Banco Central, Roberto Campos Neto e Lula

Lula batalha por mais crescimento e descobre espaços

O recado foi explícito: Lula está determinado a manter-se fiel ao ideário que o consagrou nas urnas

O país atravessa o Carnaval após um período de disputa sobre o tema da inflação e suas repercussões sobre as perspectivas de crescimento econômico.

Para além disso, ressaltam as implicações políticas para os entes envolvidos em certames que prometem delinear padrões de futuras controvérsias.

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A disputa emergiu de maneira mais clara já no início do mês, depois da reunião em que o Comitê de Política Monetária do Banco Central deliberou pela permanência da taxa básica de juros em 13,75%, a maior do planeta. 

Para acrescentar um grão de sal sobre a ferida aberta, o Banco Central, em comunicado sobre a reunião, adiantou argumentos para supostamente justificar cuidados preventivos diante de uma incerteza sobre a sustentabilidade das contas públicas pelo  advento do governo Lula. Dizia o comunicado sobre a reunião, referindo-se à precisão dos cenários que previa para a inflação: "O comitê julga que a incerteza em torno das suas premissas e projeções atualmente é maior do que o usual".

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Manifestava também "a ainda elevada incerteza sobre o futuro do arcabouço fiscal do país e estímulos fiscais que implicam sustentação da demanda agregada, parcialmente incorporados nas expectativas de inflação e nos preços de ativos".

Em outras palavras, o Banco Central dizia que a eleição de Lula representava uma ameaça para a política de controle dos preços.

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Além do tom de desafio, estavam aí gravadas em texto restrições às intenções de crescimento econômico preconizadas por Lula  desde a campanha eleitoral. 

Eram críticas de uma autoridade e um organismo que, vale dizer, por mais que se discuta o grau de sua independência, estão subordinados por lei ao novo mandatário.

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Remanescente do derrotado governo anterior, o Banco Central e seu presidente disseminavam uma descrença na sinceridade de compromissos de responsabilidade fiscal anunciados pelo novo superior, naquilo que foi entendido como uma atitude de disputa dos rumos da nova administração.  

Era incontornável a suspeita: estaria (ou está?) o Banco Central buscando enquistar-se como oposição ao novo presidente?

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A reação de Lula foi modelar na defesa de sua soberania, a qual, por sinal, não vinha sendo desafiada pela primeira vez, mesmo em ainda tão curta gestão.

O presidente considerou a taxa de juros uma "vergonha" e não isentou de críticas o próprio Roberto Campos Neto, a quem chamou de "esse cidadão", provavelmente apontando a ele o seu lugar.

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O recado foi explícito: Lula está determinado a manter-se fiel ao ideário que o consagrou nas urnas.

Ressalta nesse compromisso o combate à miséria e à desigualdade pela via do crescimento econômico com participação indutora do Estado e pela ativação de programas de inclusão e remediamento social – os quais, Lula aproveita aproveita sempre para insistir, devem ser vistos não como gasto, mas como investimento. 

O que se viu em seguida foi artigo de André Lara Resende que apontou o irrealismo existente na propagação da ideia de que o país estaria diante de um "precipício" fiscal. Juntou-se um manifesto-relâmpago de centenas de economistas em defesa da queda de juros e com críticas ao Banco Central. 

Diante da reação de Lula e da repercussão, o próprio Campos Neto providenciou uma  entrevista ao programa Roda Viva em que oscilou entre tentar sustentar suas opiniões e conciliar com o governo. 

No mesmo contexto, dois dias depois, o presidente do Banco Central deu um giro: pediu a participantes do mercado “boa vontade” com o governo, que estaria trabalhando 

para melhorar o ambiente fiscal. 

Para coroar a semana, sobrevieram declarações de três insuspeitos participantes do mercado 

financeiro. Não, como era de esperar, em defesa da autonomia do BC, mas contra o nível da Selic, a meta de 

inflação e o irrealismo da política monetária, secundando Lula indiretamente e cravando uma cunha no coração da Faria Lima. 

Por suas repercussões sobre o emprego e a atividade, os juros dessa magnitude não são apenas inviáveis politicamente como insustentáveis tecnicamente, como apontam as próprias projeções para o IPCA.

Como se não bastasse, pesquisa de opinião do Instituto Quaest registrou  que 76% dos brasileiros julgam que Lula está certo ao forçar a queda dos juros. 

Mais do que uma vitória pontual, baseada em humor ou intuição de um político experimentado, o que surge desse episódio é a disposição de Lula para a criação de condições de uma recepção mais despojada, ou menos negativa, à proposta de arcabouço fiscal a ser enviada já em março ao Congresso pelo Ministério da Fazenda.

Assoma, antes de tudo, um padrão político de reação por parte do presidente, que se apresenta para o debate e termina por criar  espaços de tolerância até mesmo onde antes se supunha haver ambiente bem mais inóspito.

Leonardo Attuch

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Leonardo Attuch é jornalista e editor-responsável pelo 247.