Síria realiza primeiras eleições parlamentares desde queda de Assad
Processo marca tentativa de transição política após 14 anos de guerra, mas é criticado por favorecer nomeações e excluir regiões do voto popular
247 - A Síria realizou neste domingo suas primeiras eleições parlamentares desde a queda do antigo regime de Bashar al-Assad, em um marco simbólico para a frágil transição política do país após quase 14 anos de conflito, informou a Al Jazeera. A votação aconteceu em meio a críticas de que o processo é antidemocrático, já que um terço dos 210 membros da nova Assembleia Popular será nomeado diretamente pelo líder interino Ahmed al-Sharaa.
Os 140 deputados restantes não foram escolhidos por voto popular direto, mas sim por colégios eleitorais distribuídos pelo país. Críticos afirmam que o sistema favorece figuras próximas ao governo e tende a concentrar o poder nas mãos de al-Sharaa, limitando qualquer possibilidade de mudança democrática genuína. “Você pode chamar o processo do que quiser, mas não eleições”, disse Bassam Alahmad, diretor executivo da organização francesa Sírios pela Verdade e Justiça, à agência AFP.
A votação, acompanhada por cidadãos, advogados e mídia local, não contou com observadores internacionais. Em regiões como Suwayda, de maioria drusa, e no nordeste controlado pelas Forças Democráticas Sírias lideradas pelos curdos, o pleito foi adiado indefinidamente devido a tensões com Damasco. “As pessoas nas ruas sentem que esta é a primeira chance que elas têm de realmente sentir o gostinho de uma eleição depois de quase seis décadas de governo da família Assad”, afirmou Osama Bin Javaid, correspondente da Al Jazeera em Damasco.
O novo parlamento terá um mandato de 30 meses e deverá preparar o caminho para eleições populares futuras, enquanto enfrenta desafios estruturais e de reconstrução em um país devastado por anos de guerra. “O parlamento terá que provar que a Síria pode se tornar uma democracia constitucional e que as pessoas que chegarem ao poder serão responsáveis perante aqueles que votarem nelas”, acrescentou Bin Javaid.
Com 7.000 membros de colégios eleitorais distribuídos em 60 distritos escolhendo os 140 deputados, e 70 indicados diretamente por al-Sharaa, os críticos apontam a falta de transparência e supervisão no processo, especialmente na seleção das subcomissões eleitorais. Apenas 14% dos candidatos são mulheres, e grandes regiões do país permanecem excluídas da participação.
Apesar das críticas, especialistas afirmam que a organização de eleições diretas seria praticamente impossível neste momento devido ao grande número de sírios deslocados internamente ou refugiados no exterior. “Seria realmente difícil elaborar listas eleitorais hoje na Síria”, comentou Benjamin Feve, analista sênior da Karam Shaar Advisory, à Associated Press. Haid Haid, pesquisador sênior da Arab Reform Initiative, destacou que “todo o processo é potencialmente vulnerável à manipulação”, especialmente nas regiões onde o governo central não exerce controle efetivo.
Para os cidadãos, a eleição representa uma oportunidade de exercer algum grau de participação política, mesmo que limitada. Nishan Ismail, professor no nordeste controlado pelos curdos, disse à AFP que “as eleições poderiam ter sido um novo começo político”, mas que “a marginalização de inúmeras regiões mostra que os padrões de participação política não são respeitados”.
Enquanto isso, candidatos como Mayssa Halwani reconhecem a complexidade do processo. “O governo é novo no poder e a liberdade é nova para nós”, declarou ela em Damasco, refletindo o desafio de construir instituições democráticas em um país marcado pela guerra e pela destruição de décadas de regime autoritário.
