CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
Pepe Escobar avatar

Pepe Escobar

Pepe Escobar é jornalista e correspondente de várias publicações internacionais

330 artigos

blog

O panorama dos BRICS: na estrada no Brasil e de olho na Rússia-China

Foi como estar imerso em uma viagem psicodélica conduzida por Os Mutantes

Bandeiras do BRICS (Foto: Marcelo Camargo/Ag. Brasil )
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

✅ Receba as notícias do Brasil 247 e da TV 247 no canal do Brasil 247 e na comunidade 247 no WhatsApp.

Acabo de sair de uma extraordinária experiência de imersão: uma mini-tour de conferências no Brasil, cobrindo quatro cidades importantes – São Paulo, Rio, Salvador e Belo Horizonte. Casas lotadas, perguntas afiadas, gente fabulosamente acolhedora, gastronomia divina – um mergulho profundo na oitava maior economia do mundo e um importantíssimo nó dos BRICS+.

Ao mesmo tempo em que tentava expor os pontos mais sutis da longa e sinuosa estrada rumo à multipolaridade e os múltiplos exemplos de choque frontal entre o OTANistão e a Maioria Global, eu não parava de aprender com uma legião de generosos brasileiros sobre as atuais contradições internas de uma sociedade de estarrecedora complexidade.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Foi como estar imerso em uma viagem psicodélica conduzida por Os Mutantes, o icônico trio do movimento Tropicália de fins da década de 1960: do front empresarial de São Paulo, com seus restaurantes de nível internacional e sua frenética atividade econômica – à ofuscante beleza do Rio; de Salvador, a capital da África brasileira até Belo Horizonte, a capital do terceiro estado mais rico da Federação, Minas Gerais, um poderoso centro de exportações de minério de ferro, urânio e nióbio.

Chancay-Xangai

Fiquei sabendo que a China escolheu o estado da Bahia como, provavelmente, seu principal centro de operações no Brasil, onde os investimentos chineses estão por toda a parte – mesmo o Brasil não sendo ainda membro oficial da Iniciativa Cinturão e Rota (ICR).

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

No Rio, fui presenteado com um surpreendente ensaio sobre os estoicos Zenon e Cleantes, de autoria de Ciro Moroni – tratando, entre outros tópicos, das equivalências entre a teogonia/teologia estóica e a Vedanta hindu – a tradição cultural, religiosa e de rituais sagrados da Índia até os tempos de Buda.

Em uma espécie de sincronicidade psicodélica, senti-me como Zenon na Ágora quando debatemos a guerra por procuração da OTAN contra a Rússia na Ucrânia em um lindo pavilhão circular – uma mini-ágora – na lendária Praça da Liberdade de Belo Horizonte, enquanto, do outro lado da rua, acontecia uma fantástica exposição dos Tesouros da Arte Peruana.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Para minha grande surpresa, um peruano, Carlos Ledesma, veio de Lima especialmente para assistir minha conferência e também para a exposição. Ele me falou sobre o porto de Chancay sendo construído ao sul de Lima, com participação acionária de 70% da COSCO e o restante de capitais privados peruanos. Chancay será um porto irmão de Xangai.

Chancay-Xangai: a Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC) em ação do outro lado do oceano. Em novembro próximo, três eventos importantes ocorrerão simultaneamente na América do Sul: o G20 no Rio, a cúpula da APRC em Lima e a inauguração de Chancay.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Chancay será reforçado por nada menos que cinco corredores ferroviários que podem vir a ser futuramente construídos – certamente com investimentos chineses – do Valhala do agronegócio que é o Centro-Oeste brasileiro até o Peru.

Sim, a China está presente por toda a parte em seu maior parceiro comercial da América Latina – para o desespero do Hegêmona que envia a Pequim o funcionário subalterno que é o Pequeno Blinken para ouvir a letra da nova lei da boca do próprio Xi Jinping: é cooperação ou confrontação, uma “espiral descendente”. Sua espiral descendente.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Um rio do Tibete a Xinjiang

Na conferência de Belo Horizonte, dividi o palco com o notável Sebastien Kiwonghi Bizaru, do Congo, que supervisiona os programas de doutorado da Universidade Cândido Mendes, sendo também Professor de Direito Internacional, após uma extraordinária jornada acadêmica.

Ele é também autor de um livro inovador, que examina o papel altamente questionável do Conselho de Segurança das Nações Unidas nos conflitos dos Grandes Lagos – focando Ruanda, Burundi e a República Democrática do Congo.

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Juntamente com a excelente pesquisadora Natacha Rena, examinei em detalhe um mapa da China, acompanhando o roteiro de suas viagens de leste a oeste até a fronteira de Xinjiang, no ano passado – e ela me informou sobre o surpreendente Projeto do Rio Honggqi – ou Rio da Bandeira Vermelha – inicialmente proposto em 2017: nada menos que uma tentativa de desviar água do Tibete até as terras secas e os desertos de Xinjiang com a construção de um enorme rio artificial de mais de seis mil quilômetros, incluindo os canais subsidiários.

O comprimento do rio projetado será um pouco menor que o do Rio Yangtze, desviando 60 bilhões de metros cúbicos de água por ano, mais que a vazão anual do Rio Amarelo. Como seria de se prever, os ecologistas da China vêm atacando o projeto, que já pode ter recebido sinal verde oficial e está avançando de forma discreta.

