovens terem sido “plantados na cena de crime”. Isso porque uma testemunha de um roubo que teria sido praticado pelos jovens disse, em depoimento, que um deles estava portando uma pistola, e não um revólver, minutos antes da ocorrência que terminou na morte dos dois. 

“Além disso, um cartucho de calibre ponto 380 íntegro foi encontrado nas vestes de Felipe e, por fim, a imagem do vídeo é clara quando mostra os dois militares se afastando do veículo, após os tiros, sem terem pegado qualquer arma das vítimas alvejadas. É imperioso ressaltar que quando a vítima foi entrevistada pelo Oficial de Permanência desta Corregedoria, no momento dos fatos, também afirmou que os indivíduos estariam com uma pistola no momento do crime”, diz o juiz na decisão. 

No início da noite desta segunda-feira, o Ministério Público se pronunciou sobre o crime, designando o promotor Thomas Mohyico Yabiki, do  3º Tribunal do Júri, “para acompanhar o caso em que dois PMs são investigados sob a suspeita de perseguir e executar dois homens, com aproximadamente 30 tiros, dentro de um carro parado na zona sul de São Paulo. As vítimas eram suspeitas de assalto e não dispararam, mas foram encontradas mortas com mais de 50 perfurações de projéteis”.

Além do pedido de prisão feito pelo Comando da Polícia Militar, o Ministério Público pediu para que o caso fosse encaminhado ao Tribunal do Júri, para que os policiais fossem julgados pela Justiça comum, já que “há várias provas de que o caso se trata de crime doloso contra a vida de civis”. No entanto, este pedido não foi aceito pela Justiça Militar, com a alegação de que o inquérito policial militar ainda não foi concluído. O crime também é investigado pelo DHPP (Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa), da Polícia Civil.

Histórico

Essa não foi a primeira vez em que o sargento André, que está na PM há mais de duas décadas, teve de encarar o Tribunal de Justiça Militar de São Paulo. Em agosto de 2018, ele foi condenado a quatro meses de detenção em regime aberto por ameaça.

Conforme as investigações, em julho de 2017, o sargento estava acompanhado de um soldado do 1º Batalhão da PM Metropolitano, em patrulhamento também na região de Santo Amaro, atrás de suspeitos de roubarem uma motocicleta.

Durante as buscas, a dupla de PMs decidiu abordar um homem que estava em uma rua. Na abordagem, o homem teria chamado o soldado de “você”, e o policial o agrediu com um soco no rosto, dizendo que deveria ser chamado de “senhor”.

Após as agressões, o sargento André ameaçou a vítima, conforme indicam as investigações. Segundo consta no processo, o PM disse o seguinte à vítima: “Tem alguma queixa para fazer de nós? A hora é agora de você denunciar”. Em seguida, tirou fotos do documento, do rosto e da residência do homem agredido, e disse que voltaria caso os policiais fossem denunciados.

Na ocasião, a defesa do sargento disse que ele não cometeu o crime de ameaça, e usou o GPS da viatura que ele ocupava para mostrar que o carro estava em movimento durante o período relatado pela vítima. Mas os argumentos da defesa foram rejeitados pela Justiça Militar.

O sargento também já havia participado de uma outra ocorrência que resultou na morte de uma pessoa. Tal fato ocorreu em 24 de maio de 2011. Naquele dia, segundo documento obtido pela reportagem da Ponte, André Chaves da Silva ainda era cabo e estava encarregado por uma viatura, sentando ao lado do soldado Ailton Reis da Silva. Em determinado momento, receberem via rádio do carro policial sobre roubo de carga. Após alguns minutos, localizaram um caminhão que havia sido roubado, no final da Rua Carloforte, Capão Redondo, também na zona sul, parado com dois homens.

De acordo com o documento, “um deles ao visualizar a viatura se evadiu, porém o outro veio de encontro à viatura, momento em que o PM André tentou abordar o indivíduo este começou a correr, mas, virou-se efetuando um disparo de arma de fogo contra a guarnição que foi revidada pelos policiais militares. O agressor continuou a correr, no entanto, depois, de alguns metros caiu alvejado, sendo socorrido ao PS do Campo Limpo”. O homem morto naquele dia foi identificado como Elton da Silva Reis. A dupla de PMs foi absolvida.

Outro lado

A reportagem não conseguiu contato com a defesa do sargento André Chagas. Procurada, a Secretaria de Segurança Pública não se pronunciou.

A defesa do soldado Danilton Silveira da Silva encaminhou nota em que sustentou que irá pedir um habeas corpus:

“Participamos hoje da audiência de custódia dos policiais envolvidos, cujo objetivo era avaliar as formalidades da prisão preventiva. O próprio juiz que havia determinado a prisão conduziu a audiência. Por não haver novos elementos de ontem para hoje, decidiu-se manter a prisão dos policiais. Vamos trabalhar na interposição de habeas corpus atacando esse pedido de prisão preventiva. Não existem elementos processuais para que a prisão seja mantida. Sobre o mérito, ainda não traçamos uma linha de defesa porque não sabemos ainda como eles serão denunciados. Se for considerado um crime doloso o julgamento vai para Vara do Júri e não haverá mais trâmite do caso na Justiça Militar. Teremos que aguardar, portanto. Nossa preocupação agora é fazer com que respondam o caso em liberdade”.

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