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Saúde

Os riscos da ciência feita a toque de caixa, em tempos de coronavírus

Pressionados pela urgência, pesquisadores correm atrás de soluções contra o vírus. Mas os estudos muitas vezes podem levar a conclusões precipitadas e prejudicar o entendimento da população sobre o que hoje se sabe ser realmente eficaz

(Foto: Cecí­lia Bastos/USP Imagem)
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Por Cristiane Bomfim e Fábio de Oliveira, da Agência Einstein - Em meio às notícias alarmantes sobre o avanço dos casos confirmados de Covid-19 no mundo, nos últimos dias pesquisadores brasileiros anunciaram que estão estudando o desenvolvimento de uma vacina contra o novo coronavírus. Nos Estados Unidos, começaram os testes de um imunizante com o mesmo objetivo. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, existem mais de 30 candidatas à vacina ao redor do globo. O número de publicações a respeito do vírus e a doença por ele provocada retratam a corrida dos cientistas em busca de respostas para a rapidez da disseminação, para a progressão rápida da doença em alguns grupos, do tratamento e da cura. Para se ter uma ideia, até a última segunda-feira o Pubmed, ferramenta de pesquisa de artigos científicos, registrou 1.364 publicações sobre a Covid-19 cadastradas desde 1 de janeiro. Já no site Clinical Trial, maior banco de dados de ensaios clínicos do mundo, constam 128 estudos catalogados desde o primeiro dia do ano. 

“Uma pandemia como esta gera muita atividade na área de pesquisa científica. A ciência está tentando ajudar como pode, ou seja, com o levantamento de hipóteses e pesquisas”, afirma o médico Jorge Kalil, diretor do Laboratório de Imunologia do Instituto do Coração (InCor), em São Paulo, e coordenador do projeto para a criação de uma vacina para a Covid-19. O problema, no entanto, é que a pressa por respostas pode resultar em gastos de recursos para resultados inconclusivos. “Em tempos de estresse como este é comum a ocorrência do fenômeno que chamamos de Speed Science, que é fazer ciência a toque de caixa. Essa ânsia pode fazer com que, em muitos casos, a pesquisa não obedeça ao rigor científico exigido”, afirma Luiz Vicente Rizzo, diretor-superintendente de pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein. “No final, os cientistas acabam descobrindo que muitas hipóteses eram apenas anomalias estatísticas.”

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Outra consequência desta ansiedade por respostas em torno do novo coronavírus é a interpretação equivocada de resultados. Exemplo recente é o caso do uso do medicamento Hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. A notícia de que um estudo realizado na França com o medicamento teve resultados animadores para o tratamento da doença foi suficiente para que o produto desaparecesse das prateleiras das farmácias por aqui. Porém, o teste foi feito com 36 pacientes, número muito pequeno de participantes. “É por isso que pesquisas continuam sendo feitas. Outra coisa importante é que não há nenhuma evidência de que a hidroxicloroquina funcione como profilaxia, ou seja, impedindo a infecção pelo vírus”, afirma Rizzo. “Pesquisas nessa velocidade e com diversos grupos de cientistas trabalhando em várias frentes são importantíssimas para a ciência. Mas nem toda hipótese é uma verdade. Talvez seja só um caminho para novas linhas de estudo e quem vai poder fazer essa separação sem alarmar a população é o cientista”, diz Jorge Kalil. A cloroquina é usada no tratamento da malária, do lúpus e de doenças reumáticas e sua utilização sem indicação médica oferece riscos de cegueira e lesão no fígado e nos rins. 

Brasil e Estados Unidos na busca da vacina

O trabalho em busca da vacina para a Covid-19 conduzido no InCor usa fragmentos do novo coronavírus retirados das espículas, ou spikes em inglês, as protuberâncias pontiagudas na superfície viral que lembram uma coroa – daí o nome corona. “As espículas grudam em moléculas do organismo humano e permitem a entrada do vírus na célula”, explica Jorge Kalil, coordenador do projeto. “A vacina vai estimular a produção de um anticorpo que se liga à espícula, o que neutralizará a sua ação”, descreve Kalil. Isso porque o corpo a enxerga como se fosse o micro-organismo. O pesquisador prevê que os testes em animais comecem em dois meses e, até o fim do ano, em seres humanos. 

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Enquanto isso, nos Estados Unidos, foram iniciados os testes clínicos com a vacina desenvolvida pela farmacêutica Moderna Inc. em parceria com o National Institute of Health. Participaram 45 voluntários, jovens e em bom estado de saúde. Eles vão receber diferentes doses do imunizante, que não tem o vírus – por isso eles não correm o risco de serem infectados. Os cientistas vão checar se não há efeitos colaterais sérios para só assim seguirem adiante.

Diferentemente da proposta brasileira, a americana se vale de moléculas sintéticas de RNA mensageiro, o mRNA. Ele tem, por assim dizer, a receita para fabricar proteínas. No caso da vacina, as proteínas estimulariam o sistema imunológico a produzir anticorpos contra o coronavírus. De acordo com Kalil, que também é professor titular da Universidade de São Paulo (USP), esse tipo de imunizante é bom. “Mas é pouco imunogênico, desencadeando uma resposta imune não muito forte.” E completa: “Eles pularam a etapa de testes em primatas por causa da urgência.” Segundo Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas (NIAID na sigla em inglês), mesmo que os experimentos iniciais sejam bem-sucedidos, levará de um ano a um ano e meio até que uma vacina tenha sinal verde para uso em larga escala.

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Já farmacêutica Inovio Pharmaceuticals (EUA) também está atrás de uma vacina de DNA para a Covid-19. A empresa recebeu agora US$ 5 milhões da Fundação Bill & Melinda Gates Foundation para acelerar os testes do Cellectra 3PSP, um dispositivo para aplicação do imunizante. Ainda em estudos pré-clínicos, a INO-4800 não usa um vírus atenuado, por exemplo, mas plasmídeos, moléculas circulares de DNA de fita dupla, sintetizados para induzir uma reposta das nossas defesas. A Inovio já tem uma vacina contra outro tipo de coronavírus, o que causa a síndrome respiratória MERS, na segunda fase de testes. 

Por fim, a Johnson & Johnson, por meio de seu braço farmacêutico, Jansen, se uniu ao Beth Israel Deaconess Medical Center, em Boston (EUA), para tentar viabilizar outra candidata à vacina. A tática é utilizar um vírus causador de resfriado para liberar um antígeno dentro das células e, assim, estimular o sistema de defesa. É a mesma abordagem usada para fazer 2 milhões de doses do imunizante contra o Ebola, ainda não licenciado, mas disponibilizado para 40 mil pessoas em Ruanda e na República Democrática do Gongo. A previsão é que os testes em voluntários saudáveis comecem no segundo semestre. 

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