E então, quando eu pegava a estrada do Rio para Minas Gerais, os Ministros da Economia e Presidentes dos Bancos Centrais dos países do BRICS 10 reuniam-se em São Paulo, e todos eles saudaram a iniciativa de criação de mecanismos “independentes” de liquidação de pagamentos. A Rússia preside esse importantíssimo grupo em 2024.

O Ministro Adjunto das Finanças russo, Ivan Chebeskov, foi direto ao ponto: "A maioria dos países concorda que o pagamento em moedas nacionais é necessário aos BRICS". O Ministério das Finanças da Rússia privilegia a criação de uma plataforma digital em comum congregando as moedas digitais dos Bancos Centrais e seus sistemas nacionais de transmissão de mensagens financeiras.

Um ponto da maior importância é que, nessa reunião dos BRICS 10, a maioria dos membros deixou claro ser favorável a abandonar por completo o dólar estadunidense nas operações comerciais.

O Ministro das Finanças da Rússia, Anton Siluanov, foi ainda mais ousado: ele afirmou que a Rússia está propondo aos BRICS a criação de um sistema global de pagamentos independente "despolitizado".

Siluanov deu a entender que o sistema talvez seja baseado em blockchain – considerando seu baixo custo e grau mínimo de controle exercido pelo Hegêmona.

O mapa dos BRICS para o novo mundo, em São Paulo

Um dia antes do encontro de São Paulo, o Chanceler Sergey Lavrov, em Moscou, deu apoio ao desenvolvimento dessas estratégias para os BRICS, observando que "se conseguirmos desenvolver mecanismos financeiros independentes, questionaremos seriamente o mecanismo da globalização atualmente liderado pelo Ocidente".

Enquanto mais de 100 países vêm atualmente examinando ou implementando de forma embriônica uma moeda digital em seus Bancos Centrais, uma mudança revolucionária é iminente na Rússia, processo esse que venho acompanhando detalhadamente desde o ano passado.

No final das contas, a questão é a Soberania. Esse foi o ponto crucial dos debates mais sérios que tive na semana passada no Brasil com membros da academia e em diversos podcasts relacionados às conferências. Esse é o grande tema que pesa sobre o governo Lula, uma vez que o Presidente dá a impressão de ser um lutador solitário encurralado por um círculo vicioso de quinta-colunistas e elites compradoras.

Em Belo Horizonte, fui presenteado com um outro surpreendente livro, de autoria de uma figura pública brilhante, o falecido Celso Brant. Após uma aguda análise da história moderna do Brasil e de suas interações com o imperialismo, ele lembra o leitor de uma frase do fulgurante escritor e poeta mexicano Octavio Paz na década de 80 sobre o Brasil e a China: "Esses serão os dois grandes protagonistas do século XXI".

Quando Paz proferiu esse veredito, todos os indicadores favoreciam o Brasil que, desde 1870, vinha apresentando o maior crescimento do PIB de todo o mundo. O Brasil exportava mais que a China e, de 1952 a 1987, cresceu a uma taxa anual de 7,4%. Se essa tendência tivesse se mantido, o Brasil seria agora a quarta maior economia do mundo (hoje, o Brasil oscila entre a oitava e a nona, lado a lado com a Itália, e seria a quinta, não fosse pela desestabilização causada pelo Império a partir da década de 2010, que culminou na Operação Lava-Jato).

É exatamente isso que Brant mostra: a forma como o Hegêmona interveio para esmagar o desenvolvimento brasileiro – o que começou muito antes da Lava-Jato. Já na década de 1970, Kissinger dizia que "os Estados Unidos não permitirão o surgimento de um novo Japão abaixo da linha do Equador".

Neoliberalismo barra-pesada foi a principal arma empregada. Enquanto a China, sob o Pequeno Timoneiro Deng Xiaoping e, em seguida, sob Jiang Zemin partia para uma Soberania Total, o Brasil permaneceu atolado na dependência neocolonial. Lula tentou – e está agora tentando de novo, contra tudo e contra todos e cercado por todos os lados, com o Brasil sendo taxado de "estado pêndulo" pela ThinkTankolândia dos Estados Unidos, sendo vítima potencial de uma nova rodada da Guerra Híbrida imperial.

Lula – e algumas sólidas elites acadêmicas distantes do poder – têm pleno conhecimento de que, enquanto neocolônia, o Brasil jamais realizará seu potencial de ser, lado a lado com a China, tal como profetizado por Paz, o grande protagonista do século XXI.

Essa foi a principal conclusão de minha tour psicodélica da Tropicália: Soberania. Viktor Orban – acusado pelos simplórios de ser membro de uma vaga "Internacional Neofascista" – acertou em cheio com uma simples formulação: "O inglório período da civilização ocidental chegará ao fim este ano, com a substituição de um mundo construído sobre a hegemonia liberal-progressista por uma hegemonia soberana".

iBest: 247 é o melhor canal de política do Brasil no voto popular

Assine o 247, apoie por Pix, inscreva-se na TV 247, no canal Cortes 247 e assista:

Carregando...

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO

Carregando...

CONTINUA APÓS O ANÚNCIO
CONTINUA APÓS O ANÚNCIO