Sete anos depois, o Tribunal Regional Federal da 1ª Região decidiu por unanimidade manter o arquivamento do processo por improbidade administrativa das pedaladas fiscais que foram o motivo alegado para o impeachment contra a presidenta Dilma Rousseff, em 2016.
Ato contínuo, o presidente Lula se manifestou: "A Justiça Federal em Brasília absolveu a companheira Dilma da acusação da pedalada... e eu agora vou discutir como que a gente vai fazer...É preciso ver como é que se repara uma coisa que foi julgada por algo que não aconteceu".
Em seguida, o PT deu entrada no Congresso a um pedido para anular o impeachment de Dilma.
Na verdade, o que está em questão nesses movimentos de Lula e do PT diz respeito ao direito do país ao conhecimento da verdade histórica de seu passado recente.
Não foi nada banal o que aconteceu no Senado e na Câmara em 2016.
Abriu-se um abismo institucional profundo, cujas consequências se fazem sentir até hoje.
A violência do impeachment violou a vontade das urnas. Levou ao poder um governo neoliberal de um vice traidor, Michel Temer, que apunhalou sua companheira de chapa pelas costas. Deu-se no âmbito da conspiração judicial criminosa imposta pela quadrilha da Lava-Jato chefiada por um juiz declarado suspeito. Abriu caminho para a prisão de Lula, também com participação do Judiciário, e a eleição do capitão de extrema-direita Jair Bolsonaro.
Estes governos abortaram a meio caminho um projeto nacional para o desenvolvimento soberano, que buscava a industrialização de base nacional, capaz de sustentar a redução das desigualdades. O estado brasileiro e boa parte das maiores empresas nacionais foram submetidos a um sistemático processo de desmonte, de que se beneficiaram países e enpresas concorrentes internacionais. A desigualdade aumentou. A fome retornou. Na esteira do golpe.
O impeachment de Dilma teve como alegada base factual uma mentira forjada por seus opositores alojados no Congresso, na mídia e no Judiciário. As práticas orçamentárias da presidenta e seus auxiliares - batizadas publicitariamente de "pedaladas" por esses seus opositores - foram consideradas legais aos olhos da Justiça.
Está certo Lula: após mais de sete exaustivos anos de julgamentos, recursos e apelos, Dilma e sua equipe foram absolvidos. As pedaladas foram o nó do processo. Não se provou sobre elas nenhuma ilegalidade.
E como fica então o impeachment que retirou do cargo uma presidenta democraticamente eleita, uma mulher íntegra e honesta?
Tanto a intenção impressa no projeto do PT de anulação dos atos do impeachment no Congresso como o compromisso de reparação da parte do presidente Lula não são formalidades.
Para além das nulidades requeridas, importa frisar que o fundamental, para o presente e o futuro do país, é restabelecer toda a verdade dos fatos em torno do golpe em todas as suas fases, desnudar os processos, os indivíduos e os interesses que se mancomunaram para violentar a vida nacional com desígnios encobertos e até hoje em boa parte inconfessados, com origem no país ou no exterior.
Uma tal devassa histórica deveria partir da constatação, por exemplo, de que os três grupos jornalísticos mais comprometidos com o golpe contra Dilma se precipitaram agora, diante da declaração de Lula em favor de reparação, para vociferar contra o presidente. Os três publicaram editoriais sinalizando sua grave ansiedade diante do que lhes pareceu a quebra de um tabu: "Não foi golpe", "a ninguém cabe reescrever a história do impeachment", ecoaram os títulos entoando as opiniões dos três veículos.
Por que tanto se inquietam os grupos Globo, Folha e Estadão? Será que isso tem a ver com a coincidência de terem os mesmos participado de um golpe e se verem diante da possibilidade de terem que enriquecer oficialmente seu currículo com mais um?
Sim, porque nem eles mais negam seu engajamento no outro golpe, de igual sentido, do qual estes mesmos grupos participaram em 1964.
Como agora, naquela ocasião, a verdade histórica de que aquilo se tratava de um golpe foi negada por estes mesmos grupos midiáticos que patrocinaram aquela quartelada.
Em 64, além de apoio, houve articulação das famílias Marinho, Frias e Mesquita com os golpistas. E em 2016? Ainda está por se revelar quais foram os laços subterrâneos dos donos desses e outros veículos com Temer, Cunha, Aécio e outros conspiradores da virada de mesa que amputou, por meio de um ardil, o mandato de Dilma Rousseff.
O país ainda precisa saber os meandros da história que levou ao golpe de 2016. É essa a tarefa essencial que se impõe agora, diante da inocentação de uma presidenta, justamente para que os envolvidos sejam resposabilizados diante da história, e que esse aprendizado seja a base sobre a qual se erga um edifício institucional mais sólido.
Dilma inocentada, os golpistas negam que tenha havido um golpe. Inventam-se razões alheias ao estado de direito para sustentar a versão. Alega-se que Dilma perdeu apoio político do Congresso, que passou a ser mal avaliada pela população ou que governou mal. No limite, dizem que o impeachment tem que ser mantido a ferro e fogo, não importam as razões. Nenhuma situação que apresentam constitui condição prevista em lei como razão para o impeachment.
Como escreveram os juristas Carol Proner e Lênio Streck, editoriais como esses devem servir como alerta aos democratas. Eles denotam que segue entranhado em áreas poderosas o apego ao vale-tudo institucional. As forças golpistas estão à espreita, aguardando situação favorável para atacar a democracia uma vez mais.
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